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TEDH, 4ª Secção, Herbai c. Hungria, Acórdão de 5 de novembro de 2019

12 nov 2019

CEDH, Artigo 10.º, § 1. Direito à liberdade de expressão no domínio da partilha de informação relativa a temas profissionais, despedimento ilícito confirmado pelas instâncias judiciais, violação.

Herbai, cidadão húngaro, vinha trabalhando como gestor de recursos humanos num banco desde 2006. O banco iniciou uma reforma da sua política salarial, sendo que o Requerente (Herbai) estava submetido ao dever de confidencialidade sobre assuntos de trabalho.

Em 2011, o Requerente e um companheiro seu criaram um site de partilha de informações sobre gestão de recursos humanos. Aí publicaram alguns artigos, dois dos quais do Requerente, um dos quais “Ano novo, estratégia nova, ou falsa novidade?” e um outro relativo à reforma fiscal e aos efeitos da nova taxa do IRS sobre os recursos humanos, nomeadamente sobre o interesse em auferir prémios de produtividade. Os artigos tinham caráter genérico e não particularizavam a informação que era partilhada.

O banco despediu o Requerente em fevereiro de 2011 por quebra do seu dever de sigilo. Para o banco, a prestação de informação de natureza genérica sobre os recursos humanos ofendia os seus interesses económicos. Para mais, pela posição que o Requerente ocupava, este estava em posição de poder publicar informação que poderia contender com os interesses do banco.

O Requerente intentou uma ação de trabalho por despedimento ilícito e não obteve vencimento, vindo a confirmar-se o despedimento. Recorreu à Segunda instância e o Tribunal de apelação de Budapeste entendeu que, por ter partilhado informação não particularizada de natureza genérica, o Requerente não tinha prejudicado o banco, nem violado o dever de sigilo, e por isso, o despedimento seria ilícito. Em recurso para o Supremo, contudo, o banco venceu, pois este tribunal entendeu que bastava a partilha de informação de natureza profissional para caracterizar o motivo de despedimento.

Na Hungria, diversamente do que sucede, no entender do TEDH, em Portugal, o recurso para o Tribunal Constitucional (TC) pode ser esgotado previamente à apresentação de uma queixa ao TEDH. O Requerente queixou-se, assim ao TC, o qual entendeu que o Requerente se tinha limitado a partilhar apenas conteúdos profissionais, independentemente da sua natureza sigilosa ou não, os quais não tinham conteúdo político e por isso não estariam cobertos pelo direito à liberdade de expressão, tendo assim, este tribunal, rejeitado a queixa do Requerente.

O Requerente queixou-se da violação do seu direito à liberdade de expressão, protegido pelo artigo 10.º da CEDH ao TEDH. Este tribunal entendeu que o Requerente havia esgotado os recursos internos disponíveis e admitiu a queixa.

Quanto ao fundo, o TEDH indicou ser a jurisprudência de referência a contida no Acórdão Medzlis Islamke Zajadnice Brcko e Outros c. Bósnia-Herzegovina, da Grande Chambre, proferido em 2017. Para o TEDH, o direito à liberdade de expressão também é aplicável ao lugar de trabalho. Em certas circunstâncias merece proteção o facto de um trabalhador denunciar publicamente certas irregularidades no trabalho. Por fim, para serem proveitosas as relações de trabalho, estas devem repousar na boa-fé, o que significa que mesmo que a exigência da boa-fé não exija uma fidelidade absoluta no trabalho, esta implica limites ao exercício do direito à liberdade de expressão que são mais estreitos do que os impostos na vida corrente.

Aplicando estes princípios gerais ao caso, o TEDH observou que, uma vez que se tratou da resolução de um contrato de trabalho por uma entidade privada, a questão que se coloca, na relação com o Estado, é a de saber se existem obrigações positivas para o Estado, e se este as cumpriu.

Não se verificou, no caso em apreciação, a denúncia de irregularidades da parte do Requerente. O TEDH entendeu ser, assim, de pesquisar a natureza do discurso do Requerente, as suas motivações, o dano que este terá eventualmente causado ao empregador e a severidade da sanção que lhe foi imposta.

Sobre a natureza do dano, embora o TC tenha entendido que por não ter natureza política mas apenas profissional, o discurso não merecia proteção, é jurisprudência assente do TEDH que também o discurso de natureza estritamente profissional merece proteção ao título do exercício do direito à liberdade de expressão. Sobre a motivação do autor, verificou-se que o Requerente partilhou informação de natureza genérica, sem intenção de causar prejuízo ou de procurar a vingança por algum agravo que teria sofrido no passado. Não existe, assim, qualquer razão para entender que o Requerente não queria apenas partilhar informação genérica, sem a intenção de lesar. Sobre o dano causado ao empregador, o TEDH verifica que o Supremo confirmou o despedimento considerado lícito em primeira instância apenas pela partilha da informação que, no entender desta instância, segundo o direito húngaro, constitui um ilícito, independentemente do seu conteúdo material. Segundo o TEDH não se vislumbra em que é que o banco ou a área de negócios do banco possa ter sido afetada pelo discurso do Requerente. Por fim, quanto à severidade da sanção, é sabido que o despedimento é uma sanção extremamente severa.

Por todas estas razões o TEDH, observando que o direito à liberdade de expressão deve ser assegurado, também, nas relações trabalhador-empregador, que os tribunais nacionais não procederam a qualquer exercício de ponderação equilibrada dos interesses antagónicos em presença, tendo o resultado da disputa sido adjudicado, apenas, com base nas disposições do contrato individual de trabalho entre o Requerente e o seu empregador, e que a esta luz os tribunais nacionais não demonstraram ter feito uma ponderação equitativa dos interesses em presença entre o direito à liberdade de expressão do Requerente e os interesses do negócio, concluiu por se ter verificado a violação do direito à liberdade de expressão do Requerente tal como vertido no art.º 10.º § 1 da CEDH.

O Acórdão foi votado por unanimidade, sem opiniões concordantes ou concordantes parciais. 


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos