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Queixas de particulares

À semelhança do que acontece com outros instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, a Convenção contra a Tortura, no seu art.º 22º, atribuiu ao Comité contra a Tortura competência para apreciar queixas apresentadas por particulares, desde que estes estejam sujeitos à jurisdição de um Estado Parte que tenha reconhecido a competência do Comité para este efeito mediante a formulação da declaração prevista neste artigo.

Se a alegada vítima não estiver em condições de apresentar ou prosseguir ela própria com a queixa, os respetivos familiares ou representantes legais poderão agir em seu nome. Admite-se também, em determinadas circunstâncias, que ONG sejam autorizadas a agir em nome das vítimas.

Formulário de queixa: a sua utilização não é obrigatória, mas é fortemente encorajada.

De acordo com a regra de procedimento 114, o Comité poderá solicitar ao Estado Parte visado, antes mesmo da decisão sobre a admissibilidade da queixa, a adoção das providências cautelares que considere necessárias para evitar danos irreparáveis à vítima ou vítimas da alegada violação.

O processo começa com o exame da admissibilidade da queixa e, só depois de se certificar de que os requisitos de admissibilidade se encontram preenchidos, o Comité procederá à análise do fundo da questão. Poderá ser auxiliado, no exercício das suas funções, por um Relator sobre novas queixas e providências cautelares e/ou por um grupo de trabalho especialmente criado para o efeito, composto por membros do Comité em número máximo de cinco.

Os requisitos de admissibilidade de uma "comunicação individual" (em boa parte coincidentes com os que vigoram no âmbito dos restantes tratados de direitos humanos da ONU e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos), são fundamentalmente os seguintes:

a) a queixa deve referir-se à violação, por um Estado Parte, das disposições da Convenção, não devendo constituir abuso de direito nem ser incompatível com as disposições da mesma;

b) deve ser apresentada pela alegada vítima ou em nome dela, não sendo por conseguinte admissíveis comunicações anónimas;

c) todos os recursos internos disponíveis devem ter sido previamente esgotados, a menos que os processos de recurso excedam prazos razoáveis ou que seja pouco provável que venham a ressarcir a vítima pelo dano sofrido;

d) a mesma questão não deve ter sido ou estar a ser examinada por outra instância internacional de inquérito ou de decisão - este requisito foi ampliado em relação ao disposto no Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, que apenas exige que a questão não esteja, no momento, a ser analisada por outra instância. Deve referir-se, porém, para efeito de procedência deste requisito de inadmissibilidade, que a questão deve ter sido substancialmente analisada por outra instância internacional, ou seja, analisada em termos do respetivo conteúdo: uma rejeição meramente formal, por outra instância, não deverá obstar a que o Comité aprecie a comunicação.

Não existe prazo para a interposição das queixas, mas segundo a alínea f) da regra de procedimento 113, o tempo passado desde o esgotamento das vias internas de recurso não pode ser de tal forma excessivo que torne a consideração das queixas demasiado difícil para o Comité ou para o Estado Parte.

Antes de considerar uma comunicação admissível, o Comité pode ainda requerer à alegada vítima ou ao Estado envolvido informações adicionais, esclarecimentos ou comentários.

A Convenção permite que sejam tidas em conta quaisquer informações submetidas pelo particular ou pelo Estado visado, não exigindo que as mesmas revistam a forma escrita - isto constitui um importante melhoramento face a outros instrumentos de direito internacional (nomeadamente ao Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos), permitindo a inquirição de peritos e de testemunhas. Contudo, estas situações são excecionais e o caso não será prejudicado pela falta de comparência pessoal do queixoso.

Se a comunicação for declarada inadmissível, o Comité informa as partes envolvidas. Isto não impede, porém, que a questão possa vir a ser reapreciada mais tarde, caso o Comité tenha conhecimento de que os fundamentos de inadmissibilidade deixaram de se aplicar.

Se uma queixa for considerada admissível, o Comité, após informar ambas as partes envolvidas, procede ao exame do fundo da questão. O Estado Parte visado deverá, no prazo de seis meses, apresentar ao Comité as explicações ou declarações necessárias ao esclarecimento da questão, indicando, se for caso disso, as medidas que poderiam ter sido tomadas para lhe dar solução. O autor da comunicação poderá também prestar informações, esclarecimentos ou declarações adicionais.

O Comité analisará as comunicações recebidas em reuniões à porta fechada, nas quais poderão estar presentes, se o Comité assim o entender, o queixoso ou seu representante, bem como representantes do Estado Parte interessado.

Face à informação recolhida, o Comité formula as suas conclusões, podendo cada um dos seus membros exprimir uma opinião individual. Tais conclusões serão comunicadas ao particular e ao Estado Parte interessado, o qual será convidado a informar o Comité das medidas adotadas em conformidade com as mesmas.

Em maio de 2002, o Comité designou um relator para o seguimento das decisões tomadas na sequência da análise de queixas: entre outras atividades, este relator envia notas verbais aos governos inquirindo sobre as medidas adotadas na sequência das recomendações do Comité, sugere a este a adoção de novas medidas nos casos em que o governo não responde ou em que lhe chega informação de que as recomendações não estão a ser respeitadas, reúne com representantes dos Estados visados para discutir a melhor forma de dar cumprimento a tais recomendações, realiza visitas ao terreno e prepara relatórios para o Comité.

Um resumo das comunicações apreciadas, respetivos esclarecimentos e declarações prestadas pelos Estados Partes, bem como das conclusões do Comité e atividades de seguimento, é incluído no relatório anual apresentado por este órgão à Assembleia Geral das Nações Unidas. Desde 2014 que o Comité publica também relatórios autónomos sobre o seguimento das decisões tomadas na sequência da análise das queixas apresentadas ao abrigo do art.º 22.º da Convenção contra a Tortura.

Até 15 de agosto de 2015, o Comité tinha recebido 697 queixas relativas a 34 Estados Partes, dos 66 que haviam reconhecido a sua competência ao abrigo do art.º 22.º da Convenção. As queixas foram declaradas inadmissíveis ou arquivadas em 267 dos casos, tendo o Comité concluído pela existência de violação da CAT em 107 situações e pela não violação em 165 outras. Nessa data, encontravam-se pendentes 158 casos perante o Comité contra a Tortura.