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TEDH, 6 de Outubro de 2016, Queixa n.º 14862/07, Olga Mauriello c. Itália, decisão de inadmissibilidade

10 out 2016

Pessoa com carreira contributiva com início tardio. Dez anos de descontos. Patamar insuficiente para a atribuição de uma pensão de reforma. Sistema solidário contra sistema mutualista. Autonomia e discricionariedade dos Estados na fixação das suas regras de Segurança Social. A imposição de uma contribuição obrigatória atinge o direito de propriedade. CEDH, Protocolo n.º 1, art.º 1.º, direito de propriedade, não violação.

Olga Mauriello começou a trabalhar tarde, como dactilógrafa judiciária, tendo alcançado apenas dez anos de carreira contributiva. Pediu autorização para continuar a trabalhar até  perfazer 15 anos de carreira contributiva, para obter o direito à pensão de reforma, mas, tendo completado 70 anos de idade, esta autorização foi-lhe negada pelos tribunais administrativos.

Queixando-se de ter um filho maior, no desemprego, a seu cargo, e um neto com 13 anos de idade, também a seu cargo, contestou as regras da Segurança Social, que a compensaram num montante substitutivo da pensão, no valor de 7 151,68 Euros, quando o montante das suas prestações durante dez anos de carreira contributiva foi bem superior a esta prestação única, recebida quando lhe foi concedida a reforma. Esta indemnização “una tantum” foi, segundo os tribunais italianos que explicaram o funcionamento das regras de Segurança Social, atribuída desta forma porque o sistema de Segurança Social de que depende Olga Mauriello é um sistema assente na solidariedade e não um sistema mutualista.

Se o sistema de Segurança Social de que depende Olga Mauriello, repousasse numa conceção mutualista, esta teria recebido uma proporção dos montantes por si prestados, de forma regular. Repousando numa base solidaria, ao Estado competia o direito de o moldar como entendia e como lhe convinha segundo as regras, nomeadamente, orçamentais e de política financeira do Estado.

Acrescendo às dificuldades da requerente, esta teria podido efetuar uma compra de direitos no montante mínimo de 20 000 Liras italianas (ao tempo da sua chegada à idade de reforma), o que lhe teria permitido auferir uma pensão mínima mas ainda com alguma relação com a sua prestação e o seu tempo de trabalho.

Esgotados os recursos internos, Olga Mauriello queixou-se ao Tribunal europeu dos direitos do homem que, examinando as regras de Segurança Social que lhe impuseram, ao longo da carreira contributiva, o pagamento de prestações de Segurança Social, sobre o seu vencimento, concluiu que esta perceção de montantes sobre o vencimento representa uma ingerência do Estado no direito de propriedade da queixosa, tutelado pelo art.º 1.º do Protocolo n.º 1 à CEDH.

Este artigo permite a ingerência dos Estados e aceita a regulação por parte destes do regime jurídico dos bens, prevendo a proteção do direito de propriedade construído como um direito subjetivo de natureza absoluta (correspondente ao direito de propriedade geralmente aceite pelas constituições e os direitos civis nacionais) e, por vezes, por determinadas pretensões merecedoras de tutela jurídica, como certos créditos exigíveis porque vencidos e determinados direitos de propriedade artística, intelectual ou industrial.

O Tribunal europeu concluiu que a Sra. Olga Mauriello tinha deparado com uma exigência legítima e proporcional do Estado no seu direito de propriedade sobre os seus vencimentos, pois a regulamentação da Segurança social e das correspondentes prestações corresponde a um exercício justo do poder do Estado sobre o direito de propriedade.

Concluiu, ainda, que a Sra. Mauriello disse receber um outro montante – que não o direito nesta queixa reclamado – por virtude das regras de Segurança Social e que, além disso, na qualidade de cidadã italiana, podia prever, ao entrar tarde no mundo do trabalho, que o jogo das regras de Segurança Social a iria muito provavelmente excluir do direito à pensão de reforma. Não houve, assim, da parte do Estado italiano qualquer violação do art.º 1.º do Protocolo n.º 1 da CEDH.

Não existindo um conhecimento preciso das condições materiais da requerente e aceitando o funcionamento das regras de Segurança Social italianas, será difícil debater do acerto desta resposta do TEDH, aliás tomada sob a forma de decisão de inadmissibilidade, por unanimidade.

Nota-se a aparente dimensão muito formal do recurso à noção do direito de propriedade, embora mais lato do que o dos Códigos civis nacionais, e pergunta-se o que diria, com recurso à mesma noção de direito de propriedade, o TEDH, de uma situação em que a carreira contributiva tivesse sido superior no tempo ao exigido à generalidade dos contribuintes para a Segurança Social.

Manter-se ia a exigência do alcance do limite legal de idade para constituir o direito à pensão de um trabalhador que tivesse começado a prestar o seu trabalho e a efetuar os seus descontos, ainda adolescente, numa idade correspondente ao anterior limite para o trabalho de jovens, por exemplo, de 14 anos de idade?


Autor: Paulo Marrecas Ferreira