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TEDH, Tchokontio Happi c. Franca

13 abr 2015

Habitação precária. Lei habilitando as pessoas vivendo em condições degradadas a arrendar sob o regime do direito social, uma habitação condigna. Sentença impondo o cumprimento desta obrigação ao Estado.  Não execução de sentença. Art.6º par. 1 CEDH, violação.

Tchokontio Happi é uma cidadã dos Camarões que vive regularmente em França com a sua filha e o seu irmão. Vive numa habitação na região de Paris, a qual foi declarada sem condições de habitabilidade pela Administração competente.

Nos termos da Lei Dalo de 2007 (lei n. 2007-290 de 5 de março) esta declaração de não habitabilidade abre a Tchokontio a possibilidade de beneficiar de um alojamento com essas condições a disponibilizar pelo Estado. O Departamento de Estado competente deverá disponibilizar este alojamento em termos de arrendamento social, com a possibilidade, ao fim de determinado lapso de tempo, de aquisição desta habitação pela titular, neste caso Tchokontio.

Sucede que Tchokontio formulou o pedido em termos de processo gracioso, que ficou sem efeito, e, a seguir, em termos de processo contencioso, o qual foi coroado de êxito, pois, por decisão judicial, foi reconhecido o direito a Tchokontio de beneficiar de um alojamento social nas condições da lei Dalo.

Esta decisão judicial, de 2011, ainda não foi executada. Tchokontio protestou e a Administração devedora foi condenada ao pagamento de elevadas sanções pecuniárias que vem satisfazendo.  O regime fixado pela Lei Dalo é o de que as sanções pecuniárias compulsórias não são pagas à cidadã beneficiária do direito mas a um fundo público destinado a financiar a construção do património imobiliário necessário ao cumprimento da Lei Dalo.  Ou seja, elevados montantes a título de sanção pecuniária compulsória transitaram do Estado para o Estado sem que Tchokontio beneficiasse de qualquer prestação e sem que visse, apesar da decisão judicial, o seu crédito sobre o Estado satisfeito.

Acabou por queixar-se ao TEDH, o qual qualificou esta situação nos termos do art.º 6º  § 1 da CEDH enquanto direito do cidadão à execução da sentença que lhe seja favorável.  E entendeu que, pela situação descrita, Tchokontio não tinha tido a possibilidade de ver o seu crédito satisfeito, apesar dos elevados montantes a título de sanções pecuniárias compulsórias pagos, do Estado ao Estado. Verifica-se aqui para o TEDH um caso de inexecução de sentença, a qual deve agora ser cumprida.

Valendo-se da possibilidade que a lei Dalo confere ao beneficiário do direito a um arrendamento social, ainda que, por ora, não executado, de vir a adquirir este alojamento no decurso da vigência deste arrendamento, ainda que mediante um complexo conjunto de autorizações para  aquisição da parte de variadas entidades administrativas competentes para o efeito, Tchokontio clamou ainda que havia sido violado o art.º 1º do Protocolo n.º 1 à CEDH, e que haveria, assim, violação do direito de propriedade.

Aqui, contudo, o TEDH não lhe deu razão. O direito que a sentença, que cumpriu a Lei Dalo, e que está  por executar, abre, na esfera jurídica de Tchokontio é um direito a um arrendamento social, de alojamento com condições de habitabilidade. Ainda que exista a possibilidade de aquisição posterior do direito de propriedade, esta constituição, a operar mediante uma compra e venda também submetida a um regime de direito social, dependendo de um complexo conjunto de autorizações por departamentos do Estado e repartições de autarquias, não é automática, nem está, de todo, assegurada.  Pelo  que, neste ponto da queixa, o Estado não violou o direito de propriedade de Tchokontio.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira