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TEDH, 3ª Secção, Schweizerische Radio und Fernsehgesellschaft c. Suíça, Decisão de inadmissibilidade de 12 de novembro de 2019

11 dez 2019

CEDH, Artigo 10.º § 1, Direito à liberdade de expressão. Programa de televisão emitido em estação pública e completado por artigos em periódico especializado. Botulina. Censura, sem consequências, à omissão em referir o sacrifício exponencial de animais que cada dose de botulina para uso cirúrgico pressupõe. Deveres de serviço público de estação pública. Dever de fidelidade à verdade. Não violação/Inadmissível.

A Radiotelevisão suíça e três jornalistas queixaram-se contra a Suíça por violação do seu direito à liberdade de expressão, protegido pelo artigo 10.º, § 1 da CEDH. Em causa estava, no contexto de uma emissão sobre os perigos dos tratamentos com Botox, a Associação protetora dos animais (Verein gegen Tier Fabriken, doravante VgT) ter-se queixado às autoridades públicas da omissão de referência ao sacrífico de animais nos tratamentos com Botox. A autoridade administrativa para os Media concordou com VgT e entendeu que o programa difundido não fora, intencionalmente, fiel à verdade por ter omitido esta dimensão do problema (a crueldade da experimentação científica nos animais). Nesta conformidade, foi considerado que a estação de radiotelevisão e o periódico que a suportava estavam a violar a lei federal sobre o dever de verdade nos programas de divulgação generalizada.

A estação de radiotelevisão e a revista recorreram da decisão administrativa, a qual não conteve nenhuma dimensão sancionatória, para o tribunal federal. Este tribunal emitiu um acórdão, o qual não foi publicado no Jornal Oficial por não corresponder aos acórdãos de uma série com dignidade de publicação, em alemão, no qual se dizia que a liberdade de imprensa é vasta mas implica um dever de verdade que deve ser cumprido com fidelidade. O problema particular para o Tribunal federal é o de que a operação da botulina necessária à produção do Botox implica o sacrifício de centenas de milhares de ratos de laboratório para cada lote de produto, o qual deve ter a sua validade para uso humano certificada. E que a questão da justificação ética da experimentação animal no preciso caso da produção de Botox é um problema hoje aceite na comunidade científica. Assim, esta dimensão da informação não podia ter sido omitida. A questão do Botox é a de que quanto maiores forem as doses produzidas para tratamento humano, maior, em correspondência numa proporção exponencial, é o sacrifício de animais para assegurar a fiabilidade e a segurança de cada dose produzida. Por ser esta a realidade, um programa de divulgação, suportado com artigos numa revista especializada, não podia ignorar nem silenciar esta dimensão do problema. Existira, é certo, um programa difundido no passado sobre a experimentação animal, mas a evolução dos tratamentos com botulina atualizou o problema em tal dimensão que o antigo programa não podia mais ser invocado como informação pertinente.

Um dos elementos que mereceu a atenção do Tribunal federal foi o de que no programa televisivo se dissera que a única questão delicada para o particular num tratamento com Botox é o seu elevado preço. Nesta conformidade foi proposta, sem execução, a retirada daquele programa concreto controvertido, do portal de vídeos da estação de radiotelevisão e a publicação de uma informação na revista especializada que traria uma luz sobre a questão omitida. Nem a radiotelevisão nem a revista cumpriram esta proposta que não mereceu qualquer forma de execução. Ainda assim a Radiotelevisão suíça e três redatores da revista de saúde queixaram-se contra a Suíça ao TEDH por violação do artigo 10.º § 1, direito à liberdade de expressão.

Debruçando-se sobre a questão, o TEDH indicou, como jurisprudência de referência, o seu Acórdão proferido no caso Manole e outros c. Moldova (2009) e a Recomendação do Comité de Ministros n.º 7, relativa a uma nova conceção do Media, de 21 de setembro de 2011. Embora as consequências fossem muito limitadas para as empresas, estas queixaram-se com fundamento em que o simples reparo de terem faltado ao seu dever de fidelidade à verdade teria um efeito dissuasor sobre a liberdade de expressão.

O TEDH limitou o exame da admissibilidade à estação de televisão uma vez que os três jornalistas, não tendo tomado parte em nenhum dos processos internos, haviam simplesmente aderido à queixa, não esgotaram os recursos judiciais internos. Quanto à estação de rádio e televisão, o TEDH observou que a questão da ingerência na liberdade de expressão está intimamente ligada à questão do exercício de um efeito dissuasor sobre esta, quer em relação à vítima alegada, quer em relação a terceiros que se poderiam encontrar numa situação semelhante.

A noção de ingerência é larga e entende-se como qualquer forma de intrusão da parte das autoridades do Estado. Segundo o TEDH, várias práticas constituem ingerência para o efeito do artigo 10.º da CEDH (ver §§ 71 ss da Decisão), sendo que o simples quadro de observações que as autoridades administrativas e judiciais suíças proferiram não se enquadra em nenhuma das figuras que o TEDH descreveu. Além do mais, a estação de radiotelevisão não demonstrou nenhuma dimensão concreta de violação de um qualquer direito seu, em torno da alegada violação do direito à liberdade de expressão. Para o TEDH a estação de radiotelevisão limitou-se a alegar alguns perigos hipotéticos para a sua liberdade de expressão, sem que nenhum tivesse um concreto efeito dissuasor. O TEDH notou, finalmente, que nada existiu que condicionasse a capacidade de difusão da emissora e que nem sequer houve execução das propostas formuladas no acórdão do Tribunal federal, não tendo sequer o vídeo do programa sido removido do portal dos vídeos, nem publicada nenhuma informação relativa à questão dos animais na revista especializada.

Por tudo isto, o TEDH assumiu o entendimento de que as autoridades suíças de supervisão não exerceram nenhuma ingerência na atividade da estação pública de radiotelevisão que pudesse ter um efeito dissuasor sobre a liberdade de expressão. Não foi mais longe no exame da queixa, tendo lavrado uma decisão de inadmissibilidade. 


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos