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TEDH, 7 de março de 2017, V.K. c. Rússia.

13 mar 2017

Menino confiado a infantário do serviço público na área de São Petersburgo. Quadro de castigos de severidade extrema. Maus tratos. Ausência de investigação. Integração do infantário no sector público, responsabilidade do Estado.  CEDH, art.º 3, maus tratos a menor, dimensões material e formal, violação. Danos materiais e morais. Compensação.

V.K. foi colocado cedo num infantário, durante o tempo de trabalho dos pais. Regressava à noite a casa mas sofria de mau tratos de gravidade extrema para uma criança de 4 anos. Não conseguindo dormir nas horas da sesta, era trancado às escuras na casa de banho onde lhe diziam que iria ser devorado pelos ratos. E viu ratos nesse lugar. Num caso de uma patologia nos olhos de outra criança, foi administrado um antibiótico ocular ao conjunto de crianças, vindo VK a sofrer algumas perturbações com essa administração. Ao reagir contra a administração desse antibiótico, recebeu um estalo na têmpera que deixou uma marca de certa profundidade por algum tempo. Apenas conseguia acalmar-se e recuperar alguma normalidade nas férias de verão, com os pais. A cada regresso ao infantário a criança manifestava um verdadeiro terror. No final, foi-lhe diagnosticada hipercinesia, uma doença do foro neurológico associada a este quadro problemático, que se manifestava por uma ausência permanente de tranquilidade com desordens motoras.  Vários anos após ter saído do infantário, ainda sofria de hipercinesia.

Os pais reagiram e ao fim de um longo périplo em que foram muitas as peripécias (com professores a fazerem falsas declarações quanto a um alegado comportamento violento do pai, desmentido por colegas), o diretor do infantário veio a ser demitido por razões estranhas ao sofrimento de V.D., os professores sofreram processos disciplinares, e V.D. foi transferido para outro infantário público.

A mãe queixou-se a várias instâncias. Propôs uma ação cível que culminou com a condenação do infantário no pagamento de 5.000 Rublos (150 E); e apresentou uma queixa-crime junto da polícia de São Petersburgo.

A queixa-crime deu lugar a uma investigação mas não chegou nunca à qualidade de um inquérito conducente a uma instrução do processo penal. Durante os vários anos que demorou esta investigação, o seu arquivamento foi promovido pela polícia com base na falta de provas e na prescrição do processo. O Ministério Público confirmou esta solução, apesar do tribunal da comarca entender que existiam falhas que deviam ser colmatadas, dando razão à mãe da criança, decisões sempre anuladas em recurso. Quando chegou o resultado do arquivamento da queixa por falta de provas e prescrição, foi dito à Mãe que era sem apelo: tinha esgotado os recursos e já nada podia fazer.

Queixou-se então ao TEDH: para factos ocorridos por volta de 2004, a investigação sem inquérito nem instrução de um processo penal, foi arquivada em 2014. Com vários incidentes de permeio. Tentativas anteriores de arquivamento judicialmente contrariadas pela mãe e invalidados estes esforços, em sede de recurso.

O TEDH verificou facilmente a gravidade do sofrimento imposto àquela criança. Qualificou-a como tratamentos desumanos, contrários ao artigo 3.º da CEDH. E imputáveis ao Estado porque foram ministrados numa instituição integrada no sector público. De dimensão substancial não reparada, apesar do processo cível em que a mãe saiu vencedora, porque no momento da introdução da queixa, em 2014, a criança sofria ainda de hipercinesia.

De dimensão processual, porque tudo foi feito da parte das autoridades para impedir a investigação criminal do caso, o que estas conseguiram. E porque tratando-se de maus tratos às mãos de entidade do sector público, há sempre que apurar em inquérito, o quadro de violações existente, nomeadamente para o efeito da efetivação das responsabilidades.

Houve assim duas violações do art.º 3.º, uma substancial e outra processual.

O TEDH não examinou a queixa à luz do art.º 13.º, recursos não efetivos, porque já havia condenado a Rússia por esta não efetividade, no plano do art.º 3.º.

Pronunciando-se sobre a indemnização entendeu ser de atribuir mais 3.000 E a título de danos materiais, sob a forma de tratamentos ainda em curso, em particular para a hipercinesia.

Considerou que o sofrimento do menino fora de monta, e não se mostrava reparado pela ação cível interna. E concedeu, o montante de 25.000 a título de compensação pelo sofrimento, a indemnização pelos danos morais que esta criança sofreu.

Concedeu ainda, no final, um montante por despesas incorridas com a apresentação da presente queixa. 

 

por: Paulo Marrecas Ferreira