Simp

Está aqui

TEDH, 5.ª S., Laurent c. França, Acórdão de 24 de maio de 2018

30 maio 2018

CEDH, Artigo 8.º, direito à vida privada – dever de respeitar a confidencialidade das comunicações entre o advogado e o seu constituinte.

Detidos apresentados ao juiz para validação da detenção. Sua defesa oficiosa por advogado de turno. Comunicação dos dados de contato do advogado aos seus representados em folha de papel. Pedido de vista pelo oficial da polícia. Processo por violação de correspondência. Arquivamento repetido. CEDH, artigo 8.º - Direito à confidencialidade das comunicações entre advogado e constituinte, violação.

Dois indivíduos em detenção numa esquadra de polícia foram presentes ao juiz para validação da detenção, no tribunal da comarca de Brest. Foram oficiosamente representados por Cyril Laurent que assegurou a sua defesa. No fim do acto judicial, pediram a Laurent os seus dados de contato para poderem continuar a comunicar com ele no quadro da sua defesa. Este deu a cada deles uma folha com os seus dados de contacto redigidos à mão, uma vez que não dispunha então de cartões de visita. Dobrou cada folha em quatro partes.

O oficial da polícia, um agente graduado, pediu a cada um dos arguidos para ver as folhas, o que estes fizeram, tendo-lhas devolvido a seguir. Laurent exprimiu o seu protesto publicamente. Dias depois, o advogado apresentou-se aos Serviços do Ministério Público do Tribunal com um requerimento em que se queixava do comportamento do oficial de polícia. O MP arquivou a queixa mas emitiu um comunicado a todos os serviços de polícia no sentido de ser respeitada a confidencialidade das comunicações entre advogados e constituintes. O queixoso não ficou satisfeito e queixou-se ao juiz de instrução, iniciando um processo autónomo. Novamente foi afirmado o respeito pelo segredo das comunicações entre advogado e constituintes e novamente foi arquivada a queixa. Recorreu em apelação, tendo o tribunal de segunda instância de Rennes arquivado a queixa. Recorreu em última instância à Cassation, tendo o seu pedido merecido o mesmo destino.

Queixou-se ao TEDH por violação do artigo 8.º da CEDH, direito à vida privada e familiar, na vertente do direito ao respeito da confidencialidade da correspondência entre o advogado e o(s) seu(s) constituinte(s).

O TEDH admitiu a queixa, tendo o Conselho Nacional da Ordem dos Advogados intervindo na qualidade de terceiro interveniente. Para esta instituição, a confiança legítima do constituinte no advogado e na tutela jurídica e judiciária justifica que deva ser protegida a confidencialidade das comunicações entre o advogado e o seu constituinte.

Uma outra questão foi a de saber se a entrega de uma folha dobrada com os dados de contato do advogado se integra na noção de correspondência. O TEDH entendeu que sim, alargando a noção de correspondência ao conjunto de comunicações entre o advogado e o constituinte.

Procedendo a seguir segundo o seu modelo de decisão judiciária, o TEDH analisou o fundamento legal da medida, a saber se esta está prevista na lei; a legitimidade dos fins que a medida prossegue e a sua necessidade numa sociedade democrática, sendo esta última parte do exame conhecida como “teste de proporcionalidade”.

Existindo uma divergência de posições entre as partes, o Governo entendendo que a questão não seria nova em relação à jurisprudência do TEDH, e por isso não mereceria um seu acórdão, e o queixoso que entendia que a situação não estaria senão parcialmente coberta pelo artigo relevante do Código penal e que por isso, representando uma questão com novidade jurídica deveria ser examinada pelo TEDH, o TEDH não examinou a questão da previsão legal da medida.

Quanto ao seu fim legítimo, o TEDH entendeu que existia um fundamento válido de interceção da correspondência, justificado por razões de segurança e para prevenir o cometimento eventual de uma infração pelos arguidos.

Procedendo ao teste de proporcionalidade, e socorrendo-se da sua jurisprudência de referência, Michaud c. França, explicou a relação entre o fim legítimo da medida e a sua necessidade numa sociedade democrática nos termos seguintes: pode haver um controlo da correspondência de uma pessoa detida. Mas as trocas entre o advogado e o seu constituinte têm um estatuto privilegiado pela função específica do advogado na realização da justiça.  Neste caso, apenas motivos plausíveis para suspeitar do cometimento de uma infração permitem este controlo. Ora o oficial de polícia, segundo o Governo, agiu para prevenir um acto perigoso, mas nunca fundamentou a sua conduta, nem justificou de alguma forma que este papel pudesse ter um conteúdo perigoso. Na falta de uma suspeita válida de um ilícito, a interceção da correspondência não é legítima. As próprias autoridades internas (nomeadamente o MP) chamaram a atenção para o fato de esta interceção ser ofensiva do respeito à comunicação livre entre advogado e constituinte.

Não havia, assim, necessidade social imperiosa da medida, que a justificasse numa sociedade democrática. Esta foi ilegítima, não tendo vencido o teste da proporcionalidade. Verificou-se, assim a violação do artigo 8.º da CEDH. O TEDH entendeu, frente a um pedido formulado por Laurent, de indemnização pelo sofrimento causado por este problema, que a verificação da violação constituiu a compensação bastante pelo dano moral neste caso.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos