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TEDH, 2ª Secção, Partido Político Pátria c. Moldova, Acórdão de 04 de agosto de 2020

14 set 2020

CEDH, Artigo 3.º do Protocolo n.º 1. Direito a eleições livres. Cancelamento da lista eleitoral do partido candidato poucos dias antes do sufrágio com base numa suspeita da polícia sem processo nem confirmação judicial prévia do ilícito imputado.  

O partido político Pátria queixou-se contra a Moldova por, tendo concorrido às eleições legislativas em 2014 com 14 candidatos, ter sido removido das listas eleitorais 3 dias antes do sufrágio, com fundamento em uso de dinheiro não declarado, uma parte do qual de origem externa, contrariamente às disposições do Código eleitoral. Um dos queixosos é um homem de negócios moldavo que conduzia a sua atividade na Federação da Rússia. Regressou após 2012 à Moldova onde ganhou popularidade como homem de negócios abastado, filantropo, organizador de espetáculos, homem político e organizador de concertos e de manifestações contra o Governo. O partido já tinha alcançado 9% de apoio popular numa sondagem datada de novembro de 2014.

Em 26 de novembro de 2014, 3 dias antes das eleições legislativas, o Chefe da Inspeção-geral de polícia comunicou ao Comité de Ética Eleitoral que o Pátria tinha quebrado as regras relativas à obtenção de fundos, constantes do Código eleitoral, por se ter financiado com dinheiro não declarado, proveniente do estrangeiro. O Comité de Ética acionou o tribunal de Chisinau com um pedido de cancelamento do partido político, animado pelo queixoso, das listas eleitorais.

Pátria contestou, invocou a falsidade das acusações, sustentou ser vítima de um processo com fundamento em meras suposições, sendo que também fora acusado de utilizar de modo não justificado, os veículos que dedicara à campanha. Os 11 carros foram entregues, estavam em regime de locação financeira. A aquisição destes veículos segundo este regime contratual era anterior a 30 de maio de 2014, data em que o dinheiro com origem externa entrara na Moldova. Não é conhecido o destino da providência cautelar, se deu origem a um processo judicial ou se ficou apenas nesta etapa processual (tendo havido reações individuais dos interessados em sede judicial a este quadro processual).

O partido político Pátria e mais alguns destinatários da providência, queixaram-se ao TEDH da violação do direito a eleições livres, em violação do art.º 3.º do Protocolo n.º 1 à CEDH. O Governo opôs uma exceção de inadmissibilidade à queixa, sustentando que todos os queixosos deveriam ter esgotado os recursos internos. Apenas alguns destes os esgotaram e por esta razão, aqueles que não o fizeram não teriam locus standi perante o TEDH.  Este tribunal entendeu que o processo comprovou a não eficácia das ações judiciais que alguns dos queixosos propuseram, ineficácia que teve por consequência a de não ser necessário o esgotamento destes meios por nenhum dos queixosos, significando que o facto de alguns não os terem esgotado não representa uma exceção validamente oponível. Depois de apensadas, as queixas foram declaradas admissíveis. Quanto ao mérito da queixa, o TEDH citou a jurisprudência de referência dos casos Davidov e outros c. RússiaPaksas c. Lituânia e Orujov c. Azerbaijão, nomeadamente. Em especial, se o Estado dispõe de larga margem de apreciação quanto à regularização do direito de votar e de se candidatar a eleições, compete ao TEDH, em última análise, determinar se foram ou não violados os requisitos do art.º 3.º do Protocolo n.º 1 à CEDH. O TEDH tem de se assegurar que as condições impostas aos participantes não oneraram o seu direito à luz desta disposição, de maneira tal que os prive da sua essência e da sua efetividade. Para o TEDH houve ingerência das autoridades na disputa eleitoral ao cancelarem o registo do partido político das listas eleitorais. O TEDH aceitou que por terem sido observados os artigos 36.º e 69.º do Código eleitoral em vigor, a medida era previsível. Também as condições impostas por estes artigos serviam o fim legítimo de assegurar a lealdade e a equidade na disputa eleitoral. Ainda assim, da parte das autoridades, ninguém questionou, no sentido da sua confirmação ou infirmação, a prova que a polícia apresentou de modo extremamente simplificado, do uso ilícito de fundos estrangeiros, perante o Comité de Ética eleitoral. Em particular a aquisição dos veículos em regime de locação financeira (um capital de entrada por veículo é pago no início do contrato) foi feita antes da entrada dos fundos litigiosos na Moldova. O TEDH notou ainda que os queixosos não beneficiaram de garantias contra a arbitrariedade. Foram notificados da audiência de julgamento apenas 15 minutos antes desta ter início. Os tribunais nacionais também não reagiram aos argumentos da defesa segundo os quais não havia prova de uso ilícito de fundos estrangeiros. Para o TEDH, nestas condições, a intervenção das autoridades no cancelamento das listas eleitorais do partido político e no afastamento dos seus candidatos da disputa eleitoral, ficou aquém das exigências do art.º 3.º do Protocolo n.º 1 à CEDH, tendo-se verificado a violação desta disposição. Os queixosos ainda invocaram a discriminação em relação aos demais candidatos que puderam concorrer (CEDHP. 1, art.º 3.º + CEDH, art.º 14.º), mas o TEDH não examinou este segmento de queixa, à luz das suas conclusões anteriores.

O Acórdão foi adotado por unanimidade sem opiniões concordantes ou concordantes parciais.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos