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Perita da ONU destaca importância de adequada identificação das vítimas no combate às formas contemporâneas de escravatura

27 fev 2015

A Relatora Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de escravatura, Urmila Bhoola, apelou ontem ao governo da Bélgica, por ocasião do encerramento de uma visita oficial a este país, para que reforce o combate a todas as formas contemporâneas de escravatura mediante a adopção de medidas enérgicas com vista a uma adequada detecção e identificação das vítimas. 

“Congratulo-me com a existência de unidades especializadas para investigar denúncias de exploração em condições semelhantes à escravatura no âmbito dos serviços belgas de polícia e de inspecção social e laboral”, afirmou a perita na conferência de imprensa que encerrou a sua missão de oito dias ao país. “Contudo, as potenciais vítimas, incluindo crianças e outros grupos vulneráveis, nem sempre são detectadas, identificadas e encaminhadas para as estruturas competentes, o que as deixa na susceptibilidade de serem vítimas de abuso e exploração”, declarou a perita.

A Relatora Especial sublinhou a necessidade de garantir que todos os actores de primeira linha, nomeadamente da polícia, serviços competentes de inspecção, segurança social e saúde e detentores da guarda de crianças não acompanhadas, recebem a formação necessária para identificar as vítimas de formas contemporâneas de escravatura.

“É também necessária mais formação para garantir que as vítimas são adequadamente informadas dos seus direitos, nomeadamente do período de reflexão de 45 dias, e para compreender o papel central de apoio e assistência dos centros especializados para os quais podem ser encaminhadas”, afirmou. “Estes centros desempenham uma função fundamental na assistência às vítimas, incluindo ao nível da obtenção de acesso à justiça.”

“A abordagem multidisciplinar da Bélgica no combate às formas modernas de escravatura, que junta vários agentes a nível policial e operacional, é um exemplo de boas práticas”, referiu Urmila Bhoola, com uma especial chamada de atenção para a necessidade de assegurar continuamente recursos financeiros e humanos suficientes para permitir que todos os envolvidos no combate às formas modernas de escravatura na Bélgica possam fazer o seu trabalho.

“É também fundamental aumentar o enfoque nas campanhas de sensibilização e informação destinadas ao público em geral, a fim de que este seja também alertado para os casos de formas contemporâneas de escravatura”, disse. “É necessário reforçar este aspecto preventivo, nomeadamente continuando a combater as vulnerabilidades específicas das pessoas mais discriminadas e marginalizadas.”

A perita de direitos humanos observou que a recolha e registo de dados estatísticos detalhados podem ser reforçados. “Devem ser cruzados dados de diferentes fontes para permitir uma melhor identificação das tendências e assim informar as decisões políticas”, prosseguiu Urmila Bhoola.

As disposições pertinentes do Código Penal belga que visam especificamente a exploração são amplas e abrangem formas contemporâneas de escravatura, incluindo a mendicidade forçada, o trabalho forçado e a servidão doméstica. Os tribunais podem impor penas mais severas caso a exploração seja assegurada através de meios violentos, ameaças, coacção, caso se abuse da vulnerabilidade de uma pessoa ou caso a vítima seja uma criança.

Durante a visita, que incluiu reuniões em Bruxelas, Antuérpia, Ghent e Namur, Urmila Bhoola foi informada de casos de acusações procedentes e da existência de procuradores e outros magistrados especializados. Porém, observou, “há casos em que existe relutância em acusar com base em diferentes interpretações do que constitui trabalho contrário à dignidade humana tal como previsto no Código Penal”.

A perita disse-se encorajada pelas providências tomadas para responder aos casos de servidão doméstica nas famílias de diplomatas, informando os empregados dos seus direitos e fiscalizando para assegurar que desempenham o seu trabalho em condições compatíveis com a dignidade humana e as normas laborais. O sistema de vouchers de serviço introduzido em 2004 foi também considerado uma iniciativa louvável e tem tido sucesso na regulação do sector do trabalho doméstico e na redução da vulnerabilidade à exploração.

A Relatora Especial apresentará um relatório com as suas conclusões e recomendações ao Conselho de Direitos Humanos na sessão de Setembro de 2015.

Urmila Bhoola (África do Sul) assumiu o mandato de Relatora Especial sobre formas contemporâneas de escravatura, incluindo as suas causas e consequências, a 2 de Janeiro de 2014. Trata-se de uma jurista especializada em direitos humanos que trabalha na região da Ásia e Pacífico, nos domínios do direito internacional dos direitos humanos, igualdade de género e direito laboral. Tem 20 anos de experiência nas áreas do direito laboral e direitos humanos na África do Sul e foi juiz do Tribunal do Trabalho deste país durante cinco anos.

Os Relatores Especiais fazem parte do chamado sistema de procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos. “Procedimentos especiais”, o maior corpo de peritos independentes do sistema de direitos humanos das Nações Unidas, é a designação genérica atribuída aos mecanismos independentes de apuramento de factos e monitorização criados pelo Conselho de Direitos Humanos, que se ocupam quer de situações de países concretos, quer de questões temáticas em todas as partes do mundo. Os peritos que desempenham mandatos de procedimentos especiais trabalham voluntariamente, não são funcionários das Nações Unidas e não recebem salário pelas suas funções. São independentes de qualquer governo ou organização e exercem funções a título pessoal.


Autor: Raquel Tavares

Fontewww.ohchr.org