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TEDH, 1º Secção, FJM c. Reino Unido, Decisão de inadmissibilidade de 6 de novembro de 2018

12 dez 2018

CEDH, Artigo 8º Par. 1 Direito à vida privada e familiar, despejo fundamentado em incumprimento de crédito hipotecário, observância pelos tribunais nacionais do teste de proporcionalidade. Não violação.

FJM, uma cidadã adulta vulnerável com problemas do foro psiquiátrico e comportamental, queixou-se ao TEDH pela violação do artigo 8.º da CEDH (direito à vida privada e familiar), resultante do seu despejo de uma casa de morada, em razão do não cumprimento das prestações de um crédito imobiliário.

Este crédito imobiliário fora contraído pelos seus pais, ao adquirirem a casa de morada para a sua filha. Os pais assumiram uma hipoteca de duração de 8 anos, e celebraram um contrato de arrendamento com a filha, tendo-se esta obrigado ao pagamento de pequenas prestações.

Os pais vieram a atrasar-se no cumprimento das suas prestações em dívida, não tendo a instituição financeira reagido no início porque o incumprimento foi de pouca monta. Entretanto o saldo em incumprimento agravou-se, e a instituição requereu, em tribunal, a recuperação da posse do bem financiado, o despejo da ocupante e a resolução do contrato de mútuo hipotecário, no sentido de proceder à venda do imóvel e assim se ressarcir do seu crédito não cumprido.

Em primeira instância, o tribunal (de condado) observou que o pré-aviso de dois meses imposto por lei escrita, fora respeitado, e verificou se o despejo, nestas condições, era proporcional. Concedeu à entidade financeira a sua pretensão. Em segunda instância, a questão da aplicação do artigo 8.º da CEDH foi expressamente abordada. Tendo verificado que as exigências do direito interno estavam cumpridas, o tribunal ponderou a dificuldade da queixosa em vir a realojar-se, e teve atenção aos danos emocionais e psicológicos, resultantes da sua condição, que viriam a produzir-se inevitavelmente, ainda que encontrasse um novo alojamento. Ainda assim, depois de um exame algo aprofundado da questão, veio a concluir no sentido da proporcionalidade da resolução do crédito hipotecário por incumprimento, e na proporcionalidade do despejo resultante.

O Tribunal supremo, procedendo ao mesmo exame, rejeitou, também ele, o recurso da Requerente.

Por seu turno, o TEDH procedeu, ele próprio, ao exame da queixa, no tocante à sua admissibilidade, condição de exame quanto ao fundo. Para o TEDH verificou-se uma interferência no direito à vida privada e familiar de FJM, traduzida no seu despejo provocado pela resolução do contrato de crédito hipotecário, por incumprimento. A interferência estava prevista no direito britânico, tanto em disposições estatutárias, quanto em precedentes judiciais. Havia, por fim, que saber se esta interferência era necessária numa sociedade democrática, sabendo que a interferência com o lar de uma pessoa é uma das mais graves questões da vida em sociedade.

O TEDH procedeu ao exame do historial do crédito não cumprido, e examinou o modo como os tribunais trataram a questão da proporcionalidade. Verificou que os tribunais britânicos procedem ao teste de proporcionalidade há pelo menos dez anos, mediante uma prática judicial assentando em sólidos precedentes judiciais, e avaliou este teste de proporcionalidade. Acabou por concluir que a justiça inglesa não violou o artigo 8.º da CEDH, direito à vida privada e familiar de FJM pelo rigor com que o teste de proporcionalidade foi conduzido.

Podemos não nos bastar com esta decisão de inadmissibilidade. Mas ela traz para o leitor da jurisprudência do tribunal de Estrasburgo, que vai descobrindo os princípios gerais de direito que dão estrutura aos vários ordenamentos nacionais europeus, a importância de não se resolver um contrato de crédito hipotecário à habitação pelo simples incumprimento do devedor residente no imóvel objeto deste contrato. Não basta a verificação formal dos pressupostos da resolução do contrato por incumprimento, é necessária a condução, em concreto, de um teste de proporcionalidade pelo tribunal, de acordo com o respeito do direito à vida privada e familiar, que seja suscetível de determinar, em casos de verificação da não proporcionalidade da resolução do contrato, a permanência, ainda que dentro de condições novas, do ocupante na casa objeto deste contrato.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos