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TEDH, 11 de Julho de 2017, Oravec c. Croácia.

20 jul 2017

Prisão por suspeita de tráfico de drogas. Decisão de colocação em liberdade. Recurso desta decisão. Acórdão colocando em prisão preventiva sem especificação de duração. Posterior absolvição e indemnização interna, mas não respeitante à fundamentação do acórdão que determinou a prisão preventiva. CEDH artigo 5.º par. 4, recurso da decisão de prisão preventiva, violação por duas vezes.

Oravec foi preso por suspeita de tráfico de substâncias ilícitas e veio a ser colocado em liberdade, depois de ter passado algum tempo em prisão preventiva. O Ministério Público recorreu desta colocação em liberdade e um coletivo de três juízes decidiu aplicar a prisão preventiva a Oravec.

Depois de se queixar ao Tribunal constitucional (um recurso necessário na Croácia para a aquisição de caráter definitivo de uma decisão nacional para o efeito do exercício do direito de queixa), que rejeitou sem o examinar o seu pedido, Oravec queixou-se ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, embora num processo cível apresentado contra a sua submissão a  prisão preventiva, tenha recebido uma indemnização no valor de cerca de 18 000 Euros.

O TEDH, na medida em que o acórdão do tribunal de primeira instância cível, entretanto definitivo, não especificou as razões da concessão desta indemnização, para além da aplicação do artigo do Código de Processo Penal que prevê a sua concessão em caso de prisão preventiva não seguida por um acórdão de condenação, e por isso por um cumprimento de pena em execução de sentença, aceitou a queixa de Oravec, tendo-a considerado admissível, e reconhecido o estatuto de vítima do queixoso.

Na razão da admissão da queixa está o facto de o tribunal cível que condenou o Estado a pagar a indemnização pela submissão a prisão preventiva de Oravec o ter feito em aplicação de uma disposição que assim o determina, mas sem reconhecer, por parte do Estado, a violação de qualquer direito na pessoa de Oravec.

Examinando a questão da alegada violação por parte do Estado do direito à liberdade e segurança de Oravec, invocado por este, e da alegada violação do seu direito a recorrer da sua detenção, o TEDH não considerou ter a Croácia violado o artigo 5.º parágrafo 1 da CEDH, na medida em que  o caso de Oravec foi julgado por um coletivo de três juízes que decidiram a sua submissão a prisão preventiva. Também a falta de especificação do período de prisão preventiva de Oravec não constituiu problema para o TEDH, na medida em que, do jogo das disposições da lei croata se pode depreender que este prazo será de dois meses após um período inicial de um mês.

Já foi relevante o facto de Oravec não ter estado presente na audiência que decidiu a sua colocação em prisão preventiva. Esta audiência foi aberta após um recurso de uma colocação em liberdade de Oravec, decidida depois de algum tempo passado já em prisão preventiva. O recurso proveio do Ministério Público, e a audiência realizou-se à porta fechada e na ausência de Oravec. O que significa que este não pôde contestar a posição do Ministério Público nem impugnar a própria sentença, não devendo poder fazê-lo por meio de mais um recurso, mas podendo fazê-lo na própria audiência. Uma vez que não esteve presente e que a prisão preventiva foi decidida, não teve, segundo o TEDH, o direito ao recurso da decisão de detenção preventiva a seu respeito, em violação do artigo 5.º par. 4 da CEDH. O facto de o Tribunal Constitucional Croata não ter examinado a sua queixa acabou por representar mais uma violação do seu direito ao recurso da prisão preventiva. Houve assim duas violações do artigo 5.º par. 4 da CEDH por parte da Croácia no caso de Oravec.

Para o juiz Lemmens em opinião concordante, o TEDH deveria ter optado pela violação do direito à liberdade e à segurança de Oravec, na medida em que este já tinha sido preso preventivamente e a seguir colocado em liberdade para ser novamente preso preventivamente. É aqui, uma vez que não há um período inicial claro (pela menos a partir da segunda decisão de prisão preventiva), que cessa a certeza jurídica exigida pelo direito à liberdade e à segurança, e passa a ser necessário indicar a duração da prisão por esta já não decorrer com evidência do jogo das determinações legais. Assim, teria havido a violação do direito à liberdade e à segurança de Oravec pela indeterminação do seu período de prisão preventiva.

Quanto à violação do direito ao recurso da detenção de Oravec, para o juiz Lemmens, este analisar-se-ia na violação do dever de apresentação do arguido para validação da detenção pelo juiz, aplicando-se o artigo 5.º par. 3, e não o artigo 5.º par. 4. Com efeito a não presença de Oravec na audiência à porta fechada em que foi decidida a sua colocação em prisão preventiva por um tempo indeterminado, equivaleria para o juiz Lemmens à sua não apresentação ao juiz para validação da prisão. Tal seria mais consentâneo com o equilíbrio das disposições do artigo 5.º.

Finalmente, Lemmens concorda que há violação do direito de Oravec de recorrer da sua prisão preventiva, pela não admissão do seu recurso pelo TC Croata.

O Acórdão do TEDH foi neste caso adotado por unanimidade, o voto do juiz Lemmens sendo uma opinião concordante com valor explicativo.

 

por: Paulo Marrecas Ferreira