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TEDH, 4.ª Secção, Bric c. Roménia, Acórdão de 11 de dezembro de 2018

3 jan 2019

CEDH, Artigo10.º Par. 1 Direito à liberdade de expressão na vertente de partilhar informação. Comunicação de informações judiciais em entrevista no cumprimento da lei de organização judiciária. Acusação de ofensa do segredo de justiça. Acusação de difamação. Processo disciplinar que conduziu um magistrado do MP à demissão das suas funções. Violação.

Bric, um magistrado do Ministério Público, queixou-se contra a Roménia por violação do direito à liberdade de expressão, em 2010, alegando que o seu direito a partilhar informação foi violado em contravenção do artigo 10.º da CEDH.

O Requerente, Bric, era Procurador-geral Distrital no Distrito de Maramures. Era também ele que detinha, nos serviços do Ministério Público, a função de comunicar a informação relativa aos processos criminais em curso, segundo as regras da organização judiciária que preveem esta comunicação.

Um dos processos em que teve de efetuar uma comunicação desta natureza era relativo ao pagamento de luvas a uma magistrada, para o efeito da colocação em liberdade de um determinado arguido. Este último, entretanto, saíra de prisão. O Requerente emitiu um comunicado, neutro, prestando a informação, mas a imprensa identificou a magistrada constituída arguida neste processo e desenvolveu notícias de teor mais preciso sobre este assunto.

Alguns magistrados judiciais queixaram-se do Requerente ao Conselho Superior do Ministério Público Romeno, e foi aberto um processo disciplinar contra este. No processo, o próprio juiz-presidente destacou o caráter neutro, e sem identificação de partes, nem juízos de valor, da comunicação do Requerente. Este acabou por ser condenado por violação do segredo de justiça. Votos de vencido novamente destacaram a neutralidade o seu comunicado. O Requerente apelou da decisão. Salientou a iniquidade do processo bem como a violação do seu direito a partilhar informações, nos termos do artigo 10.º da CEDH (direito à liberdade de expressão). Foi apoiado pela Associação dos Magistrados Romenos. Perdeu em todos os recursos que entretanto veio a fazer. Novamente, em voto de vencido, um juiz discordou da condenação. Da qual acabou por constar um agravamento da pena, tendo-lhe sido retirado o cargo de Procurador-geral Distrital bem como a função da prestação legal de informação judiciária.

No Direito europeu, a Recomendação (2003) 13 do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a provisão de informação aos media em relação a processos criminais, adotada em 10 de Julho de 2003, faculta um conjunto de critérios porque se devem pautar as comunicações de informações aos média em relação a processos criminais.

O TEDH admitiu a queixa de Bric, verificou, quanto ao mérito, a existência de uma interferência na liberdade de expressão do requerente, prevista por lei (tinha uma base legal no elenco de normas que tutelam o segredo de justiça, e obedecia aos requisitos de acessibilidade e de previsibilidade, embora o Requerente contestasse o uso de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais nestas normas [assim a noção de confidencialidade da investigação e a cláusula do comportamento de desrespeito em relação a colegas]). A medida contestada tinha um fim legítimo, em particular a proteção da honra e da reputação da magistrada alvo do processo; e colocou-se a questão de saber se era necessária numa sociedade democrática. Quanto a esta última questão, o TEDH seguiu a sua jurisprudência de referência nestes casos, Bédat c. Suiça [GC].

Sobre este último ponto, o TEDH notou que o Requerente agiu na qualidade de magistrado em exercício de funções. Que o debate que se seguiu era de interesse público. Quanto à violação que lhe foi imputada, da violação do segredo de justiça, que a existência deste é legítima e que o Requerente não se pronunciou sobre a questão da culpa da arguida. Também não citou nenhum documento em segredo de justiça e obedeceu aos requisitos da Rec(2003)13 do CM do CoE, nada podendo levar a que viesse a ser condenado pela violação do segredo de Justiça.

O TEDH confirmou este conjunto de exames com um último teste, o da avaliação do impacto das declarações do Requerente na carreira da juíza arguida no processo, bem como na sua reputação profissional. A ponderação a fazer foi operada em torno dos valores da proteção de outrem e da liberdade de se exprimir.

A magistrada arguida queixou-se do impacto das declarações para a imprensa no seu direito à vida privada e familiar (art.º 8.º da CEDH). Ora verificaram-se votos de vencido em que os juízes nacionais apoiavam o Requerente. E nesta medida ao proferir um comunicado para a imprensa de conteúdo neutro, nada podia levar à conclusão de que o requerente ofendera o direito à imagem e à reputação da sua colega. Verificou-se, assim, para o TEDH, a violação do art.º 10.º da CEDH, direito à liberdade de expressão, na vertente da partilha de informações.

No seu voto discordante comum, os juízes Kuris e Yudkivska, entendem que o problema não é da verificação da violação de uma disposição da CEDH, a qual efetivamente teve lugar pela forma brutal como o Requerente acabou por ser afastado da função e do cargo, mas o da aplicação do artigo 10.º da CEDH ao caso.

Para estes Magistrados, não é compreensível que os processos, sendo que o Requerente foi propositadamente geral e abstrato, vago até, no seu comunicado, tenham sido conduzidos contra ele. Quem aumentou o volume do ruido em torno do caso foi a imprensa. Quanto à qualificação da queixa do Requerente, o emprego do artigo 10.º conduziu a um obscurecimento na jurisprudência do TEDH, em torno desta disposição. Com efeito, o Requerente prestou as informações em cumprimento de um dever público, o de efetuar as comunicações dos Serviços do MP à imprensa, o qual ultrapassa a liberdade de expressão, uma vez que existe a vinculação a um dever de informar.

Segundo estes Magistrados, no seu lúcido voto discordante, o caso deveria ter sido examinado à luz do artigo 6.º da CEDH, na medida do seu relacionamento com a prestação da Justiça, e com o art.º 8.º, na medida dos efeitos que se produziram na vida privada e familiar do Requerente. O TEDH tinha competência para proceder à requalificação da queixa de Bric, como é sua jurisprudência constante, uma vez que conhece o Direito, segundo o princípio jura novit Curia


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos