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TEDH, 5ª Secção, Williamson c. Alemanha, Decisão de inadmissibilidade de 8 de janeiro de 2019

8 fev 2019

CEDH, Artigo 10º Par. 1 Direito à liberdade de expressão: entrevista para uma televisão sueca conduzida na Alemanha, que prevê e pune, no seu direito, o crime de negacionismo durante a qual o Requerente negou o holocausto dos judeus, cometido às mãos do regime nazi durante a IIª guerra mundial. Condenação do Requerente pelos tribunais alemães, queixa por violação alegada do direito à liberdade de expressão, inadmissibilidade.

Um cidadão inglês, residente em Kent era membro da Sociedade de Santo Pio X, fundada por Monseigneur Lefèbvre, em oposição às reformas do Segundo Concílio do Vaticano. Williamson era um dos quatro bispos consagrados por Msr Lefèbvre em 1988, contra uma decisão de João Paulo II e todos (Msr. Lefèbvre e os quatro bispos) foram excomungados. Em 2009, a excomunhão foi levantada e, em 2012, Williamson foi expulso da Sociedade de Santo Pio X.

Em 2008, o Requerente, Williamson, encontrava-se no seminário de Zaitkofen, na Alemanha, numa atividade da Sociedade de Santo Pio X, a que pertencia. Tratava-se, então, de consagrar um pastor sueco. O Requerente foi entrevistado por uma televisão sueca, com limitação em princípio aos assuntos religiosos, em todo o caso, sob a advertência das particulares exigências do direito alemão em matéria de crimes negacionistas.

A entrevista acabou por derivar para o genocídio dos judeus cometido na IIª Grande Guerra pelos nazis, e Williamson defendeu que existiria evidência histórica no sentido deste genocídio não ter existido.

O programa foi para o ar em 21 de janeiro de 2009 e ficou disponível para toda a Europa, via satélite. O assunto foi alvo de debate na imprensa alemã.

O Tribunal regional de Regensburg pronunciou o Requerente pelo crime de incitamento ao ódio e veio a condená-lo no pagamento de 120 dias de multa à taxa diária de 100€. O tribunal de apelação de Nuremberga anulou a decisão do tribunal regional por nulidades da sentença. O Tribunal regional de Regensburg pronunciou novamente o requerente em Outubro de 2012 e acabou por condená-lo pelo crime de incitamento ao ódio. Por aplicação do parágrafo 130.º, n.º 3 do StGB a condenação acabou por situar-se na pena de 90 dias à taxa diária de 20€.

Para o Tribunal de Regensburg, o Requerente teria agido com dolo eventual tanto mais que não teria existido um acordo de limitação da entrevista eventualmente desrespeitado pelo entrevistador, mas sim um aviso perante as prescrições do direito penal alemão, no sentido de um particular cuidado nas declarações que viessem a ser prestadas. Por fim, para o tribunal, o direito alemão era aplicável por os factos terem decorrido na Alemanha.

O tribunal de apelação de Nuremberga, desta vez, rejeitou o recurso de Williamson, não encontrando vícios suscetíveis de conduzir à anulação da decisão do tribunal de Regensburg. O tribunal constitucional alemão, a quem o Requerente dirigiu um recurso de amparo constitucional, rejeitou este último recurso.

O Requerente queixou-se ao TEDH de uma ofensa ao seu direito de liberdade de expressão, alegando que, uma vez que a entrevista se destinava a um programa de televisão a difundir a partir da Suécia, não era aplicável o direito alemão. Invocou a violação do artigo 10.º da CEDH relativo à liberdade de expressão.

Para o TEDH, é em primeiro lugar às autoridades nacionais que compete a interpretação e a aplicação do direito nacional. O Requerente aceitou praticar a entrevista na Alemanha, sabendo que as declarações que aí viesse a proferir podiam ser passíveis de punição, sendo que era residente noutro país. Não chegou a existir um acordo, que o entrevistador teria desrespeitado, sobre a limitação da entrevista a assuntos religiosos, mas havia a consciência do necessário cuidado a observar, perante o direito alemão, durante a prestação de declarações, no quadro da entrevista.

Houve, por parte das autoridades alemãs, uma interferência no direito à liberdade de expressão do requerente. Os tribunais nacionais, perante o debate que as declarações do requerente provocaram, entenderam que estas declarações eram de natureza a perturbar a tranquilidade e a paz, na Alemanha.

Sabendo que o direito alemão não admite o seu tipo de discurso, o Requerente acabou por demonstrar alguma intenção ao proferi-lo. Sabia que os seus comentários seriam vistos no mundo e na Alemanha, ou, face à tecnologia hoje existente, não o podia ignorar. Não cuidou do facto de que, quando prestou as suas declarações o papa era um alemão, Bento XVI.

Considerando que a multa de 90 dias à taxa diária de 20€ foi muito leniente, o TEDH entendeu que a intervenção das autoridades foi necessária numa sociedade democrática, ou seja, que além de legítima e prevista na lei, foi proporcional. Por isso, a queixa de Williamson foi muito justamente declarada inadmissível e não foi, assim, recebida pelo TEDH. 


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos