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TEDH, 21 de maio de 2015.

25 maio 2015

Condições de detenção. Existência de recurso de indemnização. Não existência de recurso permitindo adequar as condições de detenção ao cumprimento da pena. Tortura e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Artigo 3º CEDH: Não violação. Artigo 13º CEDH, Recurso efetivo:  violação.

Yengo, cidadão francês residindo na Nova Caledónia, Departamento Ultramarino da República Francesa, foi detido na sequência de atos violentos, juntamento com outros membros do seu clã.

Na cela em que foi colocado juntamente com cinco outros detidos, as instalações sanitárias são de tipo turco, contíguas ao demais espaço e sem separação. Existem cinco camas em beliches, devendo um dos reclusos dormir no chão, em colchão estendido para este efeito.  Sempre que alguém toma banho, verifica-se um forte corrimento de água para o resto da cela, inundando o colchão.  Quem dorme ao nível do chão respira as emanações do sanitário turco.

Yengo queixou-se e empregou um conjunto de recursos que a lei francesa coloca à sua disposição.  Todos os seus pedidos se goraram, na medida em que a Justiça francesa não tem encontrado solução para resolver o problema da sobrelotação prisional. Nomeadamente, existe uma medida provisória de natureza administrativa, o référé mesures utiles que é empregue desde a jurisprudência Lienhardt mas que se limita, na prática, a conceder uma indemnização ao recluso pelas deficientes condições de detenção, não resolvendo o problema, pelo que estas deficientes condições mantém-se. A Justiça, sensível ao seu problema, concedeu-lhe uma indemnização, de tal modo que quando foi chamado a examinar a queixa de Yengo, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não se sentiu em condições de condenar a França pela violação do artigo 3º da Convenção Europeia, relativo aos maus tratos em detenção, uma vez que este País havia reconhecido a violação e procedido à sua reparação.

O advogado de Yengo utilizou outro meio que veio a ser considerado legítimo pelo Representante do Ministério Público junto da Cour de Cassation, o référé liberté, pedindo, em suma a sua colocação em liberdade, ponderada a sua eventualmente reduzida perigosidade, uma vez que o sistema penitenciário não consegue pôr fim às deficientes condições de detenção. A Cour de Cassation, contudo, não aceitou este meio.

Uma nota deve ser feita sobre a figura francesa dos référés, que podem ser de variada tipologia. Trata-se de procedimentos avulsos, de natureza cautelar, que são dirigidos pelos cidadãos aos tribunais administrativos (e já não, como pareceria dever suceder, ao tribunal de execução de penas) para que estes ponham fim a uma violação do direito levada a cabo pela Administração Pública. Sendo a execução de penas uma tarefa administrativa, é legitimo ao cidadão poder controlar situações extremas da execução de penas com recurso ao juiz administrativo.

Face à impotência reconhecida pelo Magistrado do Ministério Público junto da Cour de Cassation, da administração penitenciária francesa para proceder ao rearranjo material de todas as prisões, no sentido de as tornar minimamente correspondentes aos critérios do artigo 3º da CEDH, e perante a única medida possível a experimentar neste caso, ou seja a ponderação da colocação em liberdade por falta de condições materiais de detenção frente à perigosidade do recluso, recusada pela Cour de Cassation, na teia de recursos judiciários disponíveis, a República Francesa ficou sem meios judiciais para permitir a adequação das condições materiais de detenção ao artigo 3º da CEDH.

O problema aqui muito fortemente sentido, foi o de a indemnização que, como que apagou a violação do artigo 3º da CEDH, não ter sido acompanhada por uma medida que determinasse a não sujeição, para o resto do tempo de cumprimento de pena, dos reclusos às deficientes condições materiais existentes. E neste sentido, apesar da larga panóplia de référés existentes e disponíveis, não existiu neste caso, um recurso judicial efetivo para pôr fim às deficientes condições materiais de detenção de Yengo.

Verificou-se assim, para o TEDH, a violação do artigo 13º da CEDH, direito a um recurso efetivo das condições de detenção, tendo sido a República Francesa condenada nesta sede.

Yengo veio a ser, entretanto, colocado em liberdade, e quando acionou o TEDH já o fez na condição de homem livre de pena. No entanto, a sua colocação em liberdade resultou do cumprimento da pena e das várias medidas que envolvem este cumprimento (redução de pena, liberdade condicional, etc.). Não resultou da concretização de uma colocação em liberdade, ponderada a sua perigosidade, em resultado das deficientes condições materiais de detenção.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira