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TEDH, 3.ª Secção, Vicent del Campo c. Espanha, Acórdão de 6 de novembro de 2018

13 nov 2018

CEDH, Artigo 8.º, Par. 1, Direito à vida privada, na vertente da manutenção da honra e reputação. Publicação do nome de um diretor de escola a quem foi imputada a prática de assédio moral e bullying no trabalho sobre uma professora, colega na mesma escola, no Acórdão do Tribunal Administrativo que resolveu o litígio gerado por esta situação entre a Ofendida e o Estado.

Vicent del Campo queixou-se ao  TEDH contra o Reino de Espanha, em 2 de Abril de 2013.  Alegava a violação do seu direito de acesso a um tribunal (art.º 6.º , par. 1 da CEDH), na medida em que lhe fora negada a constituição, como parte processual, para poder intervir num processo de responsabilidade civil em que era acusado de assédio moral e de bullying no trabalho.

Queixou-se, ainda, da violação dos artigos 8.º e 13.º da CEDH, na medida em que o processo em questão atingira o seu direito à honra e à vida privada e familiar, sem que dispusesse de  qualquer recurso efetivo.

O Requerente é professor e diretor de uma escola pública em León, a Escuela de Artes y Oficios de León. Uma colega, ofendida, queixou-se à autoridade da educação contra Vicent pela prática de assédio moral e de bullying no trabalho, mas a autoridade arquivou a queixa por considerar tratar-se de mera discussão entre Vicent e a Ofendida.

 A Ofendida queixou-se a instâncias administrativas superiores: todas negaram a sua pretensão. Em 2007 apresentou um recurso contencioso (do acto) administrativo segundo o Direito espanhol.

O Tribunal Superior de Castilla – León condenou a Administração Regional no pagamento de 14.500 € à Ofendida. Segundo ele, teria, efetivamente, existido um caso de assédio moral e bullying no trabalho. E o agente deste assédio moral e bullying fora Vicent del Campo, o Requerente.

Vicent, que soube do Acórdão por meio de uma notícia de jornal, pediu o acesso ao processo para se defender das imputações de assédio moral e bullying no trabalho. Teve acesso à consulta dos autos mas não pôde intervir, como parte, pois o litígio decorrera entre a Ofendida e a Administração regional da Educação.  Pediu várias vezes para intervir como parte interessada, mas esta intervenção no processo foi-lhe recusada sempre. Os tribunais reconheceram, ainda assim, que Vicent podia ser afetado na sua honra e reputação, pelas decisões judiciais em processos administrativos, na medida em que se referia o seu nome nos processos, cujas decisões são publicadas. Mas, aos mesmos, não tinha acesso na qualidade de parte. Vicent apresentou um recurso de amparo constitucional junto do TCE, o qual veio a ser rejeitado, por inadmissível.

Para o TEDH, debruçando-se sobre a violação alegada do artigo 8.º da CEDH (direito à vida privada na vertente da honra e reputação do Requerente), na medida em que a publicação do nome de Vicent consta do texto do Acordão que decide a questão entre a Ofendida e a Administração, Vicent possui a qualidade de vítima para o efeito do acesso ao exame da sua queixa pelo TEDH. É vítima, não da imprensa que repetiu o teor do Acórdão, mas do Estado que é a pessoa de quem proveio o texto do Acórdão. Considerou, assim, o TEDH, a queixa de Vicent admissível.

Quanto ao fundo, para o TEDH, o direito à honra e à reputação está coberto pelo teor do artigo 8.º da CEDH, podendo, além das medidas de abstenção, caber obrigações positivas ao Estado.

No caso, o Requerente não era parte no processo entre a Ofendida e a Administração, e Vicent não podia prever o efeito que teria na sua pessoa a produção do Acórdão do Alto Tribunal Regional. Nesta medida, embora tivesse sido acusado de assédio moral e de bullying no trabalho, não podia prever as consequências desta ação na sua própria pessoa. Por seu turno, a inclusão da identidade do requerente no texto do Acórdão e a referência por este aos seus actos, constitui uma interferência na sua vida privada e familiar.

Esta interferência estava prevista por lei, e, na medida em que a publicação dos Acórdãos visa a transparência e que esta é um fim legítimo, a interferência na vida privada de Vicent tinha um fim legítimo. A questão que, a seguir, o TEDH se colocou, foi a de saber se existia uma necessidade social imperiosa desta interferência, e se ela constituía uma necessidade dentro de uma sociedade democrática.

A identificação do Requerente no Acórdão foi completa, e, uma vez associada aos factos que lhe foram imputados, estigmatizava-o. Neste sentido, uma vez que o efeito do Acórdão poderia ter sido alcançado sem uma medida tão violenta (dar vencimento à posição da Ofendida contra a Administração, sem referir o nome do Requerente, que nem sequer era parte na causa entre a Ofendida e a Administração), não existiam razões suficientes para esta identificação.

Por outro lado, o TEDH tem conhecimento, assim o refere no seu Acórdão de 6 de Novembro, que em Espanha, existe a possibilidade de omitir a publicação dos nomes das pessoas nas sentenças dos tribunais. Muitos tribunais seguem esta prática, a qual é, nomeadamente, observada pelo Tribunal Constitucional espanhol. Para mais, a própria Ofendida não agiu judicialmente contra o Requerente. Quaisquer terceiros podiam ter acesso à informação, sendo que foi por meio de uma notícia de jornal que Vicent teve conhecimento da publicação do seu nome.  A interferência na vida privada de Vicent, na vertente da sua honra e reputação, não foi, assim, justificada, foi não proporcional, e violou, por isso, o artigo 8.º, par. 1 da CEDH, direito à vida privada e familiar.

O TEDH não procedeu ao exame das outras violações invocadas e adotou o seu acórdão por unanimidade.

Não  obstante a sua concordância com o teor do Acórdão, numa opinião dissidente parcial comum, os juízes Keller e Serghides pronunciaram-se sobre este Acórdão da sua Seção, por eles também subscrito. Entendem que houve a violação do artigo 8.º da CEDH, mas que deveria também ter sido examinada a questão da violação do artigo 6.º par. 1 da CEDH.  Isto, na medida em que o Requerente não pôde responder perante o Tribunal à imputação de assédio moral e de bullying no trabalho.

Para estes Altos Magistrados, esta queixa é separada da primeira e deveria ter sido examinada.

O exame desta parte separada da queixa teria constituído uma oportunidade para o TEDH dar orientações sobre a questão do direito de acesso ao processo e à constituição como parte, de terceiro interessado, em processo contencioso administrativo em Espanha. 


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos