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Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres: medidas de austeridade têm impacto desproporcional nas mulheres

24 nov 2015

O Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres afirmou ontem que as medidas de austeridade adoptadas por Portugal no âmbito do programa de resgate acordado com as instituições europeias e FMI “têm um efeito negativo e desproporcional sobre as mulheres em muitas áreas da vida”, dizendo-se preocupado pelo facto de o impacto de género de tais medidas não estar ainda suficientemente estudado. Neste contexto, lembrou ao Estado português que “mesmo em tempos de constrangimento fiscal e crise económica, têm de ser feitos esforços especiais para respeitar os direitos humanos das mulheres, sustentar e expandir o investimento social e a protecção social e empregar uma abordagem sensível às questões de género, dando prioridade às mulheres em situação vulnerável.”

Estas conclusões e recomendações foram feitas na sequência da análise do 8.º e 9.º relatórios periódicos de Portugal relativos à aplicação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), constando das observações finais do Comité ontem publicadas no documento com a cota CEDAW/C/PRT/CO/8-9.

Nestas observações finais, são identificados aspectos positivos da evolução da situação portuguesa na área do combate à discriminação contra as mulheres, a par de áreas de preocupação, à luz das quais são formuladas recomendações. Espera-se que o Estado português dê seguimento a estas recomendações até à apresentação do 10.º relatório periódico, em Novembro de 2019.

Como aspectos positivos, o Comité destacou a introdução de um quadro legislativo sensível às questões de género com a nova Lei do Asilo para protecção das refugiadas e requerentes de asilo, a inclusão da identidade de género como um dos fundamentos proibidos de discriminação no Código Penal, a adopção da Lei sobre identidade de género em Março de 2011 e as alterações ao Código Civil com vista ao reconhecimento de diferentes formas de relações familiares em Maio de 2010.

O Comité considerou igualmente positivas as alterações ao Código do Trabalho sobre protecção da parentalidade e a conciliação da vida laboral e familiar, em Fevereiro de 2009, bem como a adopção da Lei sobre Violência Doméstica, em Setembro do mesmo ano. Congratulou-se ainda com a adopção de novos planos e programas nacionais nas áreas da igualdade de género, cidadania e não discriminação (2014-2017), eliminação da mutilação genital feminina (2014-2017), implementação da resolução 1325 (2000) do Conselho de Segurança, sobre mulheres, paz e segurança (2004 a 2018) e Estratégia nacional para o Povo Cigano (2013-2020). Por último, saudou o facto de Portugal se ter tornado Parte em tratados internacionais de âmbito universal ou regional nas áreas da protecção dos trabalhadores do serviço doméstico (2015), desaparecimentos forçados (2014), combate à violência contra as mulheres e violência doméstica (2013), protecção da maternidade (2012) e direitos das pessoas com deficiência (2009), recomendando que se considere a ratificação do único dos nove tratados fundamentais de direitos humanos de que não somos ainda Parte: a Convenção sobre os Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das Suas Famílias.

Considerando a crise económica e medidas de austeridade como parte de um contexto geral que dificulta a aplicação de toda a Convenção, o Comité recomenda que Portugal leve a cabo um estudo abrangente sobre as consequências das medidas de austeridade sobre as mulheres e defina um plano de acção a fim de minimizar as consequências negativas de tais medidas, procurando a assistência e o apoio da União Europeia para a respectiva implementação. Foi igualmente recomendada a introdução de medidas temporárias especiais como forma de dar resposta rápida a este problema, bem como a prestação de apoio e recursos financeiros adequados à Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) e às ONG que trabalham na área.

O Comité disse estar preocupado com o grau de implementação da Convenção nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira, recomendando a adopção de medidas específicas para estas regiões. Foi recomendada a reversão da legislação em matéria de interrupção voluntária da gravidez que exigia quatro consultas médicas obrigatórias para a intervenção e introduzia taxas moderadoras.

Foi igualmente recomendada a adopção de uma estratégia abrangente para combater os estereótipos relativos aos papéis e responsabilidades de mulheres e homens na família e na sociedade, incluindo o estabelecimento de um mecanismo para monitorizar esta questão nos meios de comunicação social.

Várias recomendações incidem sobre o problema da violência contra as mulheres, incluindo a efectiva aplicação da legislação existente sobre a matéria, a adopção de medidas adicionais de protecção, incluindo uma efectiva punição dos delinquentes, a aplicação de ordens de afastamento contra parceiros abusadores e o estabelecimento de um mecanismo de coordenação entre tribunais criminais e de família para assegurar um recurso imediato a medidas de protecção sem necessidade de instauração de processo penal. Foi igualmente recomendada a inclusão de todos os actos sexuais não consentidos na tipificação penal de violação constante do Código Penal, a criação de centros de crise e serviços de emergência para vítimas de violação e a revisão da política de condenações nos casos de violação conjugal para garantir a punição dos seus autores com penas adequadas à gravidade do crime, bem como a adopção de medidas com vista a uma adequada punição dos casos de mutilação genital feminina, incluindo os cometidos fora do território nacional.

O Comité considera importante intensificar os esforços para prevenir e combater o tráfico de mulheres e crianças, nomeadamente de mulheres em situação de pobreza, bem como estabelecer mecanismos de identificação das vítimas, assegurar a punição dos autores destes crimes e reforçar a protecção e reabilitação das mulheres vítimas. A este respeito, foi recomendada a concessão de oportunidades de rendimento alternativo e de vistos de residência temporários para as mulheres indocumentadas, independentemente da sua cooperação ou não com as autoridades policiais e judiciais.

Foi ainda recomendada a revisão da Lei da Paridade com vista a uma representatividade de 50 por cento de ambos os sexos em todos os órgãos colegiais electivos a nível europeu, nacional, regional e local, o reforço das sanções aplicáveis (nomeadamente com a nulidade automática das listas) e a adopção de medidas temporárias especiais a este respeito, a fim de aumentar a presença de mulheres em posições decisórias ao nível do executivo, diplomacia, Supremo Tribunal e outros organismos públicos.

Na área da educação em direitos humanos e medidas de sensibilização, foi recomendada a promoção da invocação da Convenção pelos tribunais nacionais e a avaliação do impacto das medidas de formação dos operadores judiciários nas áreas abrangidas pela CEDAW, bem como a continuação da divulgação da Convenção e seu Protocolo Facultativo junto do grande público.

Diversas outras recomendações incidem sobre áreas como o emprego, saúde, educação, crédito financeiro, casamento e relações familiares, mulheres habitantes em zonas rurais e mulheres de etnia cigana, tendo o Parlamento português sido convidado a tomar as medidas necessárias para assegurar a plena aplicação destas observações finais.

O próximo relatório de Portugal relativo à aplicação da CEDAW deverá ser apresentado em Novembro de 2019, mas o Comité solicitou informação intercalar, no prazo de dois anos, sobre as recomendações relativas à interrupção voluntária da gravidez, criação de mecanismo de coordenação entre tribunais criminais e de família e estabelecimentos de centros de crise e serviços de emergência para vítimas de violação.


Autor: Raquel Tavares

Fontewww.ohchr.org