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TEDH,4ª Secção, Ciuperscu c. Roménia (n.º3), Acórdão de 7 de janeiro de 2020

16 jan 2020

CEDH, Artigo 3.º§ 1, condições materiais de detenção. Segmento relativo ao espaço pessoal disponível por detido nas celas, duas violações. Alegações de exposição ao fumo e de omissão de cuidados médicos (não violação). Artigo 8.º § 1, Direito à vida privada e familiar, na vertente do direito à comunicação eletrónica com a família e ao segredo das comunicações telefónicas. Não violação.

Em dois processos de queixa, que correram os seus termos na mesma seção e que o TEDH resolveu apensar, Dragos Ciuperscu queixou-se contra a Roménia em 2014 e em 2015, por alegado desrespeito do seu direito a condições materiais de detenção dignas, e pela ofensa do seu direito à vida privada e familiar, pela dificuldade em comunicar com a sua mulher e pela ausência de confidencialidade das suas comunicações telefónicas.

Fora condenado em pena de prisão de 18 anos pelo Tribunal criminal de Bucareste, tendo sido colocado em liberdade condicional em 2016, após o cumprimento de 11 anos de prisão efetiva.

No decurso do seu cumprimento de pena foi colocado transitoriamente em dois estabelecimentos prisionais, tendo-se queixado, relativamente a estes períodos da execução da sua pena, do escasso espaço disponível nas celas e da sobrelotação carcerária, do acesso limitado a água corrente quente e fria, da presença de percevejos na cama e de baratas na cela. Também a ventilação e a iluminação das celas seria deficiente. Por fim, queixou-se da falta de aquecimento durante um mês. Num dos estabelecimentos penitenciários, a água seria de má qualidade, com sanguessugas, e teria um sabor e um cheiro desagradáveis. Queixou-se, ainda, em matéria de condições materiais de detenção, de que no transporte da prisão para o tribunal, no decurso do julgamento em que veio a ser condenado, ter sido exposto ao fumo dos guardas penitenciários enquanto sofre de bronquite asmática, e da deficiência em cuidados dentários de que careceu. Quanto à sua vida privada e familiar, queixou-se da dificuldade em estabelecer comunicações com a mulher, a residir na Itália, por meio da internet, e de que as suas comunicações telefónicas com esta foram vigiadas.

O juiz de execução de penas não admitira nenhuma das suas queixas, mas, em recurso, o Tribunal de Bucareste reconhecera dificuldades no espaço pessoal disponível nas celas. No entanto, uma vez que o queixoso apenas teria estado nestas condições por espaços de tempo reduzidos, a situação de incumprimento ter-se ia sanado pela colocação em celas de maior dimensão, a seguir.

Examinando o direito, o TEDH apensou as duas queixas e debruçou-se sobre a violação alegada do artigo 3.º no tocante ao espaço disponível. Por terem existido, em dois dos três períodos alegados em que o queixoso não dispôs de um espaço pessoal superior a quatro metros quadrados, o TEDH admitiu as queixas e condenou liminarmente a Roménia pela violação, por duas vezes (correspondentes aos tempos de não disponibilidade de espaço suficiente em duas celas), do artigo 3.º da CEDH, por referência ao seu Acórdão proferido no caso Mursic c. Croácia, objeto, a seu tempo, de divulgação nesta página.

Sobre as condições de transporte da prisão ao tribunal e à exposição ao fumo, o TEDH rejeitou liminarmente este segmento de queixa no plano da admissibilidade. Sobre o tratamento dentário inadequado, o TEDH entendeu que, apesar de tudo (nomeadamente uma consulta da especialidade marcada, que acabou por não ter lugar) o queixoso recebera analgésicos e cuidados mínimos que tornaram este segmento de queixa, ele também, inadmissível.

No tocante ao artigo 8.º da CEDH, para o TEDH, o direito à vida privada e familiar implica o direito, para um recluso, de comunicar com as pessoas da sua família. No entanto, o artigo 8.º da CEDH não garante um direito à comunicação com o mundo exterior nas mesmas condições que os sujeitos em liberdade, precisamente por existir uma situação de cumprimento de pena. Na medida em que os contactos via internet apenas foram restritos por um reduzido tempo, o TEDH rejeitou também este segmento de queixa por manifestamente inadmissível.

Quanto à confidencialidade das comunicações telefónicas do queixoso, o TEDH entendeu que as restrições à confidencialidade são legítimas, por referência à sua decisão proferida no caso Coscodar c. Roménia, de 2010, uma vez que se trata de garantir a segurança do cumprimento da pena. Não foi, assim, este segmento de queixa, ele também, admitido.

Outras queixas várias do requerente foram igualmente consideradas inadmissíveis. Ainda assim, este obteve vencimento nos segmentos de queixa relativos ao espaço pessoal disponível das celas, que, em certos casos, pode conduzir à obrigação positiva, imposta a certos Estados, de procederem à remodelação, em termos do próprio imóvel, de alguns dos seus estabelecimentos penitenciários.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos