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Exame da admissibilidade das queixas pelos Comités da ONU

Antes que o Comité ao qual for submetido o caso possa analisar o seu mérito ou o fundo da questão, deverá apurar se a queixa preenche os requisitos formais de admissibilidade. Ao examinar a admissibilidade, o Comité pode considerar um ou vários dos seguintes fatores:

Se a queixa for apresentada em nome de um terceiro, foi obtida a necessária autorização ou existe uma justificação suficiente para tal?

É o autor (ou a pessoa em nome da qual a queixa for apresentada) uma vítima da alegada violação? Deverá demonstrar que é pessoal e diretamente afetado pela lei, política, prática, ato ou omissão do Estado Parte que constitui o objeto da queixa. Não é suficiente que se limite a impugnar em abstrato uma lei ou uma política ou prática do Estado (a chamada “ação popular”), sem demonstrar em que medida é pessoalmente vítima da lei, política ou prática em questão;

A queixa é compatível com as disposições do tratado invocado? A alegada violação deverá dizer respeito a um direito efetivamente protegido pelo tratado em questão. Se for apresentada uma queixa ao abrigo do Protocolo Facultativo referente ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, por exemplo, não pode ser alegada uma violação do direito à propriedade, uma vez que o PIDCP não protege este direito. Neste caso, a queixa seria, em termos jurídicos, inadmissível ratione materiae;

A queixa está suficientemente fundamentada? Se o comité competente considerar, à luz da informação perante si, que não estão suficientemente bem explicados os factos da queixa ou os argumentos em favor da violação do Pacto, poderá rejeitar a queixa por manifesta falta de fundamentação;

A queixa tem a ver com factos ocorridos antes da entrada em vigor do mecanismo de queixa para o Estado Parte em causa? Em regra, os Comités não examinam queixas que remontem a um período anterior a esta data, que são consideradas, em termos jurídicos, inadmissíveis ratione temporis. Contudo, existem exceções a esta regra, nomeadamente nos casos em que os efeitos do acontecimento em questão resultem numa contínua violação do tratado;

Foram esgotadas todas as vias internas de recurso? Um dos princípios fundamentais que regulam a admissibilidade de uma queixa é que o respetivo autor deverá, em geral, ter esgotado todas as vias de recurso disponíveis no seu próprio Estado antes de apresentar uma queixa a um dos Comités. Isto implica, em geral, a apresentação do caso aos tribunais nacionais, devendo ter-se em conta que, na opinião dos Comités, as meras dúvidas sobre a eficácia de tal medida não dispensam o autor do preenchimento deste requisito. Esta regra tem, contudo, algumas exceções. Se o esgotamento das vias internas de recurso se prolongar excessivamente ou se elas forem pura e simplesmente ineficazes (por exemplo, por a lei do Estado ser bastante clara sobre o ponto em questão) ou ainda se as vias de recurso não estiverem acessíveis (devido, por exemplo, à negação de apoio jurídico no âmbito de um processo penal), pode não ser necessário esgotar as vias internas de recurso. Devem, contudo, ser indicadas detalhadamente as razões pelas quais não se deverá aplicar a regra geral. Sobre a questão do esgotamento das vias internas de recurso, devem ser descritos na queixa inicial os esforços empreendidos para esgotar tais vias de recurso, enunciando as pretensões aduzidas perante as autoridades nacionais e as datas e resultados dos processos instaurados ou, em alternativa, explicando por que razão se deverá aplicar qualquer exceção.

A queixa constitui um abuso do direito de queixa? Em certos casos, os comités podem considerar um caso como uma utilização frívola, vexatória ou por qualquer outra razão inadequada do procedimento de queixa e declará-lo inadmissível com base em tal fundamento, por exemplo se forem apresentadas a um comité queixas repetidas sobre o mesmo assunto, com o mesmo objeto de outras já anteriormente rejeitadas.

A queixa foi apresentada a outro mecanismo internacional? Se tiver sido apresentada a mesma queixa a outro dos órgãos dos tratados ou a um mecanismo regional como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ou a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, os Comités não podem apreciar o caso. Esta regra visa evitar uma desnecessária duplicação de procedimentos a nível internacional. Este é outro dos critérios de admissibilidade que devem ser abordados na petição inicial, descrevendo quaisquer queixas apresentadas e indicando o órgão a que se recorreu, data e respetivos resultados.

A queixa é afetada por uma reserva aposta pelo Estado Parte ao tratado em questão? As reservas são declarações formais pelas quais os Estados limitam as obrigações por si assumidas ao abrigo de determinada disposição de um tratado. Um Estado pode ter aposto uma reserva material a um tratado ou uma reserva processual ao mecanismo de queixa restringindo a competência do Comité para apreciar certas queixas. Em casos muito raros, um Comité pode decidir que determinada reserva é inadmissível e analisar a comunicação apesar da suposta reserva. O teor das reservas pode ser consultado na base de dados United Nations Treaty Collection.

Se o autor julgar que existe o risco de que a sua queixa seja considerada inadmissível por um destes motivos, é conveniente que apresente os argumentos em contrário logo na petição inicial. Em qualquer caso, o Estado Parte, ao responder à queixa, alegará provavelmente que o caso é inadmissível se considerar que um dos fundamentos de rejeição se poderá aplicar. O autor terá então a possibilidade de expor o seu ponto de vista nos comentários à resposta do Estado Parte.