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TEDH, 15 de junho de 2017, Independent newspapers c. Irlanda.

19 jun 2017

Consultora alegadamente beneficiada por ter origem na mesma cidade que um político e estar  sentimentalmente envolvida com ele. Questionamento na imprensa das vantagens obtidas. Verificação de não cometimento de ilegalidades. Ação por difamação. Condenação em indemnização excessiva. Imprevisibilidade das condenações por liberdade de imprensa. CEDH, artigo 10.º, liberdade de expressão, violação.

Os Independent newspapers eram proprietários na altura dos factos do Evening Herald que, no espaço de duas semanas publicou uma conjunto de artigos em que questionava a concessão a uma consultora de relações públicas de contratos da parte do Governo.  A beneficiária era amiga de um homem político influente e ambos provinham da mesma cidade na Irlanda. Enfim, exercia as suas funções de consultora num gabinete público dirigido por esta figura política.

Nos seus artigos o Evening Herald criticou o propósito dos contratos, as qualificações da consultora, a remuneração por esta recebida, as viagens que lhe foram pagas e que fez em serviço, a qualidade do trabalho que efetuou, a sua presença numa conferência das Nações Unidas em Nova Iorque, em que acabou por se saber que o Ministro tinha participado. Foram nove artigos publicados em 2 semanas.

Nestes artigos ainda se mencionava uma sua possível relação extraconjugal, com o referido político, ele, divorciado sendo certo que ela era casada e tinha filhos menores. O estilo de vida de ambos também foi alvo de escrutínio.

Outros jornais apoderaram-se da questão.

O Primeiro-Ministro pediu um inquérito independente que, apesar de indicar áreas de sombra, concluiu pela ausência de qualquer ilegalidade neste quadro de alegações e imputações.

Os tribunais entenderam que houve uma campanha para difamar a consultora bem como a sua atividade profissional e a sua integridade pessoal. Grave era a imputação de práticas adulterinas.

O Tribunal de júri em primeira instância decidiu um montante de reparação por danos morais no valor de 1 milhão oitocentos e setenta e dois euros com execução suspensa mediante o pagamento de 750 000 euros a que acresceram 100 000 euros a título de custas judiciais. Estes pagamentos foram efetuados.

Em recurso perante o Supremo Tribunal irlandês, este baixou a indemnização para 1, 25 milhões de euros. A empresa Independent newspapers ainda teve de pagar o montante de 500 000 euros.

Nas suas opiniões vários juízes discordaram. O critério seria pouco claro nas duas instâncias e os montantes excessivamente altos para contas “feitas de cabeça”.

O TEDH verificou na queixa de Independent nwspapers que houve interferência, com um fim legítimo, o da proteção de terceiros, prescrita por lei. A interrogação, a merecer resposta para o TEDH, foi a de saber se era necessária numa sociedade democrática, ou seja proporcional. Para o TEDH, o critério para obter esta resposta foi o de saber se o montante é habitual ou não habitual em relação aos critérios nacionais para estes casos de difamação. Se o montante não fosse habitual verificar-se ia um efeito dissuasivo na liberdade de imprensa.

Para o TEDH o problema foi também o de que, embora se possa falar em indemnização arbitrada segundo juízos de equidade, nada na jurisprudência dos tribunais irlandeses permite consolidar a opção dos juízes irlandeses neste caso. Em primeira instância o montante foi considerado manifestamente excessivo pelo Supremo tribunal que o reduziu, mas dentro deste, juízes houve que ainda o consideravam elevadíssimo. Por fim nada na jurisprudência irlandesa anterior sustentava tão elevada opção.  Assim sendo, o TEDH entendeu que o montante aplicado pelo sistema judicial irlandês no presente caso acabava por criar imprevisão, imprevisibilidade na sociedade que ficava sem critério para casos possíveis de difamação. Isto acabava por ter consequências imprevisíveis na liberdade de expressão, e assim, um efeito dissuasivo do exercício desta liberdade. Houve assim, violação do artigo 10.º da CEDH.

Embora a empresa tivesse pago uma elevada indemnização, o TEDH não lhe concedeu reparação pois esta apresentou um cálculo do que teria sido a indemnização sem a violação do artigo 10.º da CEDH. Ora não compete ao TEDH pronunciar-se sobre como se teriam passado as coisas se não tivesse havido violação da CEDH. Concedeu o montante de 20 000 euros a título de despesas e custas com a queixa perante o TEDH.

 

por: Paulo Marrecas Ferreira