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Queixas de particulares

O Comité dos Direitos da Criança foi o último dos comités dos tratados de direitos humanos das Nações Unidas a ser dotado de competência para examinar queixas de particulares por alegada violação da Convenção ou seus protocolos facultativos, na sequência da adoção, a 19 de dezembro de 2011, do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo à Instituição de Um Procedimento de Comunicação (PF-Comunicações), que regula a matéria nos seus artigos 5.º a 11.º. Em janeiro de 2013, o Comité adotou regras de procedimento específicas para a tramitação destas queixas.

As queixas podem ser apresentadas por ou em nome de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos, sob a jurisdição de um Estado Parte, que afirmem ser vítimas de violação, por esse Estado Parte, de qualquer dos direitos estabelecidos na CDC ou nos protocolos facultativos relativos à participação de crianças em conflitos armados ou à venda de crianças, prostituição infantil ou pornografia infantil (art.º 5.º do PF-Comunicações). É recomendado o preenchimento do formulário de queixa adotado pelo Comité em outubro de 2015.

Caso a queixa seja apresentada em nome de um indivíduo ou grupo de indivíduos, é necessário o seu consentimento, a menos que o autor possa justificar o facto de estar a agir em seu nome sem o referido consentimento. De acordo com a regra de procedimento n.º 13, as queixas são admitidas independentemente do reconhecimento, ou não, de capacidade jurídica à vítima no Estado Parte visado. Caso se tema que o consentimento prestado para a apresentação de uma queixa resulta de pressão ou manipulação indevida, o Comité pode solicitar informação ou documentação adicional, nomeadamente a terceiros, a fim de demonstrar que a alegada vítima não foi indevidamente pressionada ou manipulada e que a apresentação da queixa é no superior interesse da criança. Se possível, a alegada vítima será informada da queixa e as suas opiniões devidamente tidas em conta, de acordo com a respetiva idade e maturidade.

Em qualquer momento após a receção de uma comunicação e antes de se pronunciar sobre o fundo da questão, o Comité pode dirigir ao Estado Parte em causa um pedido para a adoção das providências cautelares que considere necessárias a fim de evitar eventuais danos irreparáveis à vítima ou vítimas da alegada violação, o que não prejudica qualquer decisão sobre a admissibilidade da queixa ou o fundo da questão. As decisões do Comité em matéria de providências cautelares são tomadas no prazo de 24 horas. O Comité pode também, a todo o tempo, instar o Estado Parte a tomar medidas para garantir a proteção do queixoso contra quaisquer violações de direitos humanos ou manobras de intimidação ou represália (PF-Comunicações, artºs 4.º e 6.º).

Nos termos do art.º 7.º do PF-Comunicações, o Comité declarará inadmissível qualquer queixa que não preencha os seguintes requisitos de admissibilidade:

a) Seja anónima, embora a identidade da alegada vítima não seja publicamente divulgada sem o seu consentimento expresso;

b) Não seja apresentada por escrito;

c) Constitua um abuso do direito de comunicação ou seja incompatível com a Convenção e/ ou seus Protocolos Facultativos;

d) Incida sobre uma questão que tenha sido ou esteja a ser analisada pelo Comité ou outro procedimento internacional de investigação ou regulação;

e) Seja apresentada sem se terem esgotado todas as vias de recurso internas disponíveis, salvo se o processo relativo a esses recursos se prolongar injustificadamente ou se for pouco provável que conduza a uma reparação eficaz;

f) Seja manifestamente infundada ou não esteja suficientemente fundamentada;

g) Se refira a factos ocorridos antes da entrada em vigor da Convenção ou Protocolo que prevê o direito alegadamente violado e do PF-Comunicações para o Estado Parte em causa, a menos que os factos perdurem após essa data;

h) Não seja apresentada no prazo de um ano após o esgotamento das vias internas de recurso, salvo nos casos em que o autor consiga demonstrar que não foi possível apresentar a queixa nesse prazo.

Para a tramitação das queixas, o Comité estabeleceu um Grupo de Trabalho sobre comunicações composto por nove dos seus membros, que formula as recomendações que julga pertinentes para consideração pelo Comité plenário. Para cada queixa recebida será designado um dos membros do Grupo de Trabalho como relator de caso, que recolhe e examina toda a informação pertinente e propõe ao Grupo de Trabalho as medidas que considera pertinentes, nomeadamente acerca da admissibilidade da queixa e do fundo da questão. O Grupo de Trabalho pode também solicitar a um dos membros do Comité que atue como relator de caso mesmo não sendo membro do Grupo de Trabalho, assim como pedir informações a peritos e outros terceiros.

Todas as queixas apresentadas por crianças são transmitidas pelo Secretariado ao Grupo de Trabalho, sendo a sua receção confirmada por escrito, numa linguagem acessível; as queixas apresentadas por adultos podem ser rejeitadas pelo Secretariado em casos de inadmissibilidade flagrante (por exemplo, comunicações anónimas, que não digam respeito à CDC ou seus protocolos ou apresentadas contra Estados não Partes).

Se a queixa não for declarada inadmissível sem comunicação ao Estado Parte visado, será transmitida a este, confidencialmente e o mais depressa possível. O Estado Parte dispõe de seis meses para se pronunciar por escrito sobre a admissibilidade da queixa e o fundo da questão, apresentando ao Comité explicações ou declarações que esclareçam o caso e indicando, se for caso disso, as medidas corretivas adotadas (PF-Comunicações, art.º 8.º).

Em seguida, o Comité, a pedido das partes ou por iniciativa própria, se o entender adequado, disponibiliza os seus bons ofícios para que se encontre uma resolução amigável do litígio “com base no respeito pelas obrigações definidas na Convenção e ou nos Protocolos Facultativos à mesma”. Se um acordo for alcançado entre as partes, a comunicação será arquivada (PF-Comunicações, art.º 9.º).

Caso contrário, o Comité examinará a queixa, à porta fechada, “o mais rapidamente possível”, à luz de toda a documentação que lhe tenha sido apresentada, mesmo por terceiros, desde que transmitida a ambas as partes. O exame pode incluir uma audiência oral, presencialmente ou por videoconferência. Será dada prioridade aos casos em que tenha sido solicitada a adoção de providências cautelares. Em seguida, o Comité transmitirá às partes em causa, sem demora, os seus pareceres sobre a comunicação, acompanhados, se for caso disso, das suas recomendações (PF-Comunicações, art.º 10.º, nºs 1 a 3 e 5). A linguagem utilizada nas decisões sobre queixas individuais será, tanto quanto possível, adaptada à idade e maturidade das crianças.

Se a queixa disser respeito à alegada violação de um dos direitos económicos, sociais ou culturais previstos na Convenção ou seus Protocolos, o Comité avaliará a razoabilidade das medidas adotadas pelo Estado Parte em conformidade com o artigo 4.º da Convenção, devendo “ter presente que o Estado Parte pode adotar uma série de medidas de política sectorial possíveis para executar” tais direitos (PF-Comunicações, art.º 10.º, n.º 4).

Seguimento: o Estado Parte deverá ter “devidamente em conta” os pareceres e recomendações do Comité e apresentará a este, no prazo de seis meses, uma resposta escrita com informação sobre as medidas adotadas para lhes dar seguimento. O Estado Parte pode ainda ser convidado a incluir informação sobre as medidas adotadas em seguimento aos pareceres do Comité, ou em cumprimento de um acordo de resolução amigável, se este existir, nos seus relatórios seguintes.

No seio do Comité, o seguimento é assegurado pelo relator de caso ou por membros do Comité oriundos da mesma região do Estado Parte visado ou especialistas na área abrangida pela queixa.

Até final de 2017, segundo informação disponibilizada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o Comité havia declarado inadmissíveis quatro queixas de particulares e 31 encontravam-se pendentes.