Simp

Está aqui

TEDH, 4ª Secção, Alexandru Marian Iancu c. Roménia, Acórdão de 04 de fevereiro de 2020

11 fev 2020

CEDH, Artigo 3.º§ 1, tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, Artigo 6.º§ 1, alegação de parcialidade do juiz de julgamento em segunda instância criminal.  Não Violação de ambos os preceitos.

Alexandru Marian Iancu queixou-se contra a Roménia de que as condições da sua detenção na cela do Tribunal de Segunda Instância de Bucareste foram degradantes e desumanas e de que o mesmo tribunal foi parcial.

O queixoso encontra-se a cumprir pena na prisão de Rahova. Foi arguido de fraude fiscal continuada e de branqueamento de capitais em dois processos diferentes por complexos criminais diversos, embora cometidos pelo mesmo sujeito e no mesmo lapso temporal.

Em 2011 foi condenado numa pena de 10 anos de prisão, uma sentença de que apelou para o Tribunal de Segunda Instância de Bucareste, tendo pedido o reexame da matéria de facto.

Entretanto foi arguido noutro processo, por outros crimes financeiros, tendo vindo a ser condenado na pena de 13 anos e 8 meses de prisão em 2014.

Sucede que um dos juízes do Tribunal de Segunda Instância de Bucareste, que o condenou neste segundo processo, tomara parte no coletivo do mesmo tribunal que mantivera a condenação proferida em 2011 (o primeiro processo), no quadro de um recurso entretanto interposto. O queixoso invocou a não imparcialidade do tribunal por o mesmo juiz ter tomado assento no coletivo dos dois diferentes recursos em apelação que interpôs, para a segunda instância.

Esta reclamação foi atendida e foi operada uma distribuição do recurso para um novo coletivo, sucedendo que na composição deste coletivo veio a tomar parte um magistrado que, também ele, havia tomado parte no julgamento do primeiro recurso no quadro do primeiro processo. O queixoso voltou a reclamar, arguindo a não imparcialidade e pedindo novamente a escusa deste juiz do coletivo do recurso do segundo processo.

O Tribunal de Segunda Instância de Bucareste, contudo, indeferiu o pedido com o fundamento de que embora existisse uma conexão entre os dois processos, por o segundo ter-se iniciado com a desapensação de uma peça do primeiro; o segundo processo veio a autonomizar-se, acabando por ser em tudo diferente do primeiro, tratando cada um dos processos de conjuntos criminais diversos.

Além do mais, não ficou provado que o juiz, cuja escusa se pedia agora, tinha assumido uma posição expressa contra o queixoso no primeiro processo. Além do mais, o emprego da prova feita no primeiro processo, neste segundo processo, tendo sido no mesmo novamente avaliada, não podia ser tomado como implicando um pré-juizo, em relação à culpa do arguido, no segundo processo.

Novamente o queixoso voltou a reclamar, alegando desta vez uma contradição entre dois arestos proferidos pelo mesmo Tribunal de Segunda Instância de Bucareste – o primeiro que tinha determinado o afastamento de um dos juízes do coletivo e o segundo, que, perante, a mesma questão novamente colocada, tinha mantido o juiz cuja participação era contestada.

Além do mais, o segundo pedido de escusa teria sido examinado por um coletivo em que tomara parte, precisamente, o juiz cuja escusa era pedida. O tribunal rejeitou este novo pedido por improcedente, e manteve a condenação do arguido. Louvou-se no facto de que a matéria crime presente a julgamento era diversa nos dois processos, justificando cada conjunto criminoso a sua condenação autónoma. O queixoso dirigiu-se ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) o qual solicitou a prestação de esclarecimentos ao Tribunal de Segunda Instância de Bucareste, o que este fez, nos termos descritos. O STJ rejeitou o recurso por improcedente.

Semanas mais tarde, os Serviços de Inspeção Judicial verificaram que as regras relativas aos impedimentos e escusas dos juízes foram respeitadas, nestes quadros processuais.

O outro fundamento de queixa do queixoso foi relativo a um momento de intervenção sua em audiência, em que o tribunal o mandou retirar-se da sala de audiência por desrespeito ao tribunal e o colocou nas instalações de detenção do próprio tribunal por um período de sete horas. Invocou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes contrários ao art.º 3.º da CEDH, por deficientes condições materiais de detenção.

Examinando o direito comparado, o TEDH observou que os fundamentos de escusa do juiz por suspeita de parcialidade são, em vários países europeus:

O juiz ser vítima do arguido,

O juiz ter mantido uma relação conjugal ou de análoga natureza com o arguido, a vítima ou qualquer participante no processo,

O juiz ter participado no mesmo processo noutra qualidade (por exemplo como magistrado do Ministério Público),

O juiz ter participado no mesmo processo na qualidade de magistrado judicial (por exemplo por ter sido juiz de instrução no processo que ora seria chamado a julgar).

As soluções concretas de Estado para Estado variam em função das circunstâncias nacionais, mas este é o quadro geral das respostas dadas ao problema.

O TEDH assinalou como jurisprudência de referência o Acórdão proferido no caso Harabin c. Eslováquia (2012).

Examinando a seguir as duas razões de queixa:

A detenção no tribunal por sete horas em razão de desrespeito a este. Para o TEDH, o Governo documentou as condições materiais de detenção no tribunal, o queixoso, embora assistido por um advogado, não esgotou esta queixa mediante recurso ou reclamação segundo o direito interno, e não resultaram efeitos desta detenção na saúde do queixoso. Foi, assim, rejeitado este segmento da queixa, por inadmissível.

A questão da não imparcialidade alegada em três reclamações sucessivas (art.º 6.º § 1 da CEDH). O TEDH admitiu este segmento da queixa e analisou-o quanto ao mérito. Estabeleceu, como é seu critério os princípios gerais na matéria, em particular a necessidade da ausência de prejuízo ou de preconceito e em segundo lugar a presunção de seriedade (e de imparcialidade) do tribunal. Um critério subjetivo, ao inquirir as intenções do magistrado seria aleatório, mas um critério objetivo, consistente em examinar se existe alguma matéria na vida profissional ou pessoal do magistrado suscetível de influenciar a sua decisão num caso, é um caminho seguro. No fundo, trata-se de saber se existem fundamentos plausíveis para temer a parcialidade de um juiz num determinado processo. Enfim, questões de organização interna a que é devido respeito (regras de hierarquia nomeadamente) podem ser uma importante salvaguarda contra a parcialidade do magistrado.

Ora, da matéria exposta não resulta que tivesse existido qualquer posição da vida dos magistrados, em particular daquele que acabou por permanecer no coletivo da segunda instância que manteve a condenação no segundo processo, que justificasse um receio de parcialidade deste magistrado.

Apesar de os crimes terem sido cometidos pela mesma pessoa, no mesmo contexto temporal e de o segundo processo ter-se justificado pela importância de elementos do primeiro que justificaram a sua autonomização, os processos e as matérias respetivas são diversos, como são diversos os crimes, embora cometidos pelo mesmo arguido.

Um dos juízes, aquele que tinha uma participação mais ativa no primeiro processo foi afastado, enquanto o que foi mantido, não assumira o mesmo protagonismo. O próprio juiz cuja escusa foi pedida no segundo momento colocou a questão ao tribunal, pedindo para ser afastado, o que o tribunal indeferiu. Enfim, o STJ acabou por se pronunciar sobre a questão e houve uma inspeção judicial à matéria.

Não se verificou, assim, a violação do artigo 6.º § 1 da CEDH. O Acórdão foi adotado por unanimidade sem opiniões concordantes ou concordantes parciais.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira  

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos