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TEDH, 24 de março de 2016, Sakir c. Grécia. Crime de Ódio

4 abr 2016

Cidadão afegão irregular na Grécia. Pedido de asilo. Situação indocumentada. Condição de sem-abrigo. Bairro de Aghios Panteleimon. Violência perpetrada por um grupo Skin. Facadas, golpes com bastões de ferro, tendo a morte por objetivo. Detenção em condições contrárias à dignidade humana. Uma violação dos art.ºs 3.º e 13.º da CEDH (condições deficientes de detenção). Uma violação do art.º 3.º da CEDH (falta de investigação à violência de rua).

Sakir, cidadão afegão a residir irregularmente na Grécia, foi agredido numa praça de um bairro central de Atenas por um grupo praticando violência de rua, possivelmente com o objetivo de matar. Recebeu facadas na mão e no tórax, foi espancado com bastões de ferro. Um compatriota do Requerente (AS) chamou a polícia e Sakir foi conduzido ao hospital. AS identificou os agressores de Sakir, mas veio mais tarde a retrair-se no seu depoimento, pelo que viria a ser julgado por perjúrio pelas autoridades gregas.

Sakir, uma vez tratado no hospital, foi colocado, a seguir, em detenção na esquadra de polícia de Aghios Panteleimon. Ai permaneceu por algum tempo, tendo formulado um pedido de asilo político, alegando sofrer de perseguição política no Afeganistão.

O incidente ocorreu em Agosto de 2009, o Requerente passou os dias imediatamente a seguir no hospital, e veio a ser colocado em detenção até ao dia 10 de Setembro, na esquadra de polícia, tendo sido presente nesse dia ao hospital, para uma visita médica, e libertado imediatamente a seguir, tendo sido, no mesmo momento, notificado da decisão de expulsão do território grego, contra ele assumida pelas autoridades. Em Março de 2014 o processo relativo ao seu pedido de asilo veio a ser arquivado, tendo a administração considerado a situação como sendo de desistência do pedido.

O Provedor de Justiça grego visitou a esquadra de polícia no momento da prisão de Sakir e concluiu que estava sobrelotada, sem condições de higiene, que o Requerente não tinha recebido roupa nova (mantinha a mesma roupa manchada de sangue), e que não tinha podido tratar as feridas enquanto em reclusão.

As autoridades competentes para o procedimento penal não investigaram os eventos de violência ocorridos naquele mês de Agosto de 2009, tendo sido denunciados pelas ONG operando na Grécia , das quais Amnesty International e Human Rights Watch, vários actos de violência racista neste país. Para mais, segundo estes relatos, a polícia permaneceria passiva diante destes eventos, numa quase situação de tolerância a estes actos.

O Requerente esgotou as várias modalidades de queixa possíveis, algumas das quais, segundo o TEDH, não formam um recurso efetivo, adequado, e disponível para reparar as violações alegadas, conseguiu levar ao conhecimento das autoridades, segundo as vias processuais vigentes, a sua situação, e não obteve reparação. Mandatando advogado para que este apresentasse a sua queixa ao TEDH, assumiu, segundo esta alta instância internacional, a condução da sua queixa que foi, assim, considerada admissível.

Observando as condições materiais de detenção, da prova feita pelo próprio relatório do Provedor de Justiça, o TEDH concluiu pela violação do artigo 3.º da CEDH: Sakir esteve detido em condições contrárias à sua dignidade, que consubstanciaram maus tratos, tanto pela sobrelotação do lugar de reclusão como pelo facto de Sakir não ter recebido roupa limpa, nem ter podido lavar nem tratar as feridas enquanto em detenção.

Também, segundo a sua própria jurisprudência, a que recorreu pelo meio da simples citação, o TEDH sabe que, neste momento, a Grécia não oferece um recurso disponível e adequado para recorrer de condições materiais de detenção deficientes. Neste sentido, à violação do art.º 3.º da CEDH, pelos maus tratos em detenção, acresceu a violação do artigo 13.º, pela falta de recurso adequado e efetivo para pôr fim à violação do art.º 3.º.

Por fim, embora os actos de violência diretamente perpetrados sobre Sakir não fossem da autoria das autoridades, estas teriam, pelo menos, o dever de proteger as pessoas contra agressões motivadas pelo ódio. Porque não conseguem fazê-lo por vezes, deveriam pelo menos ter procedido a uma investigação sobre os incidentes de violência racista (assim é esta situação referida pelo  Acórdão) e promovido o procedimento penal contra os autores, o que não aconteceu. Houve aqui uma segunda violação, desta vez de natureza processual, do artigo 3.º da CEDH.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira