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TEDH, 1ª Secção, Sallusti c. Itália, Acórdão de 7 de março de 2019

12 mar 2019

CEDH, Artigo 10º Direito à liberdade de expressão. Publicação de artigos de conteúdo falso, em jornal de ampla divulgação, de caráter ofensivo a magistrado e a pais de menor, a que foi associada além de uma pena de multa, uma pena de prisão domiciliária. Problema sistémico na Itália, violação.

Sallusti é um diretor de jornal de ampla difusão na Itália.  Foi propalada na imprensa a notícia de uma menina de 13 anos que teria sido forçada a abortar, em cumprimento da lei, pelo juiz de menores e pelos pais. O facto chocou a Itália, mas após os primeiros rumores em jornais, órgãos de imprensa de grande difusão desmentiram a notícia segundo a qual o juiz de menores e os pais teriam forçado a menina a abortar. A opção foi dela e tal foi unanimemente reconhecido pela imprensa.

Sallusti foi alvo de uma queixa-crime por difamação, foi condenado em multa em primeira instância tendo visto esta multa agravada em segunda instância e, no final, o Supremo Tribunal de Justiça Italiano veio a condená-lo em pena de prisão que, uma vez que não existia perigo de fuga, e por ser prática nos casos de crimes de imprensa, foi convertida em prisão domiciliária. Pediu o indulto presidencial, que lhe foi concedido por referência à jurisprudência do TEDH relativa à Itália, depois de, no entanto, já terem passado 21 dias de cumprimento de prisão domiciliária.

Queixou-se ao TEDH, o qual examinou a questão sob os pontos de vista de a medida ser prescrita por lei, e do seu fim legítimo, bem como da sua necessidade numa sociedade democrática, depois de ter aceite que existiu uma interferência no direito à liberdade de expressão do jornalista.

A medida constava do Código Penal italiano e da lei de imprensa, o seu fim era legítimo, uma vez que se tratava de proteger um magistrado, mas, face à necessidade da medida numa sociedade democrática, o TEDH entendeu que apenas o discurso de ódio ou o incitamento à violência podem justificar a prisão.

Em abono da posição do Governo Italiano está o facto de que este jornalista era reincidente, ou seja, já tinha estado envolvido em casos de difamação, e que não foram, conforme foi amplamente comunicado pela demais imprensa, exercidas quaisquer pressões sobre a menina, na sua decisão de proceder ao aborto. Além do mais, há que notar que o jornalista foi indultado e que não conheceu a dureza do regime geral penitenciário, uma vez que apenas sofreu prisão domiciliária. Por fim, a eventual facilidade com que se exerce a possibilidade de ofender nas sociedades modernas, em certos casos não longe de verdadeiras práticas de bullying, poderia estar do lado do Governo italiano.

Contra a posição do Governo italiano está o facto de que a imprensa desenvolve uma função de enorme utilidade na promoção da transparência, no que concerne o exercício dos vários poderes público e privado, e que a tutela da honra por meio de queixas-crime por difamação tem o grave inconveniente, em termos de convivência democrática, de exercer uma pressão no sentido da  dissuasão do exercício da liberdade de expressão e de informação. Neste sentido, e no contexto da promoção do debate livre em sociedades democráticas, apesar dos inconvenientes pontuais que podem resultar destes debates, o TEDH decidiu acertadamente. 


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos