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TEDH, Grande Chambre, S. V. e A. c. Dinamarca, Acórdão de 22 de outubro de 2018

6 nov 2018

CEDH, Artigo 5.º, em particular o Par. 1, Direito à liberdade e segurança. Prisão preventiva, sem apresentação a um juiz, de 3 indivíduos suspeitos de hooliganismo durante um jogo de futebol. Não violação.

Três cidadãos dinamarqueses, S. V. e A. queixaram-se ao Tribunal europeu dos Direitos do Homem em 8 de junho de 2012, alegando que a sua prisão preventiva foi contrária ao artigo 5.º par. 1 da CEDH. Pela importância do tema, a Seção do TEDH a quem o caso foi confiado, renunciou à sua jurisdição em benefício da jurisdição da Grande Chambre.

No dia 10 de outubro de 2009 teve lugar o jogo Dinamarca-Suécia, em Copenhaga. A polícia recebeu informação sobre o perigo de hooliganismo e foi desenvolvida ampla força policial. Os três requerentes foram presos preventivamente quando se deslocaram a Copenhaga para ver o jogo. Eram conhecidos da polícia, que suspeitava da possibilidade de os mesmos praticarem violência. Outros 138 espetadores, também suspeitos de hooliganismo, foram preventivamente presos. O primeiro requerente passou sete horas e vinte e um minutos na prisão, o segundo requerente, sete horas e trinta e sete minutos e o terceiro requerente, sete horas e quarenta e quatro minutos. Naquela noite houve distúrbios até às 23 horas e 21 minutos.

Em 15 de outubro de 2009 o representante dos requerentes pediu a apresentação dos casos a tribunal, para exame da regularidade da detenção, e pediu uma indemnização por prisão ilegal. O caso foi examinado pelo tribunal de Aarhus de onde provinham os Requerentes. Estes alegaram que se deslocaram de Aarhus a Copenhaga para assistir pacificamente ao jogo. Num “Memorandum sobre as detenções em relação com o jogo Dinamarca-Suécia de 10.10.2009”, a polícia relatou que recebeu informações relativas ao perigo de hooliganismo neste encontro.

Em 25 de novembro de 2010, o Tribunal de Aarhus declarou as queixas dos Requerentes improcedentes porque a polícia recebera informações relevantes e o perigo de hooliganismo existia; os requerentes foram presos juntamente com 138 outros, para prevenir o risco; foram observadas todas as suas garantias, nomeadamente, foram colocados em liberdade logo a seguir ao jogo. Recorreram para a Segunda Instância e perderam. O Supremo Tribunal de Justiça dinamarquês rejeitou liminarmente o seu recurso.

Queixaram-se ao TEDH, o qual, depois de ter apensado as queixas, examinou os trabalhos preparatórios da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a Convenção do CoE sobre a segurança dos eventos desportivos, e procedeu a um estudo de direito comparado, observando a lei e a jurisprudência em vários países europeus. A Grande Chambre aceitou o caso como admissível e examinou a questão quanto ao fundo.

Para o TEDH, para avaliar uma violação do artigo 5.º § 1, direito à liberdade e segurança, é preciso verificar se o processo está prescrito na lei, se não é arbitrário, se a detenção é necessária face às circunstâncias do caso, se a medida é compatível com a CEDH face às circunstâncias do caso, e se não existiam medidas menos radicais.

Examinando os contornos precisos do caso concreto, o TEDH observou que a segurança contra o hooliganismo está coberta pelo artigo 5.º da CEDH.  Assim o reza a sua jurisprudência Ostendorf. Entretanto, vem a colocar-se o facto de os detidos não terem sido apresentados a um juiz para validar a sua detenção. O TEDH entendeu que, quando a detenção não é longa e não ultrapassa o tempo que demora a apresentação do detido a um juiz (uma detenção por sete horas dentro de um prazo de apresentação de 48 horas, por exemplo), esta detenção não é problemática, desde que os reclusos não sofram qualquer forma de violência ou maus tratos em detenção. Ser colocado em liberdade antes do decurso do prazo corrente de apresentação ao juiz para validação da detenção, é, assim, razoável, para o TEDH. Face à questão da necessidade da detenção por causa das  circunstâncias, o TEDH verificou que existia uma base legal, em direito interno, sobre a repressão de violências desta natureza. Por outro lado, os Requerentes eram conhecidos da polícia, que tinha razões plausíveis para crer que poderiam cometer atos de hooliganismo. Sobre o ser a medida compatível com a CEDH face às circunstâncias do caso, e se não existiam medidas menos radicais, o TEDH entendeu que a medida estava justificada pelo perigo, e, quanto à sua radicalidade, observou que foram detidos apenas pelo tempo necessário a que o jogo se desenrolasse dentro do seu próprio período temporal, um período de sete horas de prisão para um tempo de jogo de duas horas, com as perturbações que são conhecidas antes e depois de cada jogo. Esta duração de prisão relativamente curta levou o TEDH a entender que a medida era compatível com a CEDH e que não era excessivamente radical.

Não se verificou, assim, para o TEDH nenhuma violação do artigo 5.º da CEDH.

Os juízes De Gaetano e Wojtyckek emitiram uma opinião dissidente parcial conjunta. Entenderam que houve violação do artigo 5.º § 1, na medida em que o TEDH, ao analisar o caso, deveria ter-se socorrido do princípio “in dubio pro libertate”. Para mais, tratando-se de uma prisão imposta por razões de segurança, os requerentes deveriam ter sido logo presentes a um juiz para a validação da detenção. A difícil factibilidade desta posição assenta em dois pontos. Por um lado, o hooliganismo já demonstrou ser lesivo em extremo, ao ponto de causar a morte de espetadores pacíficos. Face a um tão elevado perigo, a dúvida não tem necessariamente de operar em benefício da liberdade. Operar em benefício da segurança, com colocação em liberdade imediatamente após o evento, como sucedeu, e mediante um controlo judicial posterior, que também teve lugar, não parece diminuir as garantias dos detidos. Por outro lado, pode ser difícil organizar uma escala judicial urgente, com capacidade para examinar imediatamente, e validar, também imediatamente, as numerosas detenções que, por razões de segurança, venham a suceder. Neste sentido parece que a maioria decidiu bem, com recurso às ferramentas interpretativas da existência de um processo prescrito por lei, não arbitrário, procurando-se a justificação da detenção imediata face às circunstâncias, a compatibilidade da medida com a CEDH, a não existência de uma medida menos gravosa e, naturalmente, o necessário controlo judicial posterior da detenção ou prisão.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos