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TEDH, 3ª Secção, Comité de três juízes, Savenko c. Rússia, Acórdão de 26 de novembro de 2019

3 dez 2019

CEDH, Artigo 10.º § 1, Direito à liberdade de expressão. Ativista político que teceu um comentário em programa da rádio com larga divulgação. Queixa-crime por difamação, condenação em indemnização que não conseguiria pagar. Menor proteção do personagem público exposto por se ter colocado deliberadamente na arena mediática. Efeito dissuasivo das condenações por difamação no direito à liberdade de expressão. Violação.

Savenko é um ativista político e reside em Moscovo. Sob o pseudónimo de Limonov publicou livros e artigos para a coligação política “Outra Rússia”, em que se integra o partido nacional bolchevique de que foi fundador. A “Outra Rússia” organizava eventos públicos de caráter político conhecidos por “A marcha dos dissidentes”. Em 2007, Savenko tomou parte num programa da rádio “Europa Livre” dedicado ao tema de recusa de autorização pelo tribunal de Moscovo, de uma das edições da “Marcha dos Dissidentes”.

Savenko associou, então, a recusa do tribunal de Moscovo em conceder a permissão para a manifestação, à influência do Presidente da Câmara de Moscovo, o Sr. Luzhkov. As suas palavras foram proferidas durante a emissão e foi lavrada uma notícia relativa a esta questão, em vários canais da internet que a reproduziu. O Presidente da Câmara de Moscovo, Luzhkov, apresentou então, junto do tribunal de Moscovo, uma queixa-crime por difamação contra Savenko.

O tribunal julgou que Savenko não fizera a prova segundo a qual o Presidente Luzhkov manipularia os magistrados de Moscovo e condenou Savenko e a estação de rádio a difundirem uma mensagem de retificação, e ambos a pagarem uma indemnização de 500.000 Rublos ao presidente Luzhkov. O Supremo Tribunal manteve a decisão do tribunal de Moscovo. A Savenko foi ainda aplicada a pena de proibição de se ausentar do país. Também foi rejeitado o pedido de Savenko no sentido de poder pagar a sua longa dívida em prestações.

Savenko queixou-se ao TEDH invocando a violação do seu direito à liberdade de expressão vertido no artigo 10.º § 1 da CEDH. O TEDH admitiu a queixa e julgou-a quanto ao fundo, no sentido de aceitar a existência de uma interferência no direito à liberdade de expressão, tendo igualmente aceite a prossecução do fim legítimo da proteção da honra e da reputação de terceiros.

Ficou por examinar a questão da proporcionalidade, ou seja, a de saber se a medida era necessária numa sociedade democrática. O TEDH observou para este exame os seguintes critérios: o da posição do queixoso, Savenko, o da posição da pessoa criticada, o do contexto e do objeto da declaração controvertida, o da sua caracterização pelos tribunais nacionais, e o da gravidade da sanção imposta.

Quanto à sua posição, Savenko é um ativista político; quanto à posição da pessoa criticada, o Presidente da Câmara de Moscovo, apesar da referência de passagem à falta de independência do poder judicial, o Presidente da Câmara de Moscovo é um político de profissão, gozando de poder. O TEDH insistiu em que um político se coloca por opção sua na arena pública de um modo diferente do cidadão comum, e que é por isso de exigir uma maior abertura ao espaço de expressão livre, quanto a estas pessoas. Quanto ao contexto e à qualificação pelos tribunais nacionais, o TEDH notou que a declaração foi prestada no decurso de um debate oral na rádio, sem possibilidade de retratação ou de uma formulação mais rigorosa mediante uma preparação mais aprimorada. Sucede que, com efeito, os tribunais não tinham autorizado aquela edição da marcha dos dissidentes, e que também existia uma posição pública do Presidente da Câmara de Moscovo. Nesta medida existia uma forte possibilidade da reação oral de Savenko não estar longe da verdade. Quanto ao critério da severidade da sanção imposta, basta observar que o resto da vida de Savenko não seria tempo suficiente para pagar a totalidade do encargo. Isto teve um efeito dissuasivo sobre a liberdade de expressão, na medida em que a pode desencorajar, da parte de outros jornalistas e ativistas políticos, em situações semelhantes. O arbitrar de uma indemnização deve ser necessário numa sociedade democrática, o que significa que deve ser proporcional. A estação de rádio acabou por pagar a totalidade da indemnização. Entretanto, lê-se no Acórdão que se veio a apurar no processo que o Presidente da Câmara já tinha instaurado outras queixas-crime por difamação, sempre dando lugar a pesadas condenações.

No Acórdão é feita uma nota sobre o sofrimento do Presidente da Câmara de Moscovo. Este foi alegado pelo Governo, diante do TEDH. Para o TEDH, o Presidente da Câmara não sofreu mais do que Savenko, uma vez que é um personagem público gozando de um forte poder enquanto Savenko é precário e foi pesadamente condenado por difamação.

Por este processo muito extremo se verificou, assim, a violação do direito à liberdade de expressão consagrado no artigo 10.º § 1 da CEDH.

O Acórdão foi votado por unanimidade, sem opiniões concordantes ou concordantes parciais.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos