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TEDH, 21 de janeiro de 2016. L.E. c. Grécia

25 jan 2016

Cidadã da Nigéria aliciada a emigrar para a Grécia com o propósito de trabalhar em bares e discotecas. Coação para obtenção de dinheiro, retenção dos documentos de identificação. Prática da prostituição. CEDH, art.ºs 4.º, 6.º.1 e 13.º, violação.

L.E. foi contactada na Nigéria por K.A. que a aliciou a emigrar para a Grécia para trabalhar em bares e discotecas. Chegados à Grécia, no quadro de um ritual vodu, K.A. coagiu L.E. a pagar-lhe um montante de 40 000 €.  Retirou a L.E. os seus documentos de identificação e forçou-a a praticar prostituição.

L.E. foi repetidas vezes presa pela polícia pela prática da prostituição e recorrentemente ameaçada de expulsão administrativa, a qual, por força das suas queixas relativas a K.A. não se veio a concretizar. Recebeu o apoio de uma ONG  que o presta a pessoas com dificuldades da natureza daquelas que L.E. enfrentava. Pediu entretanto asilo à Grécia e queixou-se a uma entidade especializada na luta contra o tráfico de pessoas segundo o direito grego.

O Departamento contra o tráfico de pessoas procedeu a um inquérito e transmitiu o dossier ao Ministério Público. Depois de um conjunto de peripécias judiciais em que a queixa não foi recebida por falta de certos documentos, estes vieram a aparecer (um depoimento importante de terceira pessoa que qualificava a situação como de tráfico de pessoas), o processo judicial iniciou a sua marcha, vindo a ser suspenso o seu procedimento de expulsão. Após o seu início em 2006, o processo veio a concluir-se em 2011 por uma decisão judicial reconhecendo que L.E. tinha sido vítima de tráfico de seres humanos.

L.E. entendeu mesmo assim que durante todo este moroso processo, o Estado Grego não cumpriu as suas obrigações positivas à luz do art.º 4.º da CEDH que proíbe a escravatura e a servidão e é aplicável ao tráfico de seres humanos, queixou-se da demora do processo à luz do seu direito a uma sentença em prazo razoável, e ainda da inexistência de um meio de recurso efetivo quanto à demora da justiça.

Depois de resolver um conjunto de argumentos opostos pelo Governo quanto à admissibilidade da queixa, o TEDH confirmou, seguindo a sua jurisprudência proferida no caso Rantsev c. Chipre e Rússia (a seu tempo objeto de notícia nesta página) que o artigo 4.º da CEDH é aplicável ao tráfico de seres humanos e que o caso sub judice era patentemente um caso de tráfico de pessoas.

Considerou em primeiro lugar que a Grécia está bem apetrechada, no que respeita à existência de legislação anti tráfico, Mas apesar de notar que desde o momento em que L.E. se conseguiu queixar da prática do tráfico e em que foi justamente encaminhada para a direção competente pelas autoridades policiais, foi omitida, por um lapso injustificado, a entrega do depoimento que qualificava a situação como de tráfico às autoridades judiciais, impedindo estas, num primeiro momento, de tomarem exata consciência do problema. Só depois, com a junção deste depoimento aos autos, é que o processo de L.E. pôde avançar. Para o TEDH, esta falha não é admissível. Um conjunto de outras falhas que vieram a dificultar o processo foi identificado pelo TEDH como no momento da descoberta do domicílio dos agentes do tráfico, e da fuga destes para outro lugar, nada ter sido feito para identificar este novo lugar para onde teriam fugido os agentes do tráfico, em particular K.A. e a sua esposa. Por fim, os atrasos consideráveis num processo tão importante como este, relativo ao tráfico de pessoas, levaram o TEDH a concluir pela violação pela Grécia das suas obrigações positivas à luz do artigo 4.º da CEDH.

O tempo que mediou entre o início e o termo do processo, cinco anos para dois graus de jurisdição em matéria penal foi considerado, no caso, para o TEDH, excessivo, verificando-se a violação do direito a que uma sentença relativa aos direitos e obrigações do interessado seja proferida em tempo razoável. Por fim, por referência a jurisprudência anterior consolidada, o TEDH concluiu que não existe ainda no ordenamento grego um meio judicial efetivo para superar a demora da justiça.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira