Menor internada em centro educativo. Medida compulsória. Pena relativamente indeterminada. Não faculdade de pedir que seja efetuada a revisão periódica da medida de prisão. CEDH, art.º 5.º par. 4, recurso da prisão, violação. Vigilância da correspondência e colocação das chamadas telefónicas sob escuta. Vida privada e familiar. CEDH, art.º 8.º, violação.
DL nascida em 1999, vivia a sua infância com um pai alcoólico e uma mãe que se confessou incapaz de cuidar dela. Em 2012, então com 13 anos de idade, tinha um comportamento que fazia recear a concretização de vários perigos, que ameaçam o desenvolvimento de uma criança.
Foi colocada num centro para crianças em crise, a pedido da mãe. O Diretor da S. Social pediu ao Tribunal a adoção de uma medida de internamento compulsório, a qual foi confirmada pelo tribunal de Distrito, com a duração de 3 meses, uma vez que a menina frequentava “pessoas cadastradas perigosas”. O Diretor dos Serviços Sociais do Município juntou-se ao grupo de pessoas que cuidariam do interesse da menor, para pedir uma colocação em centro educativo. A Comissão local de proteção de menores formulou, também, este pedido, por repetidas vezes, contra o entendimento expresso do juiz do Tribunal de Distrito.
Em audiência penal de 2013, o Tribunal de Distrito, perante a formulação de uma acusação de prostituição, veio a determinar a colocação de DL em centro educativo por tempo indeterminado.
DL e o seu defensor oficioso, não se conformaram e pediram a aplicação de uma medida menos gravosa.
Ainda assim, a pedido do Ministério Público, do Diretor da S. Social e da Comissão Local para a proteção de menores, o Tribunal decretou a aplicação da medida. Um dos pontos da defesa de DL, foi a de que não havia cometido nenhum crime.
O nível de ensino, tal como comprovado pelos documentos de Organizações internacionais era fraco, não havia disciplina e os castigos e os maus tratos, por vezes entre as próprias crianças, eram frequentes, como frequentes eram as tentativas de suicídio. DL cometeu algumas e foi, por isso, alvo de uma atenção especial. Conseguiu, ainda assim, obter aproveitamento nalguns anos escolares ministrados no centro de detenção, voltou a cometer tentativas de suicídio, e sofria, não apenas os maus tratos das funcionárias do estabelecimento, mas também os das suas colegas de turma e de prisão.
Um relatório da administração pública sobre os centros de detenção para menores na Bulgária, relata condições deficientes de instalação, tentativas frequentes de suicídio na população reclusa, falta de apoio aos menores e um ensino de má qualidade.
Enfim a correspondência de DL era aberta com fundamento no regulamento do centro de detenção, pretendendo-se nomeadamente, evitar a passagem de informação de natureza difamatória ou antissocial. As conversas telefónicas eram excecionais e submetidas a escuta. Não era permitida a posse de um telemóvel.
DL, acompanhada pelo seu defensor oficioso, conseguiu resistir durante o processo, pedindo constantemente a aplicação de medidas menos gravosas. Acabou por queixar-se ao TEDH, sendo certo que, em Junho de 2015, já em fase de tratamento da sua queixa perante o TEDH, DL ainda continuava em reclusão.
Este Alto Tribunal debruçou-se, primeiro, sobre a privação de liberdade, mas entendeu que esta correspondia à previsão da detenção de um menor para o fim da sua educação e proteção, art.º 5.º par. 1, al. d), uma vez que se considerou que DL se dedicava à prostituição e não conseguia assumir uma orientação própria, no quadro do fracasso da própria mãe em lhe facultar o necessário quadro de vida.
Examinou, a seguir, o direito de DL ao recurso da detenção, previsto no art.º 5.º par. 4 da CEDH, direito do recluso de recorrer da prisão que lhe é imposta. E aí verificou que D.L. não tinha qualquer acesso ao defensor nem era informada dos meios jurídicos e judiciários que lhe poderiam assistir, uma vez que estava colocada em isolamento em relação à sociedade, no centro educativo. Não tinha, assim, qualquer possibilidade de fazer examinar, nem periodica, nem esporadicamente, a regularidade do cumprimento da medida que lhe era imposta. Ora, qualquer recluso tem direito a este reexame. Houve, assim, a violação do art.º 5.º par. 4 da CEDH.
Por fim, a supervisão da correspondência e a sujeição ao regime das escutas telefónicas eram claramente injustificadas, uma vez que DL, não representava, por muito antissocial que fosse, um perigo para a coletividade. Houve aqui violação do art.º 8.º da CEDH, direito à vida privada.
No seu lúcido voto de vencida, a Sra. Juíza O’Leary, com referência ao caso Blokhin c. Rússia, também objeto em seu tempo, de notícia nesta página, entendeu que era público na Bulgária, ao tempo da detenção de DL e da medida que lhe foi aplicada, que os centros para menores tinham, na Bulgária, uma finalidade punitiva e não de ressocialização. Segundo esta Juíza, isto foi patente na resistência que o Tribunal de Distrito opôs ao M.P., à Comissão para a Proteção dos Menores e ao Diretor da Segurança Social. Só depois de alguma argumentação, estes conseguiram obter uma sentença no sentido da aplicação da medida a DL. Era também público, de modo patente, em relatórios da administração pública e de organizações internacionais, que os centros para menores não eram centros com abertura para a integração social mas com vocação punitiva e débil ensino. A partir daí, apesar da formal correspondência da situação da menor, em perigo de se dedicar à prostituição, ao artigo 5.º par. 1, al. d), por não ser proporcional a resposta das instituições búlgaras a este tipo de problema, para a Juíza O’Leary haveria, ainda, a violação do art.º 5.º, par. 1 da CEDH (o direito à liberdade e à segurança de DL.). Outras medidas que não a reclusão, uma vez que esta era inoperante em relação aos seus fins de acordo com a Convenção, deveriam ter sido encontradas, sem privação de liberdade, que assegurassem que DL não entrasse na prostituição e seguisse o percurso educativo e escolar a que qualquer jovem tem direito.
Autor: Paulo Marrecas Ferreira