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TEDH, 8 de dezembro de 2016, LD e PK c. Bulgária

12 dez 2016

Relações de facto entre mulher e homem. Nascimento de criança. União posterior da mulher com outro homem. Reconhecimento da paternidade por este. Casamento posterior deste com outra mulher. Adoção da criança por esta com o consentimento da mãe. Rigidez das regras relativas à impugnação de paternidade. CEDH, artigo 8.º Direito à vida privada e familiar de LD e PK, violação.

LD, não sabendo que a companheira estava grávida, desfez a relação, vindo a saber mais tarde que esta tivera um filho.  A companheira veio entretanto a juntar-se com outro homem que reconheceu a paternidade, vindo posteriormente a casar com outra mulher que adotou a criança com o consentimento da mãe.

LD, que tinha motivos bastantes para crer ser o pai da criança, não pôde impugnar o reconhecimento da paternidade de V, uma vez que a ação de impugnação da paternidade está  reservada aos serviços da Segurança Social e ao Ministério Público. Ora, este, apesar de instado pela mãe da criança e por LD a avançar com um   processo de impugnação da paternidade, veio a desistir dele, decisão que foi homologada pelo juiz.

O mesmo sucedeu a PK, embora não se saiba, no acórdão do TEDH, se, neste caso, a criança veio a ser adotada por uma mulher diferente da mãe.  A paternidade foi, em todo o caso, reconhecida por outro homem, havendo uma forte possibilidade de PK ser o pai da criança.

LD e PK, cada qual na sua esfera de vida, esgotaram os recursos na ordem judicial interna sem sucesso. As queixas acabaram por ser apresentadas ao TEDH que as recebeu e apensou para o efeito da decisão dos casos.

Examinando as questões colocadas, o TEDH aceita que o direito búlgaro procure regular de modo relativamente estrito o reconhecimento da paternidade. Tal cabe na margem de apreciação do Estado, melhor colocado que a justiça internacional para dirimir as questões que se possam colocar entre os cidadãos submetidos à sua jurisdição. Já o que é menos aceitável, para o TEDH, é que em casos limite como estes, em que existe uma forte probabilidade de o pai biológico não ser aquele que reconheceu a paternidade, não exista a possibilidade, para o particular, de desencadear, de modo autónomo, o processo de impugnação da paternidade.  Este processo de impugnação está nas mãos do serviço competente, em direito interno, da Segurança Social, e do Ministério Público. Dispondo estas entidades do processo, aos particulares não cabe senão aceitar as suas decisões sem poder exercer uma influência mais determinante sobre o desenrolar do processo. Ora, se é aceitável que o reconhecimento e a impugnação da paternidade sejam rigorosamente regulados, não é legítima, para o TEDH, uma limitação excessiva do exercício da ação de impugnação da paternidade sempre que existam motivos fundados para crer que a pessoa que procedeu ao reconhecimento da paternidade não é o pai biológico da criança. E estes motivos fundados deveriam ter sido aceites em texto legal, no sentido de admitir, nestes casos, o exercício mais pleno, por parte dos requerentes, da ação de impugnação de paternidade.

Entendeu, assim, o TEDH, verificar-se aqui a violação do direito à vida privada e familiar de LD e de PK, consagrado no artigo 8.º da CEDH.

Os requerentes pediram ao TEDH, nos termos do artigo 46.º da CEDH que este emitisse um acórdão piloto sobre esta questão, relativamente à Bulgária.  Assentando na abundância destes casos na Bulgária e na insuficiência verificada da lei vigente, o TEDH poderia, segundo eles, determinar a modificação do direito nacional por meio da adequação do ordenamento Búlgaro à determinação do TEDH. Esta prática, que o TEDH vem seguindo em situações nacionais de incumprimento sistémico da CEDH por parte dos Estados, que consiste em apontar para as deficiências do ordenamento jurídico nacional num determinado ponto da sua regulação e em remeter para o Comité de Ministros do CoE, em articulação com as autoridades nacionais a sua resolução, de acordo com um estabelecimento de prioridades feito pelo próprio TEDH no seu acórdão de condenação, não foi contudo aceite, neste caso, pelo TEDH, na medida em que está em curso de elaboração, para posterior adoção pelo Parlamento, uma reforma das regras búlgaras relativas ao processo de impugnação da paternidade e de estabelecimento da filiação.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira