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TEDH, 1.ª Secção, Aprile c. Itália, Queixa n.º 11557/09, Acórdão de 09 de março de 2022.

24 mar 2023

CEDH, Protocolo n.º 1, artigo 1.º § 1, e 13.º da CEDH. Direitos à propriedade e ao recurso da violação do direito de propriedade.  

CEDH, alegação de violação dos artigos 1.º § 1, do Protocolo n.º 1 à CEDH e 13.º da CEDH. O problema da expropriação indireta em Itália, e da inversão do direito de propriedade assim que a obra feita num terreno ultrapassa o valor deste prédio. A questão da ausência de recurso desta expropriação. A questão do dano indemnizável das categorias de prejuízo ressarcível.  

Enquadramento do caso.

O caso Aprile, ora examinado, foi decidido por unanimidade pelo Comité de três juízes do TEDH, que integram esta seção, mediante uma prática judicial do TEDH consagrada no seu Regulamento; a qual obedece ao mecanismo do Acórdão piloto, instituído já no dealbar do ano 2000, e consagrado pelo Acórdão Broniowsky c. Polónia, proferido em 2004. Segundo este método de adjudicação de casos, identificado que seja um problema sistémico num Estado Parte da CEDH, o qual não se encontra em vias de ser resolvido, o TEDH condena muito sumariamente o Estado em incumprimento, as vezes que forem necessárias, até que o Estado interessado, mediante a supervisão do Serviço de Execução de Acórdãos (a secretaria de execução, em relação ao Tribunal cuja competência é declaratória de condenação, não tendo este ultimo, competência executiva). Esta prática foi provocada pela passagem do TEDH de um âmbito de perto de 400.000.000 Europeus, para o âmbito maior de 800.000.000 de Europeus (UE mais Não UE). Uma outra razão menos evocada é a própria instituição em funcionamento de tribunal permanente por oposição à anterior formação que reunia periodicamente por sessões, cujo trabalho era preparado, e os casos instruídos, pela Comissão dos direitos humanos, do TEDH, e por esta Comissão ter deixado de existir, quando ela cumpria muito do trabalho por fazer no TEDH.

Por esta razão, de este Acórdão proferido no caso Aprile, ser a emanação da jurisprudência de um Acórdão piloto, o tema desta divulgação não vai ser o caso Aprile. Mas o caso Messana, que é o mais recente Acórdão nesta matéria e tem valor de Acórdão piloto.

O problema destes Autos é também um problema muito nosso, uma vez que a Administração interna (a AP) procede muito desta maneira. Por isso as referências terão por vezes, um cunho muito português. 

Os factos.

O Acórdão proferido no caso Aprile resolve, em 20 parágrafos, o problema, condena, arbitra indemnização e remete para dois casos de referência, dos quais o mais recente é o Acórdão proferido no caso Messana, que se passa a analisar. O caso Messana corresponde à Queixa n.º 26128/04, com Acórdão proferido em 9 de Fevereiro de 2017.

Passa pois o leitor desta importante jurisprudência a descrever o que se passou no caso Messana c. Itália, pois isto permitirá entender o problema e a solução jurisprudencial escolhida.

Três pessoas de apelido Messana eram titulares, em regime de compropriedade, de um prédio rústico apto para construção, com uma superfície de 3690m2; que lhes foi expropriado sem observância das formas legais, pela Autarquia, mediante uma ocupação ilícita do prédio, e a prática de construção de habitações sociais neste, em consequência da política de alargamento da Cidade.

Queixaram-se do município pela expropriação, de facto, de um terreno, mediante a ocupação material deste, para o fim da construção de prédios sociais do mesmo município.

O Direito.

Os Requerentes queixaram-se de que não houve o cumprimento da mínima formalidade legal no processo de expropriação. Sendo o direito de propriedade um direito inscrito no catálogo constitucional dos direitos fundamentais, de função social, as respetivas perturbações apenas podem acontecer por meio de atos formais, para mais, tratando-se de atos do poder publico-politico.

Como ensina a Constituição da República Portuguesa (a CRP), os direitos humanos (entre os quais consta o direito de propriedade, ainda que não pertença ao núcleo duro destes direitos, como ensina o TEDH, nomeadamente o direito à vida, o qual é inderrogável em qualquer circunstância, ou a proibição da tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes da CEDH, constantes dos art. 2 e 3 da CEDH), a sofrerem uma restrição da parte das autoridades, esta restrição deverá, por se tratar de direitos fundamentais, cumprir as formalidade essenciais previstas na lei.

Sem o cumprimento destas formalidades, o ato de expropriação não é válido. Nem legítimo, à luz das disposições da CRP:

Um afloramento desta regra está vertido no art. 18.º. n.º 3, da CRP 76, segundo o qual:

“ As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e abstrato e não podem ter efeitos retroativos, nem limitar a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.

Significa isto que uma expropriação sem observância da sua forma essencial, enquanto ato público de privação de propriedade individual, não pode ser havida como expropriação, segundo a CRP e a Lei (apenas sendo um ato administrativo inválido, a merecer, pela importância do tema, a responsabilidade criminal e disciplinar do ou dos agentes, segundo o direito e o processo penais.

O regime italiano é análogo, cumprindo fazer, para melhor participação do púbico português, esta citação. Mesmo assim, a jurisprudência e a doutrina italiana, estão mais avançadas que as Portuguesas, nesta matéria, uma vez que já reconheceram a “ocupazione acquisitiva” ou “acessione invertita”.

Os particulares interessados propuseram a competente ação de contencioso administrativo, de reação à expropriação em torno da invalidade do ato administrativo, mas sem sucesso, embora, por fim o Tribunal italiano lhes tenha concedido uma indemnização, a pagar pelo erário público.

Segundo a prática da acessione invertita, a ocupação ilícita reparte-se entre o tempo em que ainda se poderia reclamar da ocupação ilícita e pedir a devolução da propriedade, e o tempo em que, por já feita a obra, esta já não pode ser devolvida. Ora, na data em que a perícia decretada pelo tribunal foi efetuada, as obras já eram definitivas por muito adiantadas e, por isto, as transformações do terreno já eram irreversíveis.

O direito civil português caracteriza esta prática de acessão industrial, no sentido de, por meio de uma atividade de empreendimento, a Câmara municipal ter, por sua indústria, conseguido transformar o terreno, no sentido de o tornar não apto para outro fim que não aquele que havia previamente definido.

As regras da acessão, quando esta é legítima, prendem-se com a eficácia da benfeitoria no valor da propriedade. Se a benfeitoria ultrapassa o valor da propriedade, a titularidade desta passa para o autor da benfeitoria, com dever de indemnizar pelo efeito da acessão (a perda do direito de propriedade do titular). Caso contrário, a propriedade mantém-se na titularidade do beneficiado, devendo este pagar uma indemnização a calcular pelo tribunal segundo juízos de equidade,

Convém, ainda assim, recordar que se trata de um direito de propriedade inscrito no catálogo dos direitos fundamentais, e que o que está aberto ao público ainda que de modo muito contestável, está vedado ao cidadão comum, salvas as exceções a que podemos assistir em casos raros precisamente documentados. Serve, sobretudo, para ilustrar o mecanismo argumentativo em que este regime jurídico assenta.

Quando a questão se coloca para prédios de pequeno valor (era o caso desta parcela de pouco mais de 3.690 m2.), esta revela toda a sua importância pela carga afetiva e a densidade emocional que, geralmente acompanham a pequena propriedade, mesmo quando não adquirida por via sucessória, mas em vida dos titulares (o que não está descrito neste Acórdão Messana). Uma perturbação não justificada da propriedade, a este nível, é suscetível de gerar um profundo sentimento de revolta estribado na interiorização da muito grave injustiça que pode representar um ataque a uma pequena propriedade (sem suporte ideológico numa anarquia democrática que o poderia legitimar de alguma forma, por não ser latifúndio; sem razoável suporte nas necessidades sociais ou de urbanização quando estas falhem, de onde a necessária muito rigorosa observância das formalidades essenciais que rodeiam o ato de expropriação, que fica descaracterizado na sua essência pela falta destas formalidades).

As referidas regras de acessão industrial imobiliária levaram o tribunal de Agrigento a confirmar a transferência do direito de propriedade desta família para a Administração Pública (a AP), neste caso o Município expropriante. Os competentes recursos acionados resultaram, sempre, na mesma resposta e em indemnização, que os Requerentes consideraram insuficiente. De notar que não se deve procurar no TEDH uma indemnização de elevado valor, ou ser-se- ia frequentes vezes desiludido, mas a restitutio in integrum (a nossa reconstituição integral) ou pelo menos algo que, não podendo reparar destarte, restitua aos interessados a sua posição de dignidade e de liberdade, nomeadamente politica (enquanto participantes de pleno direito na polis, sem quaisquer exclusões sociais ou outras), apesar do conceito de polis com participação ativa da cidadania ser hoje desprezado em nome de um empolamento porventura demasiado, do sufrágio. São estas questões que relevam do debate entre neo platónicos e contemporâneos que ultrapassam largamente o âmbito desta divulgação, pese embora o interesse coletivo deste problema.

De interesse nesta questão, foi o critério de apreciação que os tribunais seguiram no plano interno do direito italiano. Distinguiram entre o período de ocupação ilícita em que, pelo adiantamento dos trabalhos, o terreno ainda podia ser restituído mediante a destruição da obra, e aquele em que, o mesmo adiantamento, em fase mais avançada, já não permitia esta restituição, tendo-se verificado a inversão do direito de propriedade mediante a acessão industrial imobiliária. E indemnizaram a família interessada segundo este critério, atribuindo um montante pela ocupação enquanto ainda podia haver restituição, multiplicado pelo tempo de duração desta etapa no quadro litigioso com a AP; e outro pela privação definitiva do direito de propriedade. Afinal como se de uma compra, ou a própria expropriação lícita do terreno, se tratasse.

 

O processo de queixa junto do TEDH

Os particulares queixaram-se ao TEDH, que admitiu a queixa, por não terem existido objeções a esta pelas Partes, e por não ter registado, na verificação, matéria digna de inadmissibilidade.

a) A Declaração unilateral do Governo.

Este Acórdão, além de importante para Itália e Portugal na matéria das expropriações, reveste-se de muito interesse no plano do processo do próprio TEDH. Sucede que desde as várias Conferências intergovernamentais dos Estados Parte no Conselho da Europa que pretenderam obviar aos problemas de ineficiência causados pela extinção da Comissão de Direitos Humanos que instruía os processos de queixa para o Tribunal, e se confrontaram com o duplo problema da escassez de recursos financeiros do CoE e da grande massa populacional a queixar-se (800.000.000 de cidadãos na Europa de hoje, do CoE), provocando uma carga de trabalho acrescida da instituição (excess workload), de Interlaeken, Izmir e Brighton, bem como pela entrada de vários Protocolos adicionais à CEDH contendo modificações de processo de queixa importantes; ganhou muita importância a figura da declaração unilateral do Agente do Governo.

A prática desta figura jurídico processual, hoje institucionalizada no Regulamento do TEDH, consiste em, ao verificarem uma violação da CEDH, os juízes proporem, por meio do Relator que comunica com a Secretaria (o Greffe), ao Governo, que proceda à Resolução amigável do litígio. No tempo anterior a estas novas regras, a sua rejeição da parte de um queixoso, significava o retomar do processo até à decisão final do caso, pelo TEDH, mediante sentença. Após a adoção destas regras, a proposta de Resolução amigável do litígio é feita pelo Agente do Governo (o defensor do Estado mandatado por este junto do TEDH), mediante uma Declaração Unilateral, a qual, se vier a ser rejeitada, implica o direito do Agente a por fim à lide mediante nova Declaração Unilateral, homologada pelo TEDH, geralmente, com um montante indemnizatório mais baixo decretado pelo Agente do Governo, numa prática pedagógica de dissuasão desta indisciplina, mercê da necessária celeridade e eficiência judiciais do TEDH impostas pelo referido workload e as avultadas pendências (as quais são hoje praticamente inexistentes, em razão desta forte atividade judicial).

Ora neste caso, os Requerentes, certamente desconhecedores desta prática do TEDH, embora constante do Regulamento (qual o advogado, imbuído da defesa dos direitos fundamentais, essência enformadora da República e da Democracia, pensa alguma vez esbarrar com semelhante escolho de uma Declaração unilateral, decidida em segunda opção, após a sua rejeição da primeira proposta, deste modo aparentemente pesado, e não sem algum autoritarismo, sobretudo num Estado prolixo em afirmações coloridas de literatura dos direitos humanos, de pouca sobriedade?), vieram a rejeitar a Declaração unilateral do Governo após a indicação dada a este para avançar com a Proposta (afinal possivelmente imposta) de resolução amigável do litígio. Obviamente, o Agente do Governo terá excecionado à Parte Requerente o Regime Jurídico da Declaração Unilateral como constante do Regulamento do TEDH.

Ao que o TEDH, dono e senhor do processo, como todo o tribunal nas nossas democracias (atenção a quem estuda estas matérias, o processo não está na disponibilidade das partes, princípio do dispositivo, e não é direito privado, mesmo se a lide for de direito privado. O processo judicial é direito público administrativo especial, próprio da organização judiciária. E com efeito, o dono do processo é o tribunal, como o dono da iniciativa de parte, em processo criminal, é o Ministério Público. O dono da posição de vítima, o particular, quando este estatuto lhe assiste; e o dono do direito de queixa criminal, nos casos de noticia criminis, qualquer particular, sendo inclusivamente, um dever apresentar a participação criminal, da natureza do dever imposto no crime de abandono. A partir da queixa criminal, da parte de um cidadão que não tenha a posição de vítima, a sua participação no processo extingue-se a não ser que venha a ser chamado a prestar declarações na qualidade de testemunha); avocou a competência relativa à Declaração Unilateral e não aceitou a exceção do Governo, decretando o avanço do processo apesar desta recusa.

No xadrez formado pelo processo, após ter dado luz verde à Secretaria para dar sinal ao Agente do Governo de avançar com a Declaração Unilateral, o TEDH terá reponderado o quadro de circunstâncias deste caso. E com efeito, este Acórdão não teria o estatuto de Acórdão Piloto se tivesse sido encerrado por meio de uma Declaração Unilateral no sentido em que hoje a conhecemos. O TEDH mediu, e bem, a gravidade do tema das expropriações indiretas na Itália, e talvez, não só, uma vez que a sua jurisprudência é referência para qualquer Parte com situações e problemas análogos.

Passou, no seu Acórdão, o TEDH ao exame do fundo. Do mérito da causa.

b) A violação do direito de propriedade

Relativamente a esta violação da CEDH, os Requerentes alegaram a violação do direito de propriedade constante do Protocolo n.º 1 à CEDH, mais a violação deste direito combinado (a fórmula “preceito” + artigo de acompanhamento, o 13.º ou o 14.º, aquele para a ausência de recurso efetivo da violação do preceito, este, para a violação do direito ao tratamento igual em situação igual, proibição da discriminação) com o art.º 13.º, pois, em seu entender, existiria uma prática de não viabilidade de qualquer recurso disponível e adequado para estas reiteradas violações da parte do Estado, do direito de propriedade.

Após ter admitido a queixa, como já referido, o TEDH fixou a sua jurisprudência de referência nos casos Sporrong e Lönnroth c. Suécia, de 1982; Iatridis c. Grécia, de 1999; Immobiliaria Saffi c. Itália, também de 1999, e no conhecido caso Broniowsky c. Polónia (versando um caso de expropriação nos conhecidos, por razões históricas de fronteira, territórios do Boug, também objeto de divulgação a seu tempo, nesta página eletrónica), de 2004, o qual é também um Acórdão Piloto, dos primeiros, nesta, hoje, já não nova técnica, de adoção de Acórdãos piloto para problemas sistémicos dos Estados; e ainda no caso Vistins e Perepjolkins c. Letónia, de 2012.

Que houve uma privação de propriedade, não é contestado por nenhuma das partes no litígio. Coube, a partir desta verificação, ao TEDH, verificar se esta ingerência no direito de propriedade era legítima (previsão legal e previsibilidade das consequências) e necessária, numa sociedade democrática (o conhecido “Teste de proporcionalidade” da medida em relação ao fim que se propõe alcançar, praticado pelo TEDH, na filosofia jurídica de que o fim não justifica os meios por muito consagrado na lei que esteja).

Ora falham, para o TEDH, com toda a justiça, os princípios da legalidade e da previsibilidade da medida. Pois, tendo sido a expropriação indireta, ela foi inválida, por isso carecendo de previsão legal, pois a lei não prevê o funcional ilícito (salvo em raros casos como o da aquisição a non domino por terceiro de boa fé que tenha registado, previamente ao litigio, a sua aquisição, no direito predial e de registo predial português). E por ser inválida, logo, literalmente, fora da lei, esta medida não podia ser havida pela família Requerente, como um risco com que poderiam contar. Como, por exemplo, a inundação do jardim, no caso de ser parcela ribeirinha a um curso de água de relativo caudal. Ou a privação da propriedade adquirida a crédito hipotecário, no caso de falta de pagamento do número de prestações de serviço mensal da dívida necessárias à declaração de incumprimento e interpelação do devedor, prévia à execução. A expropriação indireta, apesar de conhecida e sistémica, não pode ser concebida como um perigo previsível, ou admite-se o disfuncionamento ab origine de toda a democracia e do seu sistema jurídico constituinte (recorde-se ser a propriedade um direito constante do catálogo dos direitos humanos, e veja-se a particular sensibilidade e quiçá sofrimento que levantam as questões em torno do minifúndio acima evocadas). 

Por estas duas razões, de ilegalidade e falta de previsibilidade, a expropriação indireta foi ilegítima. A partir daí, também a proporcionalidade da medida, a sua necessidade numa sociedade democrática, se encontra inquinada. Com efeito, ao agir por via de uma ocupação ilícita, a qual implica o recurso à força (as máquinas ocupam o terreno sob a vigilância de guardas militarizados armados [a GNR dos Portugueses, a Gendarmerie francesa, os Carabinieri italianos], pois se viessem simplesmente bater à porta, o cidadão não tirava o cadeado do ferrolho, e estava consumado com êxito o direito de resistência à ordem ilegal).

Ora, se o poder ilícito é exercido, como é sempre nestas expropriações indiretas, pela força, não é direito de que se abusa, é outra figura, a do abuso de poder. Sendo assim chega a configurar-se um ilícito que, se for levado a sério em Democracia, (infelizmente o poder toma-se muito a sério com a violência de que carece para os seus fins quiçá ilícitos, sem qualquer sentido de humor, num exercício de violência pedante a lembrar os priores tempos, sempre acompanhada da correspondente inferiorização do particular, e não toma a sério os direitos dos cidadãos, sujeitos à sua jurisdição), pode configurar, além dos ilícitos disciplinares, os correspondentes ilícitos criminais, ou não rezassem as disposições da Carta internacional dos direitos humanos, a não impunidade dos violadores dos direitos humanos.

Verificou-se, assim, para o TEDH, a violação do artigo 1.º § 1 do Protocolo n.º 1 à CEDH, o direito de propriedade dos Requerentes. O TEDH não se pronunciou sobre as demais violações alegadas, cuja resolução entendeu ter ficado consumada com esta resposta que deu ao problema da violação do direito de propriedade.

c. A indemnização

É também neste Acórdão, de muito interesse, a questão da indemnização, como foi tratada pelo TEDH. Esta sede, nos Acórdãos do TEDH, é a do art.º 41.º da CEDH, o direito a indemnização a decretar pelo Tribunal.

No processo de queixa ao TEDH podem ser pedidos, nas observações de parte, os honorários do advogado, os quais, pelo menos nos sistemas jurídicos de direito continental europeu, não podem ser pedidos segundo a quota litis. Existe jurisprudência do TEDH que aflora esta questão, no sentido de recusar o arbitramento de honorários formulados deste modo. Também quem não sabe o montante que deverá pedir, não deve deixar de o fazer, pois o TEDH obedece ainda a algum dispositivo nesta parte, na medida em que se a parte não pedir a indemnização, considera que sai satisfeita com a decisão de condenação do Estado, a qual constitui a satisfação equitativa da sua dor. Que não é bem assim, mostram os protestos dos particulares quando recebem estas líricas sentenças. A não saber o montante que deve pedir, peça-o a parte ao Tribunal, como o respeito devido, segundo juízos de equidade. O TEDH considera automaticamente, uma vez confrontado com esta chave peticionante, e arbitra a indemnização segundo os seus critérios, que são prudentes e sábios, sabendo que nenhum particular se queixa para ficar rico, como é óbvio. A infantilidade de semelhante asserção da parte de alguns causídicos preguiçosos que procuram impedir um particular de se queixar opondo-lhe as elevadas custas judiciais (o processo de queixa é gratuito, não podendo ser cobradas taxas ou custas judiciais), sugere precisamente este efeito de sedução da parte de um desesperado a pretender queixar-se. Algo Faustiano, como diria Goethe; é comprovada pelo estado de esgotamento dos particulares quando chegam ao fim de um quadro processual em que ficaram vencidos, que se assemelha a uma doença prolongada, com perdas irreparáveis no caminho, a desafiar as afirmações de democraticidade e democracia e direito da parte de parlamentares certamente legítimos, mas que porventura esqueceram as suas próprias dificuldades passadas, ou não querem saber, ou, singelamente, entraram numa associação académica e o resto foi um mar de flores, inclusivamente o voto na despesa para fornecimento de material de guerra a determinados países. Pedir pois a indemnização a fixar pelo TEDH segundo juízos de equidade.

O TEDH repetiu o exercício de contabilidade dos tribunais italianos. Dividiu o tempo em privação temporária do direito de propriedade indemnizável, e privação definitiva deste direito. Aumentou consideravelmente o montante pela privação da propriedade a título definitivo. Concedeu uma indemnização relativamente “baixa” (no fundo uma renda como se de arrendamento se tivesse tratado), ao título da privação temporária quando a violação do direito ainda era reversível. E calculou um pequeno montante global (para os três) de indemnização pelo sofrimento e a perda de qualidade de vida que esta privação de propriedade determinou (o chamado “dinheiro da dor”, Schmerzensgeld, dos alemães).

Este importante Acórdão foi votado por unanimidade, sem opiniões concordantes ou concordantes parciais.

E foram estes os critérios seguidos, por remissão, pelos três Magistrados do Coletivo (o Comité de três juízes) que decidiu o caso Aprile c. Itália do passado dia 9 de março, proferido no processo de queixa (Requête) n.º 11557/09.

De felicitar o TEDH pela prolação deste Acórdão Piloto (o proferido no caso Messana) e de verificar que desde 2017, a Itália ainda não resolveu o seu problema de expropriações indiretas. A não ser que por o processo de queixa ser de 2009, Aprile se tenha queixado antes do Acórdão Messana ter sido proferido, o que dá uma ideia do tempo médio, longo, de duração dos processos perante o TEDH, a explicar, se não justificar (algo que ultrapassa o leitor desta magnifica jurisprudência), o leque amplo de medidas de eficiência judicial para reduzir o conhecido Workload, ou o problema, hoje quase resolvido, das pendências judiciais no TEDH.

Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos