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TEDH, 2ª Secção, Altintas c. Turquia, Acórdão de 10 de março de 2020

18 mar 2020

TEDH, 2ª Secção, Altintas c. Turquia, Acórdão de 10 de março de 2020

CEDH, Artigo 6.º§ 1, natureza sumária de um processo penal por apologia do crime, ausência de recurso para a segunda instância, iniquidade processual. Violação. Artigo 10.º § 1 direito à liberdade de expressão e apologia da violência. Não violação.  

Altintas queixou-se ao TEDH contra a Turquia pela violação do seu direito a um processo equitativo e do seu direito à liberdade de expressão. Era diretor do jornal Tokat Demokrat que era distribuído na Província de Tokat.

No ano de 1972, o Exército de Libertação da Turquia, uma organização ilícita, tomara 3 cidadãos britânicos que trabalhavam numa base da NATO como reféns e mantivera-os sequestrados na vila de Kilzidere. O objetivo era a troca das vidas dos reféns contra a manutenção em vida de três dirigentes da organização entretanto condenados à morte. No quadro da intervenção policial, os sequestradores acabaram por matar os reféns, vindo a ser, por sua vez, mortos pela polícia. Os acontecimentos de Kilzidere são ainda hoje um facto marcante na vida turca.

Foi publicado um artigo no periódico dirigido pelo queixoso, segundo o qual a memória dos três sequestradores estaria viva ainda hoje, na qualidade de ídolos da juventude, a comemorar os 35 anos dos acontecimentos de Kilzidere.  Por força deste artigo, foi aberto um processo-crime contra o queixoso por apologia do crime e dos criminosos, em que veio a ser julgado culpado e condenado em multa. O julgamento era definitivo, sem direito a recurso, segundo as disposições pertinentes do Código Penal. Na medida em que não pôde recorrer, o queixoso queixou-se da iniquidade do processo à luz do artigo 6.º § 1 da CEDH. Queixou-se, ainda, da violação do seu direito à liberdade de expressão, à luz do artigo 10.º § 1 da CEDH.

Analisando o caso à luz da sua jurisprudência de referência em casos turcos (Bayar e Gürbuz c. Turquia, 2012), o TEDH julgou a privação do recurso iniqua por contrariar o direito de acesso a um tribunal, o qual pressupõe dois graus de jurisdição. Houve, assim, a violação do artigo 6.º § 1 da CEDH.

Quanto ao segmento da queixa relativo ao direito à liberdade de expressão, embora o TEDH também o tenha admitido, e reconhecido a incidência da condenação no seu direito à liberdade de expressão, a ingerência era prevista na lei, sendo que havia, ainda, que saber se a medida era necessária numa sociedade democrática. O TEDH recordou os seus princípios, de saber se, em caso de frases verbais ou escritas, apresentadas como justificando a violência ou o ódio, estas foram proferidas em contexto social ou político próprio ao país em questão, e dada resposta a esta questão, se ainda assim, podem passar por apelos à violência ou ao ódio.

Na medida em que a publicação ocorreu na Província de Tokat, por ocasião do 35.º aniversário dos acontecimentos de Kilzidere, o TEDH entendeu que a publicação se inseria no contexto político turco. Quanto ao conteúdo, na medida em que os sequestradores eram enaltecidos, o artigo, para o TEDH pôde analisar-se como apologia ou justificação da violência. Além do mais, o artigo poderia incitar jovens a tornarem-se eles também combatentes violentos, por meio de ações idênticas ao rapto, sequestro e morte dos 3 cidadãos britânicos, na ilusão de se tornarem ídolos da juventude.

Por estas razões, segundo a maioria, as autoridades turcas gozavam de uma ampla margem de apreciação e não se verificou a violação do artigo 10.º da CEDH, direito à liberdade de expressão.

Na sua opinião dissidente, os juízes Bardsen e Pavli exprimiram uma posição diversa da seguida pela maioria no tocante ao artigo 10.º da CEDH, tal como aplicado no presente caso.

Segundo eles, o Código Penal turco possui critérios demasiado amplos para fundamentar as condenações por apologia do crime e dos criminosos. Esta demasiado larga discricionariedade judicial, associada à falta de recurso no contexto de uma sentença condenatória com natureza penal, pode limitar muito o direito à liberdade de expressão. Em particular, se a sentença do tribunal for fundamentada de modo lacónico.

Além do mais, nada no artigo incriminado permitia concluir pela apologia do crime. Apenas era louvada a coragem dos sequestradores, mas nada era dito que fizesse com que o autor do texto pudesse ser encarado como aprovando o assassínio dos cidadãos britânicos. Por estas razões em conjunto - o enunciado demasiado amplo do Código Penal, a ausência do direito a recurso e a fundamentação demasiado lacónica da sentença - e pelo facto, ainda, de nada permitir concluir no sentido, objetivamente, da apologia do crime e da violência, teria havido também, segundo estes juízes europeus, a violação do artigo 10.º da CEDH.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira  

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos