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TEDH, 1ª Secção, Ljatifi c. Ex República Jugoslava da Macedónia, Acórdão de 17 de maio de 2018

22 maio 2018

CEDH, Protocolo n.º 7 art.º 1.º, garantias processuais em torno da expulsão de estrangeiros.

Refugiada Sérvia originária do Kosovo, união de facto com cidadão macedónio, existência de 3 filhos do casal c. a dupla nacionalidade, justificação substancial da expulsão, necessidade.

Ljatifi chegou ao território da Ex República Jugoslava da Macedónia com os pais em 1999, então com a idade de 8 anos, fugindo do Kosovo.  Foi concedido aos membros da família o estatuto de refugiados, tendo-se consolidado este estatuto na pessoa de Ljatifi com a maioridade. Esta veio entretanto a juntar-se em união de facto com um cidadão macedónio, do qual teve três filhos menores beneficiando da dupla nacionalidade (legalmente reconhecida) sérvia e macedónia.

Com o seu estatuto de refugiada foi-lhe concedida uma autorização de residência, a qual era renovada de três em três anos. Até que o Ministro da Administração Interna considerou que Ljatifi representava um perigo para a segurança nacional, acusando a, sem maior justificação, de uma série de furtos. Retirou lhe o estatuto de refugiada e não renovou a autorização de residência, tendo Ljatifi contestado a revogação do asilo em tribunal.

Estas instâncias mantiveram o decidido pelo MAI sem procurar indagar de uma fundamentação para a expulsão diversa do teor lacónico do Despacho do MAI.

Ljatifi queixou-se ao TEDH da violação do artigo 1.º do protocolo n.º 7 à CEDH relativo às garantias processuais a observar aquando da expulsão de estrangeiros.

Para o TEDH, socorrendo-se, como jurisprudência de referência, do Acórdão proferido no caso Vuckovic e outros c. Sérvia, a queixa foi admissível, uma vez que Ljatifi recorreu aos tribunais e não podia contar com uma outra via, nomeadamente um outro requerimento de natureza administrativa (contra o alegado pelo Governo) para procurar regularizar a sua situação. Observando o fundo, o TEDH aceitou a legitimidade da medida, na medida em que a expulsão estava prevista na lei. Contudo, antes de passar ao exame da sua proporcionalidade, como é usual fazer (a necessidade da medida numa sociedade democrática), ainda procurou, no passo lógico a seguir à legitimidade da medida, saber se ela era previsível, ou seja se a medida oferecia as garantias de uma medida administrativa adequadamente tomada em relação à Requerente. E verificou que não. Pois o texto sucinto e lacónico do Despacho do MAI referia o perigo, fundamentando-o em sucessivos furtos da parte da Requerente que a tornariam num perigo para a segurança nacional. Ora não se conseguia, assim, vislumbrar uma razão de substância que exprimisse o perigo que Ljatifi representaria para a segurança nacional. Os tribunais por seu turno não se deram, neste caso, ao trabalho de verificar as afirmações de cada parte, nomeadamente não procuraram obter a nota interna, a informação que chegou ao MAI segundo a qual a Requerente constituiria um perigo para a segurança nacional. Ao bastarem-se com a mera citação e eventual reprodução deste Despacho, não indo além do seu teor na indagação dos motivos que poderiam justificar a decisão do MAI, não permitiram que a lei se tornasse previsível, uma vez que qualquer medida não fundamentada poderia ser tomada ao seu abrigo. Ou seja, não concretizaram de nenhuma forma a previsão legal, dando a entender que qualquer modalidade de medida poderia ser tomada ao “abrigo” da lei. Houve, por isso, a violação do artigo 1.º do protocolo n.º 7 à CEDH, garantias processuais a observar na expulsão de estrangeiros.

O juiz Eicke discordou do sentido do voto da maioria, alegando, em opinião dissidente, que, uma vez que Ljatifi permaneceu em território macedónio sem que a expulsão se concretizasse, não teria havido a violação deste dispositivo convencional. No seu voto concordante, o juiz Sicilianos explicou que, diversamente do que sucede com o artigo 3.º da CEDH (proibição de expulsão para um país onde o Requerente possa ser sujeito a maus tratos ou tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes), em que o TEDH nos seus acórdãos diz “haveria violação a concretizar-se a expulsão”, o artigo 1.º do Protocolo n.º 7 é taxativo, trata-se de garantias processuais. Não sendo estas observadas, independentemente do desfecho da expulsão, há sempre violação.  É este o sentido da maioria que obteve vencimento no acórdão e parece ser este o entendimento correto. 


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos