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TEDH, Grande Chambre, M.A. c. Dinamarca, Acórdão de 09 de julho de 2021

2 ago 2021

CEDH, Artigo 8.º § 1, direito à reunificação familiar de beneficiário de proteção internacional. Violação. Artigo 8.º § 1 + 14, discriminação resultante de apenas os titulares do estatuto de refugiado beneficiarem da reunificação familiar imediata. Não exame.  

M.A. cidadão sírio queixou-se contra a Dinamarca por este país ter-lhe recusado a reunificação familiar, numa situação em que já lhe tinha sido concedida a proteção internacional.  A reunificação familiar com a mulher e os dois filhos maiores do casal apenas veio a ser concedida 3 anos depois, tendo este permanecido na Síria.

Este tratamento não é imposto a todos os beneficiários da proteção internacional, em particular os beneficiários do estatuto de refugiado tem o direito à imediata reunificação familiar.  M.A. invocou a violação do art.º 8.º § 1 (vida privada e familiar) e 8.º § 1 + 14.º (não discriminação em relação ao direito à vida privada e familiar). A 4.ª Seção do TEDH a quem o caso fora distribuído, declinou a sua competência em benefício da jurisdição da Grande Chambre.

M.A. fugiu da Síria em 2015 (Damasco – Beirute – Istambul), entrou escondido num barco na Grécia e daí, viajou escondido num camião até à Dinamarca, tendo a esposa e os dois filhos permanecido na Síria. O Serviço de Imigração concedeu-lhe a proteção temporária por um ano renovável, não lhe tendo sido concedida a reunificação familiar imediata em razão de não ter merecido a atribuição do estatuto de Refugiado de acordo com a Convenção de Genebra de 1951, relativa ao Estatuto do Refugiado.  Apesar de vir de um país onde existe perigo, não teria estado em oposição com o regime Sírio e por isso não caberia a qualificação de perseguição política própria à atribuição deste estatuto. M.A. esgotou o s recursos com o propósito, em particular, de obter a reunificação familiar com a esposa e filhos a aguardar na Síria, onde corriam, como ele correra, perigo. Perdeu em todos.

Debruçando-se sobre o direito, o TEDH coligiu materiais de Direito internacional público (DIP) pertinentes para o caso. A definição do estatuto de refugiado, para o efeito da concessão do correspondente estatuto consta da Convenção de Genebra de 1951 (a Convenção dos Refugiados) e o seu Protocolo de 1967. O TEDH observou, também, as disposições relevantes do PIDCP 1966 (direitos civis e políticos/o direito à vida privada e familiar compreende o direito à reunificação familiar art.ºs 17.º e 23.º ). Também tomou nota de posições do Alto Comissariado das N.U. para os Refugiados (o ACNUR) que observação à Comissão da UE que a Diretiva 2003/86 relativa à reunificação familiar não abrangia os beneficiários na disposição relevante do art.º 3.º 2. b) sempre que se tratasse de proteção internacional fora do estatuto de refugiado, enquanto os refugiados beneficiavam sempre do regime desta disposição (reunificação familiar imediata). Para o ACNUR esta diferença de regime não encontrava qualquer justificação.

Reunindo materiais da UE e de outras instituições europeias, o TEDH notou que a Dinamarca recusou ser Parte no Sistema Comum de Asilo e Imigração europeu (UE) e que não se encontra abrangida pelas correspondentes disposições do TFUE, tal constando do Protocolo relativo à posição da Dinamarca apenso ao TFUE (no fundo as reservas deste país ao TFUE). O TEDH destacou ainda que o art.º 7.º da Carta dos Direitos fundamentais da UE compreende, no seu elenco de garantias, a reunificação familiar ao título da vida privada e familiar, verificando-se a correspondência com o art.º 8.º CEDH. Ainda nos materiais da UE, a Diretiva sobre reunificação familiar 2003/86/CE de 22.09.  relativamente a este direito, esta Diretiva é o repositório do direito derivado europeu  (UE) nesta matéria. A seguir, destacou a Diretiva, dita das qualificações de 2004 (Diretiva CE do Conselho n. 2004/83 a seguir substituída pela Diretiva 2011/95 da EU de 13/12) a qual é relativa às regras aplicáveis para qualificar um requerente de proteção, no regime de proteção subsidiária, ou, em alternativa, de inclui-lo no estatuto de refugiado. O primeiro regime é aplicável a quem, não sendo oponente político nem perseguido politicamente, não obstante, corre perigo sério para a integridade pessoal, vida, física, mental, ao permanecer no país onde se encontra (o país da nacionalidade ou da residência habitual, a RH). Enfim, a Diretiva à proteção temporária (Dir. CE do Conselho n. 2001/55 de 20/07) faculta padrões/critérios mínimos para a concessão de proteção temporária no caso de um forte afluxo (afluxo em massa) de pessoas deslocadas.  Prevê, também, os critérios da sua repartição pelos vários Estados Membros (EM) da UE.

No plano do Conselho da Europa (o CoE) a Assembleia Parlamentar desta Instituição (APCE) adotou a Res. 2243(2018) relativa à reunificação familiar de refugiados imigrantes nos EM do CoE. Neste instrumento, a reunificação familiar avulta como critério de interpretação do art.º 8.º § 1 da CEDH, no sentido da sua concessão. Esta Resolução foi completada pela Res. APCE n. 2141 (2018) da mesma data (4.10.2018), pela qual esta Assembleia recomendava ao Comité de Ministros (o CM) do CoE que adotasse linhas diretrizes sobre a reunificação familiar (estabelecendo critérios, modelos para a decisão no sentido da sua concessão). Também o A. Comissário para os DH do CoE se pronunciou sobre este tema,no documento intitulado “Realizar o dto. à reunificação familiar dos refugiados na Europa” em 2017. Recomendava claramente neste documento, 1. Assegurar que os processos de reunificação familiar sejam flexíveis, sejam respondidos com prontidão, e sejam efetivos, no sentido do seu material cumprimento. 2. Tomando em conta a jurisprudência do TEDH, 3. Implicando este processo a revisão das regras nacionais para o tt. dos refugiados. 4. Pondo termo a todas as dificuldades de regime que não sejam justificadas.  O TEDH apreciou todos estes materiais e observou, ainda, os disponíveis em sede de direito comparado, procurando extrair uma prática seguida por uns e por outros países no tocante às suas opções em matéria de asilo e refugiados, para, enfim, se pronunciar sobre a matéria jurídica da queixa.

Além das alegações das partes, em sede de facto e direito, recebeu a intervenção de terceiro interveniente do A Com. DH do CoE.  Para este, não existe razão para distinguir entre proteção a título de refugiado e o título de qualquer outro estatuto pessoal merecedor de uma forma de proteção internacional, para o efeito da reunificação familiar, a qual deve ser sempre concedida. A mesma posição foi sustentada pelo ACNUR das NU também ao título de Amicus Curiae. A sujeição da reunificação familiar à espera de um período temporal de três anos, redunda segundo este num sofrimento suplementar inútil, além de constituir um tratamento discriminatório não fundado à luz dos DH no seu estádio atual de desenvolvimento. Referiu, em abono da sua tese, nomeadamente, as Conclusões finais do CDH no tocante ao 6.º Relatório periódico que a Dinamarca apresentara, de 15 de Agosto de 2016. Destas constava a redução do lapso temporário já cumprido exigido pelas autoridades para seja enfim autorizada a reunificação familiar.  Uma das razões que o CDH avançou foi o impacto psicológico grave nas pessoas que compõem o agregado familiar por reunificar.

Em outra vertente, sempre ao título da intervenção de terceiros, o Governo da Noruega defendeu a posição da Dinamarca , no sentido de que nem o art.º 8.º § 1 nem o art.º 8.º§ 1+14.º, eram de natureza suscetível de proibir a imposição de critérios administrativos por cumprir, previamente à reunificação familiar. A competência em receber ou não estrangeiros seria da reserva da soberania nacional (tudo está então na avaliação da relação da reserva de soberania nacional, a qual é sempre legítima, com a imposição resultante da Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados, espelhada no vário acervo internacional público, segundo o qual os Tratados são para cumprir: Pacta sunt Servanda. No fundo a questão acaba por reconduzir-se a saber até aonde se pode opor a reserva da soberania nacional e a partir de onde se inicia a preeminência do Tratado internacional, e qual o correspondente desenho legal). Para a Noruega semelhante imposição reconduzir-se ia a não operar mais a distinção entre migrantes estabelecidos e migrantes ainda não estabelecidos, colocando os últimos numa situação jurídica de maior precariedade jurídica, até se verificar que cumpriram os pressupostos de uma integração considerada representar um compromisso sério com o país de acolhimento. O Governo Suíço, por seu turno, avançou a distinção entre os laços pré-concessão do estatuto e os laços pós concessão. Os primeiros seriam legítimos, já os segundos, não necessariamente.

O Instituto de DH da Dinamarca avançou a informação de uma modificação legislativa neste país, concedendo a todos os refugiados e beneficiários da proteção internacional uma autorização de residência temporária (e já não com o fim da obtenção de um estatuto de permanência), sempre que se justifica a concessão desta proteção (de modo algo paradoxal esta modificação legislativa, conducente à maior precarização do vínculo, uma vez que este já não se destina à definitiva integração, vai operar em sentido talvez mais favorável à proteção de MA e da família, uma vez que não existindo mais o teste da integração, a reunificação é logo autorizada, uma vez que todos são precários e se destinam a sair – logo, apesar do modo eventualmente perverso, maior fluidez no acesso temporário de uma família cuja reunificação já não é negada).

Em sede de factos, o TEDH observou que M.A., requerente, formulara o pedido já em 2015, tendo sido rejeitado em 2016; que o requerente esgotou os recursos disponíveis e que voltou a requerer em 2018, tendo finalmente sido o seu pedido correspondido em 2019 (4 anos depois da introdução do 1.º pedido em 2015).

Significa que o prazo de 3 anos para a verificação de uma integração mais forte do requerente no país de acolhimento imposta pela Dinamarca foi cumprido, cabendo ao TEDH avaliar a conformidade das exigências impostas pela Administração com o art.º 8.º § 1 e 8.º § 1 + 14.º CEDH.

O TEDH começou por elencar os princípios gerais que regem a matéria neste caso. É jurisprudência de referência o caso Jeunesse c. Países Baixos. A título de pressuposto, é necessário, segundo o TEDH, observar que o Estado, no contexto das suas funções soberanas, é livre de escolher ou não imigrantes ou refugiados, podendo controlar as entradas no seu território. A CEDH não garante o direito a residir num determinado país. Além do mais, o art.º 8.º não pode ser visto como impondo ao Estado um dever geral de respeitar a escolha de um casal pelo país da sua Residência habitual (a RH) e do foro do seu estatuto matrimonial, na medida dada ao estatuto pessoal dada em Direito internacional Público (o DIP).  Não obstante, em caso de vida familiar, e de reunificação familiar a obrigação a cargo do Estado, vai variar em função das circunstâncias das pessoas envolvidas, bem como do interesse geral, o que provoca um exercício de balança que seja justo entre os interesses a preservar. Enfim, no tocante a crianças, sempre que estas estejam envolvidas, é urgentemente aplicável o critério do melhor interesse da criança.  O TEDH desenvolveu no interior da sua jurisprudência uma lista de critérios negativos de reunificação familiar (apesar da aparência algo “saturnina” desta opção, espera-se dela que autoriza a contrario sensu, o estabelecimento da solução que seja juridicamente necessária à luz de interesses de inadiável satisfação). São critérios negativos: 1. O vínculo familiar ter sido assumido em condições, à partida, entendidas e aceites como precárias pelas partes; 2. A pessoa que requer a reunificação familiar tem laços fracos com o país de acolhimento; 3. Não teria sido para o casal, insuperável ter-se mantido no país de origem, não se justificando o requerer da reunificação no país de destino; 4. A pessoa requerente não conseguir fazer prova de rendimentos bastantes para assumir a vida em contexto de reunificação familiar. Numa outra posição, o TEDH desenvolveu um conjunto de critérios positivos de reunificação. São critérios positivos: 1. A pessoa requerente da reunificação familiar já está estabelecida e mantém fortes laços com o país de destino; 2. A vida privada e familiar em sede do art.º 8.º § 1 da CEDH, já fora criada e era preexistente ao contexto migratório; 3. Ambas as partes no casamento já residiam habitualmente de forma marital no país de origem. 4. Existem crianças cujos interesses são sempre merecedores de ponderação; 5. Não existem incompatibilidades entre o modo de vida da família e o modo de vida existente no país de acolhimento.

A seguir a esta colocação desta malha de critérios, o TEDH ainda observou os princípios gerais relativos ao processo de reunificação familiar.  Notou a sua necessidade e urgência reconhecidas, sendo o tempo de demora no processo de reunificação familiar um fator ponderoso no sentido de inquinar um processo de reunificação em termos de validade, nulidade e anulabilidade administrativa. O TEDH ainda indagou como opera aqui o critério da margem de apreciação do Estado (a medida da sua discricionariedade em relação ao controlo internacional). Apesar da ampla discricionariedade que reconheceu ao Estado, o TEDH observou, nomeadamente, que um afluxo elevado de migrantes e refugiados não o absolve da proibição resultante do art.º 3.º da CEDH relativa à expulsão do estrangeiro para um Estado onde este corra perigo pessoal. A qualidade do controlo parlamentar e judicial do processo de expulsão quer previamente, quer sucessivamente à concessão ou não do correspondente estatuto, também é fator ponderoso a merecer análise cuidada. Enfim, em matéria de consenso internacional, a aferição da medida da existência deste consenso é também necessária. O TEDH observou que os Estados variam na proteção à reunificação familiar. A maior parte exige ainda a verificação de alguma integração no país de acolhimento e dispensa desta aferição o beneficiário do estatuto de asilado. A esta luz não existiria razão, para o TEDH, para se opor ao respeito de um período de integração de 3 anos imposto a M.A. e à sua família. Não obstante, apesar de uma discricionariedade reconhecida como relativamente abrangente, a discricionariedade do Estado não é ilimitada e deve ser apreciada à luz do caso concreto e da medida concreta de sofrimento imposta às partes. Trata-se de dar efetividade às disposições da CEDH. Isto significa que, apesar da ampla margem de apreciação, um exercício de balanceamento justo tem de ser feito, havendo que encontrar as linhas gerais de um modelo de decisão para efeito.

A questão passou então à sua dimensão concreta, a saber se a Dinamarca observou um critério de justa ponderação dos interesses da família ao protelar a sua reunificação familiar. Sucede que, além da Síria ser um país em guerra, a legislação da Dinamarca sofreu um conjunto de modificações (supra referidas) entre as quais, apesar da precarização do regime das autorizações de residência para o benefício da proteção internacional, seja ela qual for, no sentido de não se almejar mais uma integração conseguida no tecido nacional (cfr. supra o contributo do IDH), admitiu-se na exposição de motivos do diploma que a imposição de um período de espera de 3 anos, é extremamente oneroso psicologicamente e humanamente para as famílias. À luz das intervenções assumidas pelos organismos internacionais, não haverá razão para distinguir entre refugiados e outros beneficiários da proteção internacional para o efeito da reunificação familiar, uma vez que a própria legislação entretanto adotada em sede de direito interno na Dinamarca o reconhece. O TEDH entendeu, assim, não ser de se afastar dos critérios avançados nas fontes de DIP nem dos critérios entretanto assumidos pelo direito nacional. Declarou, assim, a violação do art.º 8.º § 1 da CEDH, violação do direito à vida privada e familiar de MA e da sua família. Quanto ao argumento avançado, da existência de discriminação na distinção feita pelo regime interno aplicado a MA e ao seu agregado familiar (8.º § 1 + 14.º CEDH), o TEDH existiu não se ter de pronunciar à luz da violação reconhecida na pessoa do titular.

Esta decisão judicial pode entender-se na medida em que a Dinamarca modificou, entretanto, a sua legislação e, eventualmente, pode não se julgar conveniente castigar um EM numa Convenção internacional desta importância no sentido de assegurar a disponibilidade para uma sempre frutuosa cooperação. Ainda assim, também o TEDH, por ser com A Corte interamericana dos DH no quadro do Pacto de S. José da Costa Rica, a única formação de julgamento internacional em matéria de DH que se assume com uma mais clara vocação judicial com o correspondente exercício em termos de cultura jurídica (sem desprimor para o CDH das NU, mas existe nos dois fora referidos, sendo sensível quando se visitam as respetivas páginas na internet, uma clara afirmação da sua natureza judicial, eventualmente mais diluída, em razão talvez da sua jurisdição, não regional mas universal, no tocante ao CDH. Naturalmente a partilha desta sensibilidade da parte de um mero técnico jurídico está sujeita a caução e não pretende trazer uma particular intranquilidade).

O Acórdão da GC veio a ser votado por 16 votos contra um tendo a Sra. Juiza Mourou-Vikstrom lavrado uma opinião dissidente. Entende que o TEDH dedicou-se a redigir novamente, mediante um exercício de reconstrução, a sua orientação jurisprudencial anterior. O leitor humilde do Acórdão não falaria em reconstrução da argumentação judicial, mas houve, com efeito, um exercício algo exaustivo de demonstração do direito e do seu modo de operação, com recurso a explanações detalhadas do DIP e do direito comparado que chama a atenção..  A sugestão que retiro, a ilação que daqui posso quanto a mim extrair, é que, se para a Sra. Magistrada o Acórdão foi demasiado longe, para mim ainda não terá ido o bastante longe, após este magnífico e pedagógico exercício de demonstração (ao ponto que diria a um jovem aluno “se quiseres aprender o direito, depois dos manuais, não decores as leis, estuda as jurisprudências nos vários ramos do direito”). Entende, ainda, que não competia ao TEDH impor à Dinamarca no quadro da sua reserva de soberania e margem de apreciação em discricionariedade sempre justificada (neste caso à luz do interesse nacional e dos cidadãos, o qual não tem de ser sempre deslegitimado), a eliminação do seu prazo de integração de 3 anos uma vez que esta proteção internacional não seria da mesma urgência (?) que a concedida ao refugiado. Além do país estar em guerra e da família ter permanecido lá, é bom reconhecer que foi a própria Dinamarca a emendar a sua lei interna. No fundo, o TEDH acaba por sancionar não um EM mas um erro administrativo interno, com todo o conforto e a segurança que isto traz ao cidadão, confiante na existência de um órgão de controlo (ninguém, em verdade está contra ninguém, este não é um problema de segurança interna mas de necessidade a qual pode, ao ser satisfeita, representar um ganho coletivo e não apenas individual). Outro argumento foi o do consenso muito relativo da parte dos direitos nacionais, quanto a esta questão a darem prioridade aos refugiados, e em geometrias, variáveis aos demais beneficiários da proteção internacional. O argumento é reversível, pois pela sua relatividade intrínseca também pode abonar em sentido contrário. A isto acresceria que o MA apenas mereceu o estatuto geral de proteção internacional. O que o qualifica para a integração no argumento acabado de ver. A lei nova com um regime novo, não autorizaria uma interpretação diversa. Fora o caso da exceção da esposa deficiente ou de crianças gravemente doentes, o próprio regime da lei nova, tendente a uma maior precarização da integração em relação ao regime anterior, não seria título bastante para autorizar a afirmação, com referência a este novo regime, da violação do art.º 8.º § 1 da CEDH. Este argumento vale o que vale. Pois pode dizer-se que, uma vez que a precarização é assumida, há interesse em conceder já a reunificação familiar para que a família possa cumprir o seu destino, quer acabando por ficar, se conseguir, quer partindo para outros horizontes. Uma dilação suplementar imposta seria atrasar o presente, atrasar a vida dos requerentes quando no fim a estabilidade da permanência já não lhes será assegurada.

Enfim, para a Sra. Magistrada a margem de apreciação anda de par com a regra da subsidiariedade. A CEDH é subsidiária em relação ao dto. interno, o que significa ter o Estado, margem de apreciação ampla, o que abonaria no sentido da sua proposta ora vencida.  Mais uma vez o argumento é relativo, pois este é um caso de urgência humanitária eventualmente e foi precisamente para estes extremos que foi celebrada a CEDH e instituído o TEDH.

Seja, além da contestação muito modesta deste voto de vencido quanto à estrita questão do art.º 8.º § 1 da CEDH, permitido ao humilde acompanhante desta jurisprudência do TEDH (un très heureux companhon de route de la Cour qui assume tout son intérêt pour cette jurisprudence si riche en enseignements utiles à l’exercice qui se voudrait discret de son métier), jurisprudência esta que muito forma o estudante da vida (mediante citação à noção de Abhinavagupta: “pura devoção é o anseio realizado através de meios que trazem esperanças dignas de serem almejadas pelo estudante da vida”, in Vyassa, Bhagavad Guitá (Poema do Senhor), transcriação literária de A. Barahona, nota à estrofe 20 na /ª Lição, pp. 317); seja pois permitido manifestar alguma perplexidade em relação agora ao Acórdão, uma vez que examinada ficou a opinião dissidente.

Esteve bem o TEDH em realçar a urgência da reunificação familiar em contexto de guerra à luz da própria modificação do regime interno que já não autorizava mais a manutenção de uma solução tornada incongruente. Mas a opinião maioritária pecou, a meu ver, pelo seu demasiado conforto. Depois de um longo arrazoado que faria esperar uma outra resposta, após a muito pedagógica explanação da desigualdade de benefícios do refugiado e dos demais beneficiários da proteção internacional no tocante à reunificação familiar, sustentada com a detalhada análise de um parecer do ACNUR à Diretiva CE sobre a reunificação familiar em que o problema está abundantemente focado (é caso para dizer, “quod abundat non nocet”, e curiosamente não se trata de atos inúteis que nem beneficiam nem prejudicam a análise ou o processo, são obiter dicta muito próximos da natureza de ratio decidendi), o TEDH chega à conclusão, e muito bem, pois a concreta urgência foi atendida, é o principal; que apenas se deu a violação do art.º 8.º§ 1 e quanto ao mais suscitado (a questão colocada pelo ACNUR: não se pode dizer que não foi satisfeito o ónus do esgotamento de todos os recursos argumentativos disponíveis – “erad in actis, stabat in mondo”)...   Ou seja a Montanha deu à luz um ratinho pequenino de biblioteca que não traz ao consultante do centro de documentação os livros de que precisa de uma só vez… Pesam demais (caso para perguntar ao bibliotecário se precisa de ajuda). 

Chegado a este climax no fôlego do Acórdão era de esperar um contributo europeu para o avanço do DIP. Afinal a solução já é reconhecida pelo CDH que não é “tão “ judicial quanto o TEDH nas afirmações um pouco portentosas que ficam sempre bem à beira do Reno (“quod erad demonstrandum”) …

Seja perdoado o atrevimento que não se quer arrogante do modesto leitor em nome da sempre merecedora de tutela, liberdade de exprimir juízos e opiniões que chocam, inquietam e perturbam…


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos