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TEDH, 2ª Secção, Ali Gürbüz c. Turquia, Acórdão de 13 de março de 2019

21 mar 2019

CEDH, Artigo 10º Direito à liberdade de expressão. Publicação de artigos relativos a atividades do PKK. Proprietário de jornal não autor, nem diretor do diário. Abertura de processos penais repetidos. Absolvições. Apesar destas, violação do direito à liberdade de expressão.  

Ali Gürbüz, hoje residente em Colónia era, ao tempo dos acontecimentos, proprietário de um diário de que não era o Diretor, não tendo responsabilidade na publicação dos artigos nele inseridos. O seu jornal publicou sete conjuntos de artigos relativos a atividades do PKK e as autoridades judiciárias instauraram sete processos penais contra ele pela publicação destes conjuntos de artigos. Os factos ocorreram entre 2004 e 2006.

Previamente à publicação dos artigos, a Lei da Liberdade de Imprensa Turca que, anteriormente corresponsabilizava os proprietários dos jornais pelos conteúdos nestes publicados fora modificada, tendo sido revogada a disposição que previa a responsabilidade dos proprietários, quando não houvessem colaborado na redação da notícia. Em Acórdão com força obrigatória, o Tribunal Constitucional Turco confirmara a correção, à luz do ordenamento penal turco, desta solução. Por esta razão, chegados os recursos das condenações às instâncias superiores turcas, estas acabaram por absolver Ali Gürbüz.

O Requerente queixou-se então ao TEDH, alegando a violação do seu direito à liberdade de expressão. A queixa foi admitida, apesar da exceção oposta pelo Governo de que tendo o Requerente sido absolvido não lhe assistiria mais legitimidade para se queixar. O fundamento da decisão de admissibilidade foi o de que enquanto a absolvição não chegou, e Ali Gürbüz teve de desenvolver esforços no sentido de obter as decisões de absolvição, as condenações operaram contra este e os elementos do seu jornal, bem como em relação a qualquer jornalista que, sabendo o que se estava a passar, se poderia sentir intimidado. As sentenças de condenação tiveram um efeito dissuasor da liberdade de expressão, não apenas do Requerente e da equipe do seu jornal, mas de qualquer jornalista interessado em publicar notícias do mesmo teor.

Passando ao mérito da questão, o TEDH observou que houve uma ingerência que qualificou por referência a dois acórdãos seus em processos semelhantes contra a Turquia, proferidos nos casos Dilipak c. Turquia (2015) e Döner c. Turquia (2017). A ingerência ocorreu, embora o Requerente não houvesse sido preso, porque as diligências (abertura dos processos penais, interrogatórios, buscas no jornal, eventualmente domiciliárias) foram intrusivas. A própria formulação legal, muito genérica e abstrata, sofrendo de uma grande vaguidade acentuou mais ainda a ingerência, porque as pessoas, neste contexto, ficam sem saber ao certo, o que lhes é permitido dizer. Os processos neste quadro, em sete grupos de notícias, acabaram por constituir um assédio forte na pessoa do Requerente.

Passando à questão de saber se a ingerência foi justificada, esta interferência estava prevista na Lei de imprensa turca. Mas as autoridades judiciárias não procederam a qualquer escrutínio detalhado dos artigos. Bastou-lhes a publicação e logo a qualificaram no sentido da contrariedade à lei. Segundo o TEDH, os processos foram instaurados apenas porque as notícias saíram. Isto reforça a ideia que resulta do processo de queixa diante do TEDH, segundo o qual qualquer debate público de ideias em torno das questões sobre que versam as notícias fica muito fragilizado. A ingerência não encontrou qualquer justificação e o seu efeito dissuasor sobre a liberdade de expressão foi muito forte. Verificou-se, assim, a violação do artigo 10.º da CEDH, direito à liberdade de expressão. O Acórdão foi votado por unanimidade, sem opiniões concordantes ou concordantes parciais.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos