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TEDH, 3ª Secção, Saber e Boughassal c. Espanha, Acórdão de 18 de dezembro de 2018

3 jan 2019

CEDH, Artigo 8º Par. 1 Direito à vida privada e familiar, violação na medida da aplicação automática da pena acessória de expulsão pelo crime de tráfico de droga. Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de Novembro de 2003 relativa ao estatuto dos cidadãos de países terceiros residentes em território da EU. Critérios a observar na aplicação de uma pena acessória de expulsão.  

Dois cidadãos marroquinos, Aziz Saber e Hamza Boughassal, queixaram-se contra o Reino de Espanha em 2013 e em 2014, de que a sua expulsão para Marrocos ofendia o seu direito à vida privada e familiar, consagrado no artigo 8.º da CEDH.

Foram, ambos, condenados em Espanha, pelo crime de tráfico de droga, com várias ocorrências entre 2004 e 2010. Com a sua condenação pelo crime, foi-lhes aplicada a pena acessória de expulsão do território nacional. Num caso, definitivamente, no outro, traduzida numa proibição de permanência durante três anos.

Esgotaram os recursos internos, e nomeadamente o recurso de amparo constitucional. A pena acessória foi contudo mantida. Acabaram por se queixar ao TEDH que apensou as queixas.

Os queixosos invocaram a violação do artigo 8.º da CEDH e da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, sobre o estatuto dos cidadãos de Estados terceiros residentes na União europeia.

Depois de ter julgado a queixa admissível, entendendo que ao esgotarem os recursos internos, os queixosos deram oportunidade ao Estado de reparar a violação, o TEDH olhou para o fundo, na dupla vertente dos princípios aplicáveis e da sua concretização no caso.

Dando uma lista de critérios importantes para avaliar a aplicação de uma pena acessória de expulsão, a qual nunca pode ser automática, o TEDH estabeleceu a seguinte lista de princípios de avaliação da proporcionalidade da pena:

-a natureza e a gravidade da infração cometida;

-o tempo de residência do imigrante no país de acolhimento;

-o tempo decorrido entre a prática da infração e a expulsão;

-a nacionalidade dos envolvidos;

-a situação familiar do expulsando,

-se o cônjuge sabia da infração no momento da sua prática;

-se existem filhos do casamento, com que idade;

-a gravidade das dificuldades que vão enfrentar no país de origem;

-o interesse e o bem-estar das crianças se tiverem de regressar com o progenitor;

-a solidez dos laços familiares.

Aplicando estes critérios ao caso, o TEDH observou que os queixosos eram solteiros no momento do cometimento das suas infrações. As medidas estavam previstas na lei dos estrangeiros e prosseguiam o fim legítimo da manutenção da ordem e da segurança públicas.

Colocando a seguir a questão de saber se a medida de expulsão era necessária numa sociedade democrática, o TEDH reparou que um voto de vencido nas altas instâncias nacionais, bem como um acórdão do TJUE proferido em reenvio da questão a título prejudicial, salientam a necessidade de, mesmo na modalidade de expulsão em razão do cometimento de um crime, ser necessária uma ponderação profunda, nomeadamente, dos efeitos na vida da pessoa, da decisão de expulsão e da sua execução.

O TEDH não aceitou o argumento do Governo, segundo o qual esta ponderação já resultaria da aplicação simples da lei dos estrangeiros. Era necessário, nas circunstâncias do caso, proceder a uma ponderação material dos efeitos da expulsão na vida dos queixosos. Esta ponderação apenas teve lugar de modo algo limitado, no caso do queixoso que foi interditado do território por três anos. Houve, assim, para o TEDH, a violação do artigo 8.º da CEDH. A sua conclusão foi corroborada pela sua própria jurisprudência, e pelo artigo 12.º da Diretiva da UE sobre o estatuto dos cidadãos de estados terceiros na UE, que estabelece critérios próximos dos critérios de proporcionalidade que o próprio TEDH elencou no seu Acórdão. O Acórdão foi votado por unanimidade.

No seu voto concordante, a juíza Keller chama a atenção para o facto de que na medida em que as autoridades procederam à aplicação automática da pena de expulsão, o TEDH foi levado a condenar Espanha. Tivessem as autoridades judiciais espanholas sido mais cuidadosas em relação à ponderação dos efeitos materiais da expulsão na vida dos queixosos, e tendo em atenção os graves danos que o tráfico de droga provoca, certamente o TEDH não teria chegado à conclusão da violação.

 

Autor: Paulo Marrecas Ferreira 

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos