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TEDH, 1 de março de 2016. K.J. c. Polónia

7 mar 2016

Casal polaco a residir no Reino-Unido. Nascimento de uma menina no Reino-Unido, onde foi inicialmente criada. Viagem da mãe à Polónia levando a menina. Recusa em deixar a menina regressar ao R.U. Artigo 13.º da Convenção da Haia relativa ao rapto internacional de crianças. Imobilismo dos tribunais polacos. CEDH, direito à vida privada e familiar do pai da menina, artigo 8.º, violação.

KJ e MJ, cidadãos polacos, foram residir para o Reino-Unido, onde o casal deu à luz uma filha que, até aos 3 anos de idade, foi criada no Reino-Unido.

Deslocando-se de férias para a Polónia, e levando a filha com ela, MJ, a mãe, não regressou ao R.U. no final destas férias. KJ, o pai, pediu uma providência cautelar que o autorizasse a ver a filha e, acionando a Convenção da Haia relativa ao rapto internacional de crianças, pediu para ter o acesso à filha e que esta pudesse regressar ao R.U.

A mãe, MJ., invocou que o pai estava ausente da vida familiar por se dedicar em excesso a jogos de computador, e que seria difícil para a menina, o seu regresso com o pai ao Reino-Unido. Invocou o artigo 13.º da Convenção da Haia que permite a oposição à entrega da criança a um dos progenitores com fundamento no desrespeito do superior interesse da criança que esta entrega provocaria.

Um relatório social entretanto feito à criança e ao pai, apurou que a menina encarava com igual simpatia o Reino-Unido e a Polónia e que não tinha manifestações de rejeição do pai, convivendo bem com ambos os seus progenitores, a mãe e o pai. Em suma, a menina estava bem e não tinha sofrido nenhuma circunstância que a tivesse levado a desenvolver uma rejeição de um ou outro dos seus progenitores, nem tinha qualquer visão desagradável de um ou outro dos países com os quais estava em relação.

Os tribunais judiciais polacos reconheceram esta situação mas entenderam que o regresso da criança ao R.U. se faria necessariamente sem a mãe e que este regresso implicaria a confiança definitiva da criança ao pai. Entenderam que a mãe é insubstituível para o desenvolvimento afetivo e equilibrado de uma criança e rejeitaram os vários pedidos do pai que acabou por se queixar ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Esta alta jurisdição internacional examinou o caso e observou que o relatório social, do qual não haveria razão para duvidar, indicava um estado emocional, afetivo e psicológico equilibrado, da menina.

Aceitou a competência dos tribunais polacos, no quadro da margem de apreciação das autoridades internas, para considerarem que a mãe é sempre uma pessoa de extrema importância e que não há conveniência, frente ao seu superior interesse, em afastar uma criança da sua mãe.

Mas observou que nada, na formulação dos pedidos do pai em tribunal, indicava que este pretendia para si o exclusivo da confiança ou da guarda da menor. O pai pedia o acesso à criança, tanto no procedimento cautelar quanto na ação definitiva.

A avaliação do artigo 13.º b) da Convenção da Haia, que proíbe a confiança do menor em condições que este menor, atento o seu superior interesse, não suportará; feita pelos tribunais nacionais foi, para o TEDH excessiva. Aquilo que mais pareceu estar em jogo para o TEDH, foi a recusa definitiva da mãe em deixar ir a criança para o Reino-Unido.

Ora, não pedindo o pai a guarda da menor, nada indicava que esta tivesse de se deslocar sozinha ao Reino-Unido. Ainda que os pais não se frequentassem mais, nada impediria que a mãe acompanhasse a menina e permitisse o acesso a esta ao pai, mesmo mantendo a guarda da menor. E foi este cuidado que os tribunais polacos não tiveram para com o pai da menor, que não deveria ter sido privado do direito de aceder à filha e de manter algum convívio com ela, ainda que não lhe fosse atribuída a guarda desta.

O Tribunal considerou, assim, que sobre as autoridades polacas impendiam determinadas obrigações positivas que permitissem realizar este justo equilíbrio entre o acesso do pai à menor e, se entendessem ser esta a solução, a confiança da menor à guarda da mãe.

As várias instâncias judiciais polacas, por não terem tornado possível este equilíbrio, levaram o TEDH a considerar que a Polónia infringiu o artigo 8.º da CEDH, o direito à vida privada e familiar de KJ, na sua vertente do direito de acesso à sua filha.

No final, o TEDH entendeu que o procedimento da Convenção da Haia é um procedimento urgente. Ora os tribunais polacos levaram um pouco mais de um ano para o decidir. A demora destes integra-se na violação do artigo 8.º par. 1 da CEDH verificada.

Por último, e porque com a passagem do tempo que decorreu durante o processamento da queixa, a menina já se acostumou a viver em exclusividade na Polónia, o TEDH decidiu que, em execução de sentença, a situação pode permanecer conforme veio a consolidar-se, ou seja que nada deve levar à cessação da vida da criança na Polónia. Naturalmente, competirá às autoridades polacas definirem um modo de acesso do pai à sua filha.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira