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TEDH, 1ª Secção, Patsakis c. Grécia, Acórdão de 7 de janeiro de 2019

20 fev 2019

CEDH, Artigo 2º Direito à vida na sua dimensão processual. Recluso toxicodependente em cumprimento de pena. Tráfico de droga no estabelecimento prisional. Excesso de consumo, acidente fatal. Deficiências na investigação e no apuramento de responsabilidades, direito à vida na sua vertente processual, CEDH, artigo 2.º, violação.

DV. consumia drogas, em particular heroína, com a qual por vezes se injetava, tomava comprimidos estupefacientes e bebia álcool. Sofria de hepatite C. Num quadro de consumo destas substâncias em excesso, praticou factos puníveis como crime, e foi condenado em pena de oito meses de prisão efetiva.

No cumprimento da pena, transitou de um estabelecimento para outro, onde foi avaliado pela médica da instalação prisional, que lhe receitou uma dose diária de substâncias psicotrópicas, com vista a ajudá-lo a superar a sensação de falta, e as dores, nomeadamente ósseas, de que se queixava.

Um dia, ao cair da tarde, pediu para falar com o Diretor do estabelecimento, tendo sido recebido pela Diretora Adjunta, na ausência daquele. Comunicou a existência de atividades de tráfico de droga, no interior da prisão, entre reclusos. Dado o adiantado da hora a Diretora Adjunta não tomou quaisquer medidas no sentido de corresponder à denúncia de DV. Este, entretanto, partilhava a cela com outros cinco detidos e foi encontrado morto, na manhã do dia seguinte, por uma hemorragia causada por uma embolia pulmonar, resultante de um consumo excessivo de droga naquela noite. Os seus cinco codetidos acusavam também uma forte presença de narcóticos no seu corpo.

Não foram tomadas quaisquer declarações aos codetidos, que foram dispersos por outras unidades de execução de pena na Grécia.

A família queixou-se, pediu uma investigação da parte do Ministério Público, que, num primeiro tempo, arquivou o processo por falta de prova e, num segundo momento, teve de voltar a abrir a investigação, sob a pressão da família, que impulsionou os mecanismos processuais necessários para este efeito. No domínio penal, o Diretor do estabelecimento prisional e a médica que auxiliara DV durante a execução de pena foram constituídos arguidos, mas, à data da emissão do Acórdão do TEDH, ainda não se conhecia qualquer sentença relativamente a este processo. No domínio civil e administrativo, a família intentou um processo de responsabilidade civil extracontratual do Estado, resultante da morte de DV na prisão, pedindo uma indemnização. O processo continua pendente.

Os familiares sobrevivos de DV queixaram-se ao TEDH, na ausência de resposta da parte das autoridades, alegando a violação do direito à vida de DV, por parte da Grécia, nas suas dimensões substancial e processual. Para eles, seria o próprio Estado, o responsável, em substância, pelo falecimento de DV na prisão.

Na fase da admissibilidade, uma das vítimas (vítima indireta, o familiar que se queixa por uma morte ao TEDH) era menor, e por isso não poderia substabelecer, havendo, segundo o Governo, um caso de falta de mandato. Entretanto (a própria queixa demora a ser processada na Secretaria do TEDH), esta pessoa alcançou a maioridade e pôde constituir mandatário, o que fez, tornando inoponível a exceção do Governo. Quanto ao esgotamento, além de terem impulsionado a investigação do MP até à constituição dos arguidos, as vítimas propuseram uma ação de responsabilidade civil extracontratual do Estado, pelo que deram amplamente a oportunidade, a este, de examinar a questão colocada, esgotando os recursos disponíveis, adequados e suficientes.

Quanto ao fundo, o TEDH observou que não se pode substituir às autoridades nacionais, e, por isso, limitou a sua análise ao exame do artigo 2.º na sua vertente processual. No tocante à ausência de recurso efetivo, as vítimas queixaram-se de que a investigação demorou mais de quatro anos até à constituição do Diretor do estabelecimento penitenciário e da médica, como arguidos.

Para o TEDH, a necessária proteção do direito à vida de qualquer pessoa sujeita à jurisdição do Estado implica, em caso de morte, o dever de conduzir uma investigação efetiva, nomeadamente, as jurisdições nacionais não podem mostrar-se dispostas a renunciar ao dever de investigar o falecimento de alguém às mãos das autoridades. Um tempo de investigação superior a quatro anos para a investigação até à constituição de arguidos não corresponde ao dever de diligência no caso do falecimento de um recluso. Existe uma obrigação positiva de proteger juridicamente o direito à vida: tudo deve ser feito para investigar e não deixar impune uma ofensa à vida. Face a este quadro de deveres e ao quadro apurado de negligência, houve a violação do direito à vida na sua dimensão processual.

Quanto à responsabilidade material do Estado, neste caso, o TEDH entendeu que, para que exista a obrigação positiva de proteger a vida, é necessário que as autoridades soubessem no momento próprio que a vida do indivíduo estava ameaçada, de modo real e imediato, e que não tivessem adotado as medidas adequadas para impedir o falecimento. Segundo o TEDH, tal não sucedeu aqui. Tanto mais que a médica foi sensível às necessidades do recluso, receitando-lhe as substâncias psicotrópicas de que carecia para suportar a sua vida. O facto de não ter sido tomado suficientemente em conta o aviso do recluso, de que existia tráfico de droga na prisão, na própria noite do seu falecimento, não era só por si significativo que este estaria naquele momento em perigo.

Este Acórdão ilustra uma questão muito sensível em que a existência de um feixe de indícios relativos à violação da vida em sentido processual permite descortinar a própria violação substantiva do direito à vida, porque o quadro de negligência é tão forte que ultrapassa a dimensão meramente formal. Não terá sido aqui o caso, embora se esteja certamente muito perto desta fronteira. O TEDH, em todo o caso, tem relutância em considerar a violação material do direito à vida, nestes casos, em que avulta a negligência grosseira das autoridades na investigação da morte de alguém sob a sua responsabilidade. O Acórdão foi votado por unanimidade, sem opiniões concordantes ou concordantes parciais.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos