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TEDH, 1ª Secção, Khusnutdinov e Outra c. a Rússia, Acórdão de 18 de dezembro de 2018

8 jan 2019

CEDH, Artigo 8º Par. 1 Direito à vida privada e familiar, guarda de uma criança entregue aos avôs maternos no Uzbequistão e impotência dos tribunais russos em obter a guarda do pai, não violação. Inexistência alegada de recurso efetivo, não violação. A questão da criança interessada ter alcançado a maioridade quando o TEDH decidiu sobre a admissibilidade da queixa.

Um cidadão russo, K. Khusnutdinov queixou-se contra a Federação Russa, pela violação alegada do seu direito à guarda da sua filha. Associou a filha à queixa, associação que foi aceite pelo TEDH em nome do superior interesse da criança, tendo o TEDH optado por não a identificar.

Khusnutdinov casara e tivera uma filha e veio a emigrar para os EUA em 2008. A mãe da criança faleceu pouco depois da chegada aos EUA, vítima de uma doença prolongada, e a menina veio a ser confiada aos avós maternos em Tashkent, no Uzbequistão, pelo tempo que o pai demoraria a resolver as dificuldades resultantes do falecimento da mãe da criança.

Uma vez resolvidos estas, em 2009, o pai pediu aos avós a entrega da criança, o que não veio a ter lugar. Iniciou então uma longa batalha judicial perante os tribunais uzbeques e russos, no sentido de obter a guarda da criança. Perdeu em todas as frentes judiciais (uzbeque e russa) e queixou-se ao TEDH pela violação do artigo 8.º (direito à vida privada e familiar) e pela violação do artigo 13.º (direito à disponibilidade de um recurso efetivo), contra a Rússia.

Nos processos internos uzbeque e russo, o pai esgotou os recursos disponíveis. Ilustrando as dificuldades que este encontrou, um tio paterno da criança testemunhou em tribunal que a criança não tinha acesso à internet e tinha o telefone cortado, enquanto um familiar materno da criança, testemunhou que o pai viajava muito, nos E.U.A., e que não contribuía para o sustento nem para a educação da criança, e que, por isso, dificilmente, teria condições para a educar e para cuidar dela.

No decurso das muitas peripécias judiciais na Rússia e no Uzbequistão, os tribunais russos não obtiveram a cooperação dos tribunais uzbeques, no sentido de dar algum acolhimento às pretensões do pai, e um tribunal uzbeque retirou a este a guarda da criança, a pedido de um dos avós desta.

A menina acabou por ir viver para Moscovo com os avós em 2015, e o pai acabou por se queixar ao TEDH pelas violações invocadas.

O TEDH acolheu bem a apresentação da queixa, também pela criança, que o pai promoveu, pela importância da consideração do interesse superior da criança por uma jurisdição internacional. E entendeu, apesar da oposição do Governo, que o Requerente esgotou os recursos internos disponíveis, adequados e suficientes.

Quanto ao fundo, o TEDH identificou os seguintes princípios gerais: o interesse superior da criança é a questão mais importante neste tipo de casos; nesta medida, entendeu que reunir os pais com os filhos pode não ser a prioridade; e, por fim, as autoridades nacionais, por terem um contacto direto com os interessados, estão melhor colocadas para resolver os problemas que se colocam no relacionamento familiar. Aplicando estes critérios ao caso, o TEDH aceitou a existência de um vínculo familiar entre o pai e a filha; aceitou que o pai sempre procurou restabelecer a ligação com ela, ligação que foi interrompida pela morte da mãe. Mas também observou que a criança testemunhou sempre em benefício dos seus avós, e que o pai não requereu uma avaliação psicológica da criança. Por outro lado, a lentidão do processo que o queixoso também invocou, deveu-se à distância física entre este (nos EUA) e a filha (em Tashkent, no Uzbequistão). Numa posição algo severa, talvez, quanto ao pai, em razão desta mesma distância, o TEDH entendeu que este não fez tudo o que estaria ao seu alcance (sem contudo propor qualquer pista) no Uzbequistão, para reaver a guarda da filha.

O TEDH notou ainda que os processos foram contraditórios, e concluiu que ao recusarem a entrega da filha ao Requerente os tribunais nacionais (russos), não violaram o artigo 8.º da CEDH. Na medida em que este se pôde queixar e acionar processos nos dois países, também não houve, para o TEDH, a violação do artigo 13.º. O seu Acórdão foi votado por 5 votos contra 2.

No seu voto concordante, o juiz Schukking chamou a atenção para o facto de a criança ter 14 anos quando o pai a representou na sua queixa, mas já ser maior de 18, quando o TEDH decidiu sobre a admissibilidade da queixa. Para este Alto Magistrado esta questão merece reparo mas não modifica o fundo da questão. Já para os dois juízes vencidos, Keller e Pastor Vilanova, este problema, precisamente, modifica o fundo da questão. E isto, porque, na medida em que a filha do Requerente já era maior quando o TEDH se pronunciou sobre a admissibilidade e o fundo, não considerar a queixa desta, sem mais, admissível, poderia ter proporcionado ao TEDH a audição da filha, e saber exatamente qual foi o seu sentimento quanto a todo este problema, uma vez que, afinal, foi a principal interessada.

Uma questão parece ter passado ao lado da Seção que decidiu esta queixa. A da jurisdição, embora possa não ter tanta importância quanto as demais sobre a materialidade da queixa. É que o Uzbequistão não é parte na Convenção europeia das Direitos do Homem e, por isso, o Requerente não se pôde queixar contra este Estado. Por outro lado, os tribunais russos não exercem jurisdição sobre os tribunais uzbeques. Uma vez que estes recusaram entregar a criança, chegando ao ponto de retirar a guarda da criança ao pai, os tribunais russos nada mais podiam fazer para determinar a entrega da criança ao pai. Mas, em todo o caso, uma vez que a questão da intervenção da filha do Requerente se colocou, teria sido interessante ouvi-la, na dimensão humana, para desfazer o nó em torno deste caso, que não ficou resolvido com a argumentação, de natureza técnica, que em seu redor se desenvolveu.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos