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TEDH, 5ª Secção, Pastors c. Alemanha, Acórdão de 3 de outubro de 2019

10 out 2019

CEDH, Artigo 10.º, Direito à liberdade de expressão. Art.º 17.º Limites à liberdade de expressão, nomeadamente não anular os demais direitos constantes da Convenção europeia. Incidente de parcialidade de magistrado, CEDH, art.º 6.º § 1, não violação.

Pastors, um cidadão alemão, também deputado ao parlamento regional do Land de Meclemburgo – Pomerânia Ocidental pelo partido nacional democrático alemão, proferiu um discurso neste parlamento regional a seguir ao dia da comemoração do Holocausto, em 27 de janeiro de 2010. Nesse discurso expressava o seu pesar pelo falecimento de soldados alemães no Atlântico, numa operação de transporte de pessoas por um navio militar que fora afundado por forças navais aliadas na IIª Grande Guerra. Aí emitiu ainda propósitos negacionistas, afirmando que o gazeamento e a posterior cremação dos judeus, em Auschwitz, não tivera lugar. O parlamento regional levantou a imunidade parlamentar deste deputado e seguiu-se a promoção penal que cabia a estas afirmações com a condenação final de Pastors numa pena suspensa mediante bom comportamento, de oito meses, por difamação e ofensa à memória de pessoas falecidas, as vítimas do campo de concentração de AuschwitzPastors recorreu, tendo o tribunal de segunda instância mantido a pena. Nesse ponto do seu percurso judicial, Pastors verificou que um dos juízes do tribunal de segunda instância era marido de uma juíza de carreira do tribunal de primeira instância que o condenara. Levantou o incidente de parcialidade deste juiz e foi vencido.

Esgotados os recurso internos, Pastors queixou-se ao TEDH, o qual admitiu a queixa, vindo a proferir um Acórdão e não uma decisão de inadmissibilidade/admissibilidade parcial. Pastors queixou-se da violação do seu direito à liberdade de expressão tutelado pelo artigo 10.º da CEDH e por violação da regra da imparcialidade do juiz constante do artigo 6.º § 1 da CEDH.

Na apreciação da queixa, o TEDH enfatizou a ligação entre o direito à liberdade de expressão (art.º 10.º da CEDH) e o artigo 17.º (proibição do abuso de direitos conducente à anulação dos direitos da CEDH) e indicou que é possível impor um travão à liberdade de expressão como atividade exercida em abuso de direito, visando a destruição dos direitos constantes da CEDH:

Para o TEDH assumiu particular gravidade o facto de o queixoso ser um deputado em exercício de funções, e de ter proferido o seu discurso no parlamento regional, atribuindo-lhe a qualidade de trabalho parlamentar.

O TEDH aceitou que houve ingerência no direito à livre expressão de Pastors, a qual estava prescrita na lei e prosseguia o fim legítimo da proteção da reputação e dos direitos de outrem. Respondendo à questão de saber se esta medida era necessária numa sociedade democrática, o TEDH analisou a reação do parlamento e a atividade de promoção e de julgamento penal, chegando à conclusão de que as várias instituições haviam tratado corretamente o caso. O facto de o discurso ter sido preparado antes de ser proferido, e de as palavras de negação do Holocausto terem sido preparadas e assumidas, revelou, da parte de Pastors, desprezo em relação às violações cometidas durante o Holocausto, bem como a negação de factos históricos, reconhecidos e estabelecidos. Por isso, a medida foi considerada necessária numa sociedade democrática, pelo TEDH, em particular à luz do art.º 17.º da CEDH, na medida em que se impunha evitar que alguém, mediante a sua atividade, anulasse os direitos e liberdades constante das CEDH, nos termos deste preceito. A esta luz, não se verificou a violação do art.º 10.º § 1 da CEDH, violação do direito à liberdade de expressão

Sobre a alegada parcialidade em segunda instância, o TEDH observou, primeiro, que não existia relação matrimonial entre um juiz e uma parte nem entre um juiz a exercer funções e um juiz que as exercesse e uma juíza que as ainda continuasse a exercer no presente, dentro do mesmo quadro processual.

Por outro lado, o processo evoluiu numa lógica de continuidade, da primeira instância para o Tribunal de Apelação. Sem que este procedesse a uma repetição do julgamento da primeira instância, mas apenas a um exame em sede de recurso. Por fim, apesar da indicação que deu, o queixoso não abdicou, como pôde, da afirmação de que teria existido conluio entre o magistrado da 2.ª instância e o magistrado da 1ª. Não se verificou assim, segundo o TEDH, a violação da regra da imparcialidade contida no art.º 6.º § 1 da CEDH.

Na sua opinião dissidente parcial, os juízes Grozou e Mits concordam com a não violação do art.º 10.º aferida à luz do art.º 17.º da CEDH, mas discordam da resposta dada à questão da imparcialidade, ao abrigo do art.º 6.º § 1.

Para estes magistrados, do que se trata, neste segmento da queixa, é de imparcialidade objetiva e esta resulta da aparência. Ou seja, na medida em que a confiança de um particular na justiça possa estar em causa, há a violação da regra da imparcialidade, porque a aparência é a da não imparcialidade.

O receio da não imparcialidade do magistrado fora justificado e as instâncias nacionais não o resolveram, violando assim, segundo os juízes Grozou e Mits, este princípio contido no artigo 6.º § 1 da CEDH.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos