Simp

Está aqui

Alto Comissário “muito preocupado” com tratamento dos migrantes e refugiados na União Europeia

9 mar 2017

O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, declarou-se ontem “muito preocupado” com a forma como a União Europeia (UE) está a lidar com a situação nos migrantes e refugiados que chegam às nossas fronteiras, destacando pela negativa desenvolvimentos ocorridos na Hungria, Polónia, Reino Unido e França, mas considerando “notável” a forma como a Grécia está a dar resposta ao problema. Estas declarações foram proferidas na apresentação ao Conselho de Direitos Humanos do relatório anual actualizado do Alto Comissário sobre a situação de direitos humanos no mundo. Zeid manifestou também preocupado com a forma como a nova administração americana está a abordar uma série de questões de direitos humanos.

“Embora reconhecendo os esforços heróicos de muitos agentes que, no Mediterrâneo, tentam salvar vidas no mar, estou muito preocupado com os crescentes apelos dentro da União Europeia para estabelecer centros ou campos de processamento extraterritorial no Norte de África e em outras regiões, e para envolver agentes externos nas questões migratórias, com escassa atenção aos direitos humanos. Por exemplo, os migrantes detidos no mar pela Guarda Costeira Líbia ou agências análogas podem ficar em risco de serem sujeitos a mais violência. Reitero a importância de respeitar o princípio segundo o qual as pessoas não podem ser enviadas de volta a países onde possam ser sujeitas a tortura, perseguição ou ameaças às suas vidas. Muitos cidadãos comuns da Europa acolhem bem e apoiam os migrantes, mas os líderes políticos demonstram cada vez mais uma gélida indiferença pela sorte destas pessoas. Estou particularmente perturbado com narrativas públicas sinistras que parecem tentar deliberadamente fomentar o medo e pânico públicos, apresentando estas pessoas vulneráveis como hordas de criminosos invasores.

Na passada semana, o Primeiro Ministro da Hungria terá alegadamente declarado que a homogeneidade étnica é fundamental para o sucesso económico. Nenhuma sociedade é homogénea, muito menos na Europa Central, e estas noções tóxicas da chamada pureza étnica remontam a tempos em que muitas pessoas sofreram atrocidades. Incluindo na Hungria. Ontem, o Parlamento húngaro aprovou uma lei que exige que todos os migrantes sejam transportados para uma área fora das fronteiras do país. Todos os requerentes de asilo permanecerão detidos na mesma área ao longo de todo o procedimento de asilo, o que está longe de respeitar as normas internacionais. Tal como sucede na Polónia, o governo húngaro tem continuado a enfraquecer a sociedade civil e os juízes e a aumentar a influência do governo nos meios de comunicação social. Em ambos os países, foram introduzidas reformas legislativas que cercearam a independência dos Tribunais Constitucionais.

Em outros Estados Membros da UE, incluindo Reino Unido e França, as instituições judiciais tradicionalmente objecto de grande respeito têm sido sujeitas a enormes críticas e, em certos casos, a abusos. Estou preocupado com uma futura tendência nesta direcção que possa comprometer o seu funcionamento independente.”

Em contraponto, o Alto Comissário lembrou que, na Grécia, “há duas semanas, o Presidente Pavlopoulos visitou um centro de refugiados e disse a crianças vindas do Iraque, Síria e Afeganistão: Sejam bem-vindos. Vocês são parte de nós e ficarão aqui enquanto for necessário, até que o pesadelo da guerra acabe. Num continente muito rico que parece determinado a mandar para trás um grande número de migrantes, mesmo em condições possivelmente muito perigosas, estas palavras – que exprimem algo que devia ser uma compaixão básica universal – são ainda mais notáveis vindas de um país em dificuldades económicas.”

“Nos Estados Unidos da América, estou preocupado com a forma como a nova administração trata de uma série de questões de direitos humanos. É necessária uma maior e mais consistente liderança para combater o recente aumento da discriminação, anti-semitismo e violência contra minorias étnicas e religiosas. O vilipêndio de grupos inteiros de pessoas, como os mexicanos e os muçulmanos, e falsas acusações de que os migrantes cometem mais crimes do que os cidadãos americanos, são nocivos e fomentam abusos xenófobos. Estou estarrecido com tentativas do Presidente para intimidar ou enfraquecer jornalistas e juízes. Estou também preocupado com as novas políticas de imigração que impedem a entrada de pessoas de seis países predominantemente muçulmanos por 90 dias, bem como com políticas que aumentam grandemente o número de migrantes em risco imediato de deportação – sem ter em conta os anos passados nos EUA ou os laços familiares. Estas políticas ameaçam aumentar muito a utilização da detenção, inclusivamente de crianças. Deportações rápidas podem resultar em expulsões e reenvios colectivos, violando o direito internacional, se levados a cabo sem as garantias de um processo justo, incluindo apreciação individualizada. Estou especialmente perturbado com o impacto destas alterações nas crianças, que podem ser detidas ou ver as suas famílias separadas”.

Na sua intervenção, o Alto Comissário Zeid manifestou-se ainda preocupado com a situação em Myanmar, Filipinas, Camboja, China, Coreia do Norte, Irão, Turquia, Sudão do Sul, República Democrática do Congo, Burundi, Mali, Palestina, Federação Russa, Iraque, Egipto, Bahrain, Venezuela, Brasil e Haiti, mas saudou desenvolvimentos recentemente ocorridos na Gâmbia, Uzbequistão e Tunísia.

O Alto Comissário destacou também os quatro países responsáveis por 90% das execuções levadas a cabo em todo o mundo: China, Irão, Arábia Saudita e Paquistão, lamentando a reintrodução da pena de morte neste Estado, bem como no Bahrain, Gâmbia, Indonésia, Jordânia e Kuwait. Lamentou igualmente a declarada intenção das Maldivas, Papua Nova Guiné, Turquia e Filipinas de prosseguir idêntica via.

“O ano de 2017 pode ser um marco em muitos aspectos. Irão os pérfidos ataques de grupos terroristas empurrar os governos ainda mais para respostas fortemente securitárias, aumentando a probabilidade de abusos, à custa dos direitos humanos? E irão os populistas continuar a beneficiar do crescente medo e desilusão? Irão eles, juntamente com outros líderes de pendor autoritário, levar o sistema internacional ao colapso? Ou será que suficientes pessoas compreenderão claramente o que está em causa – vendo que todo o sistema baseado nos direitos está sob ataque – e contrariarão as forças centrífugas que ameaçam destruir as instituições regionais e internacionais? Reforçarão as forças centrípetas de que a Agenda 2030 precisa tão desesperadamente, para erradicar a pobreza extrema e beneficiar todas as sociedades?”, perguntou. 

 

por: Raquel Tavares

Fontewww.ohchr.org