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Nova agenda de desenvolvimento deve realizar os direitos humanos

15 out 2015

O Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Nils Muižnieks, publicou ontem um novo Comentário de direitos humanos apelando a que a nova agenda de desenvolvimento recentemente adoptada pelas Nações Unidas prossiga a realização dos direitos humanos a nível universal, designadamente no âmbito europeu.

“A maioria dos países europeus acostumou-se a ver a agenda de desenvolvimento das Nações Unidas (ONU) como algo “para exportação”, não directamente pertinente para a própria Europa. Contudo, a crise económica e a austeridade tornaram esta agenda universal importante também para o nosso continente. A Agenda 2030 para um Desenvolvimento Sustentável, lançada no âmbito de uma cimeira da ONU realizada em Nova Iorque de 25 a 27 de Setembro de 2015, visa a erradicação da pobreza em todas as suas formas e em toda a parte. Os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) constituem um mapa ambicioso para um mundo que não deixa ninguém para trás, baseando-se no respeito dos direitos humanos a nível universal. A Europa deve fazer da Agenda 2030 a sua própria agenda, em benefício dos mais vulneráveis das nossas sociedades”, afirma o Comissário.

Sobre a agenda universal de desenvolvimento, Nils Muižnieks considera que a Agenda 2030 “substitui os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), que foram acordados pelos governos em 2000 e terminarão no final desde ano. Os oito ODM estabelecem metas básicas nas áreas da pobreza extrema, educação primária, igualdade de género, mortalidade infantil, saúde materna, prevenção de doenças, sustentabilidade ambiental e parcerias globais para o desenvolvimento. Os ODM foram considerados sobretudo objectivos para os países em desenvolvimento, com financiamento suportado pelos países desenvolvidos, nomeadamente europeus. O principal objectivo, redução da pobreza extrema em metade, foi alcançado.

Pelo contrário, a Agenda 2030 baseia-se na ideia da implementação universal, embora reconheça o princípio das “responsabilidades comuns mas diferenciadas” que tem em conta as variações nas situações nacionais. Os governos europeus e a UE não são simplesmente vistos no papel de financiadores da assistência oficial ao desenvolvimento (AOD), esperando-se também que apliquem a agenda nos seus próprios países. Esta é uma importante alteração de enfoque e torna a Agenda 2030 directamente relevante para a Europa.”

A respeito das relações entre direitos humanos e desenvolvimento, o Comissário diz o seguinte: “enquanto que os ODM não foram concebidos para fazer face às causas profundas da pobreza e desigualdade e não contêm qualquer referência directa aos direitos humanos, a Agenda 2030 adopta uma abordagem muito mais completa. Os novos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS – também chamados “Objectivos Globais”) e suas 169 metas não visam unicamente erradicar a pobreza em todas as suas formas, procurando também “realizar os direitos humanos de todos e alcançar a igualdade de género”. A abordagem centrada nas pessoas da Agenda visa garantir que todos os seres humanos têm a possibilidade de desenvolver o seu potencial em dignidade e igualdade, fazendo eco da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH). Sustentabilidade do planeta, prosperidade partilhada, sociedades pacíficas, justas e inclusivas e parcerias globais para um desenvolvimento sustentável são os outros elementos que servem de base aos ODS.”

Nils Muižnieks afirma que a Agenda 2030 antevê “um mundo de respeito universal pelos direitos humanos e dignidade humana, Estado de Direito, justiça, igualdade e não discriminação”. Está explicitamente baseada na DUDH e nos tratados internacionais de direitos humanos e destaca as responsabilidades de todos os Estados de respeitar, proteger e promover estes direitos. Dá grande destaque à capacitação das mulheres e grupos vulneráveis como crianças, jovens, pessoas com deficiência, pessoas que vivem com VIH/SIDA, pessoas idosas, povos indígenas, refugiados, pessoas internamente deslocadas e migrantes.”

“Embora a Agenda 2030 inclua uma forte linguagem de direitos humanos, especialmente no seu preâmbulo, não cumpre as expectativas de uma abordagem plenamente baseada nestes direitos. Por exemplo, nas negociações finais, a referência explícita à responsabilidade dos Estados de “realizar” os direitos humanos foi eliminada e substituída pelo termo “promover”. As disposições relativas à não discriminação foram também reformuladas em termos menos explícitos, embora a lista de fundamentos protegidos continue aberta. O compromisso era reverter a uma linguagem de direitos humanos mais geral já reflectida nos artigos 8.º e 9.º do Documento Final da Conferência Rio+20 de 2012, que estabeleceu a ligação entre o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos. Deve também ter-se em conta que o ODS relativo a sociedades inclusivas e responsáveis e acesso à justiça não está enquadrado em termos de direitos humanos, embora a maioria das suas metas sejam essenciais para a realização dos direitos civis e políticos.”

A propósito da austeridade na Europa, o Comissário observa: “A crise económica e as medidas de austeridade acentuaram a relevância da Agenda 2030 para a Europa. Mesmo dentro da UE, a pobreza é um facto da vida. Em 2013, 122.6 milhões de pessoas ou 24.5% da população da UE estavam em risco de pobreza e exclusão social. Mais de um terço da população estava em risco na Bulgária (48%), Roménia (40.4%), Grécia (35.7%), Letónia (35.1%) e Hungria (33.5%). As crianças estavam em maior risco de pobreza ou exclusão social do que o resto da população na maioria dos países da UE. A percentagem situava-se nos 27.6% em 2013. Em 2010, a UE comprometeu-se a retirar pelo menos 20 milhões de pessoas do risco de pobreza ou exclusão até 2020. Serão necessários muitos mais esforços para atingir estas metas uma vez que os números actuais para a Europa são ainda piores do que eram em 2008.

A Agenda 2030 compromete-se a promover o emprego jovem e o trabalho decente para todos. O desemprego dos jovens (com menos de 25 anos) continua a ser uma grande preocupação na Europa. Em Julho de 2015, 4.6 milhões de jovens, ou 20.4%, estavam desempregados nos países da UE. As taxas mais elevadas registavam-se na Grécia (51.8%), Espanha (48.6%), Croácia (43.1%) e Itália (40.5%). Outro número revelador é que, em 2013, 7.5 milhões de jovens na UE não estavam em situação de educação, emprego ou formação (NEET), quase mais um milhão do que em 2008. Embora os números do desemprego tenham começado a cair na UE, é ainda claro que os jovens continuam a enfrentar sérios desafios na sua inclusão no mercado de trabalho.

Uma cobertura universal em termos de saúde é uma das metas da Agenda 2030. As medidas de austeridade resultaram em cortes substanciais nos serviços de saúde de muitos países europeus. A despesa pública em cuidados de saúde diminuiu drasticamente durante a crise económica, ao passo que os custos para o utilizador aumentaram. Segundo as Estatísticas de Saúde da OCDE, a despesa em saúde está a diminuir de forma contínua na Grécia, Itália e Portugal desde 2013 e a maioria dos países da UE regista uma despesa per capita real em saúde abaixo dos níveis de 2009.”

Sobre pessoas com deficiência, ciganos e migrantes, afirmou Nils Muižnieks: “Para além das crianças e jovens, existem outros grupos vulneráveis na Europa cujo direito a um desenvolvimento sustentável deve ser reconhecido. Por exemplo, o ODS de assegurar uma educação inclusiva e equitativa para todos é especialmente relevante para as pessoas com deficiência, ciganos e migrantes. Em muitos países europeus, as crianças com deficiência e crianças de etnia cigana continuam a ser educadas em separado, embora um apoio adequado permitisse a sua plena integração no sistema geral de ensino. Há também demasiados imigrantes que abandonam a escola muito cedo.

Num anterior Comentário de Direitos Humanos, assinalei que a pobreza, discriminação persistente e marginalização social são as principais causas subjacentes deste défice de educação inclusiva, que tem de ser revertido com medidas enérgicas e sistemáticas em todos os Estados europeus. É notável que um dos ODS esteja orientado para a redução das desigualdades dentro de cada país e para a promoção da inclusão social, económica e política de todos.

A Agenda 2030 reconhece a contribuição positiva dos migrantes para o crescimento inclusivo e o desenvolvimento sustentável. Isto é altamente relevante no contexto europeu actual, com fluxos de pessoas que chegam à Europa em números significativos. Apela ao pleno respeito dos direitos humanos e ao tratamento humano dos migrantes, refugiados e pessoas deslocadas, ao mesmo tempo que destaca a necessidade de responder às necessidades especiais das pessoas que vivem em áreas afectadas por emergências humanitárias complexas. A Europa tem de cumprir as suas responsabilidades para com migrantes e refugiados. Os ODS destinados a combater as alterações climáticas e preservar o ambiente podem também ter impacto ao nível das migrações e situações de deslocação interna.”

O Comentário ontem publicado aborda ainda questões como os recursos e o papel do sector privado, indicadores e seguimento.


Autor: Raquel Tavares

Fontewww.coe.int