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TEDH, 3º Secção, Ognevenko c. Rússia, Acórdão de 20 de novembro de 2018

12 dez 2018

CEDH, Artigo 11.º Par. 1 Direito de reunião e associação pacífica, despedimento por exercício do direito de greve, violação. Artigo 6.º, Par. 1, Direito a um processo equitativo, inadmissível.     

Ognevenko, um cidadão russo queixou-se contra a Federação da Rússia em 28 de julho de 2009. O Requerente era condutor de locomotiva na companhia de carris de ferro da Rússia, e trabalhava na região de Moscovo. Pertencia a um sindicato.

Em 2008, o sindicato encetou negociações com a companhia de carris de ferro, no sentido do aumento dos vencimentos dos trabalhadores. As negociações falharam e o sindicato organizou uma greve. A companhia dos carris de ferro não se queixou da ilicitude da greve a um tribunal. Ognevenko dirigiu-se ao seu posto de trabalho, que ocupou, embora sem prestar trabalho, o que determinou atrasos na circulação dos comboios.

O Requerente, Ognevenko, acabou por ser despedido com fundamento em duas infrações disciplinares. Uma, não tinha relação com as atividades sindicais. Era relativa a um comportamento de um ano anterior (eventualmente já prescrito), em que Ognevenko teria feito parar o comboio a 50m de distância da plataforma de embarque e desembarque. A segunda falta disciplinar era resultante da sua participação nesta greve, por cuja participação ele optara, e que levara a efeito.

O Requerente recorreu ao tribunal competente, o qual o ouviu, mas confirmou a licitude do despedimento. Com efeito, a greve ofendera as disposições imperativas de direito público que regem a circulação dos comboios, e estabelecem que, em caso algum, se pode atentar à circulação destes.  Um acórdão do Tribunal Constitucional russo, de 2007, julgou no sentido de que uma greve tem a natureza de meio para resolver uma disputa laboral, sendo contudo este direito passível de restrições, resultantes da aplicação de regras de direito público, de natureza imperativa, que impedem a paralisação de determinadas atividades. Entre estas conta-se a circulação dos comboios.

Analisando o direito internacional público aplicável, o TEDH elencou o artigo 8.º do PIDESC, que refere o direito à participação em sindicatos e o direito de greve; as várias Convenções da OIT, relativas à negociação coletiva e ao direito de greve; e as disposições pertinentes da Carta Social europeia Revista, de 1995. Entre elas estão o artigo 6.º, que prevê o direito de negociação coletiva, o qual apenas admite restrições prescritas por lei que sejam necessárias numa sociedade democrática; e, no apêndice à CSE Revista, o artigo 6.º n.º 4, segundo o qual cada Estado parte pode regulamentar o exercício do direito de greve, desde que qualquer restrição se encontre justificada à luz da disposição do artigo G. Olhando para a jurisprudência do Comité dos Direitos Sociais (o CSE), o TEDH verificou que se admite a prestação de um serviço mínimo durante o tempo de greve. Para a Assembleia Parlamentar do CoE, a negociação coletiva compreende o exercício do direito de greve.

O TEDH considerou a queixa admissível.

Passando ao fundo da questão, o TEDH salientou que o direito sindical é parte do direito de reunião e associação pacífica do artigo 11.º da CEDH, o que é importante, se se atentar no facto de a CEDH ser vista como um repositório de direitos civis e políticos. E nesta dimensão, o direito sindical abrange a negociação coletiva, e o direito de greve ele próprio, o qual está tutelado no artigo 11.º da CEDH.

Aplicando estes critérios ao caso concreto, o TEDH verificou que houve interferência, a qual era prescrita por lei. Analisando a questão de saber se era necessária numa sociedade democrática, perguntou se a restrição correspondia a uma necessidade social premente, e se era proporcional ao fim prosseguido com a medida.

Observou então que o direito de greve é um importante direito na negociação coletiva, embora se pudesse dizer que alguma necessidade premente existia no caso do caminho de ferro. Mas chegado a este ponto, observou ainda que restrições graves, como a de proibir o exercício do direito de greve para certas categorias de trabalhadores, exige forte prova da parte do Estado, que possa justificar a sua necessidade. Ora, numa ponderação em concreto, o Governo não invocou quaisquer danos resultantes dos atrasos registados. Não existem informações sobre se o Governo encarou possibilidades alternativas à pura e simples proibição da greve, por meio legislativos e jurisprudenciais. Nem tão pouco se sabe se existiram compensações de natureza negocial para o sindicato e o trabalhador, em relação a esta absoluta proibição.

Por fim, a própria greve, em si, não foi declarada ilícita. Mas a lei não deixou aos tribunais qualquer alternativa, senão despedir o trabalhador. Ao aplicar a sanção disciplinar máxima do despedimento, as autoridades concederam ao binómio lei-tribunais, um efeito dissuasivo de qualquer protesto laboral para futuro, verificando-se assim a violação do artigo 11.º da CEDH, direito de reunião e associação pacífica. O TEDH não examinou a parte da queixa relativa à violação alegada do artigo 6.º, n.º 1, iniquidade processual, por a considerar inadmissível. O Acórdão foi adotado por maioria de seis juízes, em sete magistrados da seção.

O juiz Dedov apresentou a sua opinião separada e dissidente. Entendeu que o TEDH foi severo contra a Rússia; outros países, em exame de violações, não seriam tão duramente sancionados. Entendeu ainda que a proibição estava limitada aos maquinistas das locomotivas, mas que o demais pessoal podia fazer, e teria feito greve. Neste sentido, a exclusão de uma categoria particularmente sensível de trabalhadores, em razão da proibição legal, do exercício da greve, não era de natureza a tolher o direito de greve, e nesta medida a Rússia não estaria em violação do artigo 11.º.

Além de que representa um notável progresso do direito que, desde há alguns anos e alguma jurisprudência, o direito de greve esteja compreendido no direito de negociação coletiva, e esta faça parte do direito de reunião e associação pacífica do artigo 11.º, e não fique confinada à menor eficácia jurídica material (embora de não menor legitimidade), das disposições da Carta Social Europeia Revista; é importante não esquecer que a ponderação da violação deve ser efetuada na materialidade do caso. Assim, embora possa parecer que uma medida abstratamente possa ser justa, se, concretamente, existir a possibilidade de aplicar uma medida menos lesiva, e esta não foi ponderada, na decisão do caso, a violação existe. E esta é a lição humanista e verdadeiramente progressista do TEDH.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos