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TEDH, Grande Chambre, Muhammad e Muhammad c. Roménia, Acórdão de 15 de outubro de 2020

21 out 2020

TEDH, Grande Chambre, Muhammad e Muhammad c. Roménia, Acórdão de 15 de Outubro de 2020

CEDH, Artigo 13.º, Direito a um recurso efetivo.  Art.º 1, § 1 do Protocolo 7, Garantias de expulsão de imigrantes residentes legais. As questões da extensão dos deveres de informação aos expulsandos e de saber se basta a existência de compensações processuais para assegurar a equidade do processo. Inexistência de informação nas várias dimensões do exercício dos direitos de defesa; inexistência de medidas compensatórias. Violação do art.º 1.º, § 1 do Protocolo 7 à CEDH.

Muhammad e Muhammad, dois cidadãos paquistaneses, queixaram-se ao TEDH, em Dezembro de 2012, contra a Roménia por a decisão de os expulsar deste pais para o Paquistão ter alegadamente violado o art.º 13.º da CEDH (direito a um recurso efetivo das decisões da autoridade) e o art.º 1.º § 1 do Protocolo 7 à CEDH (respeito das garantias processuais na expulsão de estrangeiros residentes legais). Frente à complexidade da queixa, a Seção judicial, que admitiu alguns segmentos da queixa (as alegações mencionadas de violação), remeteu-a para Acórdão da Grande Chambre.

Adeel Muhammad era beneficiário de um visto Erasmus e seguia um curso na Faculdade de Economia da Universidade de Lucian Blaga, em Sibiu. Marzan Muhammad era beneficiário de uma autorização de residência de longa duração, sendo titular de uma bolsa “Erasmus Mundi”.  A sua mulher chegou, posteriormente, à Roménia, sendo beneficiária de um visto de longa duração para reunificação familiar.  Marzan Muhammad, também, estudava na Universidade de Lucian Blaga, em Sibiu.

Em Dezembro de 2012, o Serviço de Informações Romeno (o SRI) solicitou ao Ministério Público (o MP) que desse início a um processo judicial que declarasse Adeel e Marzan Muhammad pessoas indesejadas para os competentes efeitos. O MP propôs uma ação administrativa junto do tribunal de segunda instância, competente para decidir a expulsão de estrangeiros, tendente a obter esta declaração. Do requerimento do MP constava o relevante interesse do Estado na expulsão, a fundamentação deste interesse em informação classificada que, segundo o MP, dispensava o cumprimento das garantias processuais dos expulsandos e tornaria inaplicáveis as garantias processuais a observar em caso de expulsão, previstas no art.º 1.º do Protocolo 7 à CEDH.  Após a distribuição do processo a uma das seções do tribunal de segunda instância, esta declarou-se incompetente e foi instituída uma seção especializada para decidir aplicando as regras de classificação de segurança do Estado. Concretamente, o caso foi adjudicado a uma formação judicial do registo romeno das informações classificadas.

Na audiência de julgamento, os queixosos foram sumariamente informados das razões da instauração, contra eles, do processo de natureza administrativa, das indicações relevantes de que teriam planeado atividades contrárias à segurança nacional, as quais estavam previstas e eram sancionadas em diplomas especiais relativos à integridade do Estado. Os queixosos responderam verbalmente que não entendiam as razões das acusações. No momento da junção de prova, o MP fez abundante prova das acusações contra os expulsandos, e estes não opuseram qualquer matéria probatória em contrário. A formação especial no seio do tribunal de segunda instância, a qual integrava altos responsáveis do registo dos documentos classificados, admitiu a prova feita contra os expulsandos, e decidiu do mérito da causa. Recebeu o pedido do MP e declarou Adeel e Ramzan Muhammad pessoas indesejáveis em território romeno pelo período de 15 anos. Ordenou a sua expulsão e determinou a sua prisão administrativa, na pendência da execução da decisão de expulsão. Durante esta pendência, Muhammad e Muhammad mandataram dois advogados, que aceitaram a representação. Os advogados não eram competentes, por lei, para aceder aos documentos do registo da informação classificada do Estado, por lhes faltar determinada credencial.  Foi-lhes, assim, impossível aceder à matéria probatória que sustentava a decisão de expulsão. Os expulsandos ainda reclamaram da não previsibilidade das regras processuais seguidas, uma vez que o seu processo de expulsão seguira uma tramitação excecional.  Segundo eles, o tribunal de segunda instância em que se integrava a seção especial que decidiu a sua expulsão, deveria tê-los informado das regras processuais que iria seguir, no sentido de lhes proporcionar a possibilidade de se defenderem. Queixaram-se, ainda, de, porque os documentos de prova tinham classificação de alta segurança, não terem podido aceder às provas contra eles, o que tornava o processo iníquo. Reclamavam, ainda, de terem sido perseguidos pelos serviços secretos no seu tempo de frequência dos estudos e terem, por isso, feito um pedido de inscrição no Erasmus mundo ou num outro país que admitisse esta modalidade de frequência universitária. Uma nova audiência de julgamento teve lugar perante o Supremo Tribunal de Justiça (o STJ), funcionando como segunda instância no processo de expulsão administrativa. Os queixosos tinham a assistência dos seus advogados e fora-lhes nomeado um interprete.  Requereram ao STJ a autorização para a junção de documentos atestando o seu comportamento na vida académica. Também solicitaram o levantamento do sigilo bancário relativo às próprias contas, no sentido de ser feita a demonstração da sua atividade financeira. Era, para eles, importante demonstrar que não tinha financiado nenhuma atividade ou organização terrorista. O STJ aceitou a junção da prova relativa à matéria académica mas rejeitou o levantamento do sigilo bancário. Os expulsandos ainda opuseram à acusação do MP o não terem cometido atividades terroristas e salientaram que, na seção excecional do tribunal de segunda instância, nunca lhes foi transmitida uma fundamentação, em sentido jurídico, da acusação.

No seu julgamento final, o STJ rejeitou, por improcedente, o recurso dos queixosos e manteve o decidido pela formação excecional de julgamento da segunda instância que decidira em primeiro grau de jurisdição. O STJ entendeu que, face à gravidade das matérias e das acusações imputadas, o regime excecional do seu julgamento estava justificado. Numa interpretação curiosa, o STJ entendeu que, em sede geral, as garantias processuais em caso de expulsão, previstas no § 1 do art.º 1.º do Protocolo 7 eram aplicáveis.  Já não eram aplicáveis as garantias do § 2 do mesmo artigo, por a expulsão não ter ocorrido antes do processo, o qual lhes teria facultado as garantias processuais devidas… (na realidade tal resultará simplesmente da inaplicabilidade do § 2 ao caso, uma vez que este contempla a situação dos residentes ilegais, não sendo o caso de Muhammad e Muhammad). Além do mais, o STJ notou que os expulsandos tinham beneficiado do tempo e das facilidades necessárias à sua defesa (dispuseram de advogados e de interprete nomeado pelo STJ).

Da documentação internacional pertinente de que o TEDH se socorreu constam o Relatório explicativo do Protocolo 7, a Convenção europeia sobre o estatuto legal dos trabalhadores migrantes e a Convenção europeia de estabelecimento. No plano da UE é aplicável a Diretiva 2008/115/EC do Parlamento e do Conselho, relativa à expulsão de imigrantes residentes legais para terceiros Estados. No domínio, ainda, da UE e da sua jurisprudência relevante, destaca-se o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (o TJUE) proferido sobre um reenvio de questão a título prejudicial no caso ZZ c. Reino Unido (C-300/11, de 4 de junho de 2013) em que se diz que, num processo de expulsão em cumprimento da Diretiva de expulsão deve ser o mais possível respeitado o princípio do contraditório no sentido de permitir ao interessado opor-se fundadamente à sua expulsão.

No direito universal (Nações Unidas/NU), o artigo 13.º do pacto internacional relativo aos direitos económicos, sociais e culturais (o PIDESC) prevê a fundamentação legal, rigorosa e explicita (no sentido de poder ser entendida) de uma decisão de expulsão, o art.º 7.º da Declaração dos direitos humanos das pessoas que não tem a nacionalidade do país onde residem (Res AGNU 40/144 de 13 de dezembro de 1985) prevê a natureza judicial de uma decisão de expulsão e o direito ao recurso desta para uma instância superior; o Comité para a eliminação de todas as formas de discriminação racial prevê o acesso dos interessados a todos os mecanismos legais e judiciais disponíveis; e, no Modelo da Comissão internacional de direito (a CID), de legislação sobre expulsão de estrangeiros (CID Res A/Res/69/119, de 10 de ezdembro de 2014), prevê-se um artigo 26º contendo o modelo de disposição relativa aos direitos processuais dos estrangeiros sujeitos a expulsão. Enfim, o Tribunal internacional de justiça (o TIJ), proferiu um Acórdão no caso Ahmadou Sadio Diallo, em 30 de novembro de 2010 (República da Guiné contra República Democrática do Congo) em que apreciou a alegação da República da Guiné (Equatorial) de que o Sr. Diallo tinha sido expulso pela RD Congo, em violação do art.º 13.º do PIDESC e do art.º 14.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP). Nos considerandos deste Acórdão está a afirmação da necessidade de, para ser dado cumprimento às referidas disposições, uma expulsão dever corresponder às regras nacionais em vigor, as quais devem estar conformes aos referidos artigos do PIDESC e da CAFDHP.  O TEDH reconheceu a admissão da queixa nos termos em que o fizera a seção que remetera o processo para a Grande Chambre, e decidiu do mérito.  Foram amicii curiae a Fundação Helsínquia para os direitos humanos e o apoio jurídico; Amnesty internacional e o Relator especial das NU sobre a promoção e a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais no combate ao terrorismo. Todos estes terceiros intervenientes insistiram na necessidade de observar o princípio do contraditório também no processo de expulsão e mesmo em caso de acusações da prática de terrorismo, no sentido de dar a possibilidade, ao expulsando, de opor as suas razões à decisão de expulsão.

O TEDH, após ter elencado um amplo conjunto de jurisprudência de referência, destacou os seguintes princípios gerais: a CEDH não garante o direito de um estrangeiro de entrar ou residir num determinado país; o processo administrativo, ainda que de natureza judicial, de expulsão de estrangeiro, não cabe na definição da determinação de um direito civil nem de uma acusação em matéria penal, noções que delimitam, com caráter tendencialmente exclusivo, o domínio de intervenção do TEDH em questões avaliando a qualidade de um processo judicial, como o princípio do respeito do princípio da igualdade de armas. Por esta razão, os Estados subscritores e redatores dos textos convencionais europeus no quadro do Conselho da Europa (o CoE) e do seu Estatuto (de adesão obrigatória para o Estado que pretende subscrever a CEDH) adotaram, nomeadamente o art.º 1.º do Protocolo 7, no sentido de cobrir também as garantias processuais em caso de expulsão de estrangeiros. O § 1 do art.º 1.º deste Protocolo refere os migrantes residentes legais, o § 2 é aplicável aos migrantes a permanecer ilegalmente em território nacional. Do Relatório explicativo deste Protocolo consta a indicação de que as garantias processuais aí previstas são garantias mínimas.

O TEDH procurou, a seguir a subsunção da matéria da queixa ao quadro normativo do art.º 1.º do Protocolo 7, no sentido de saber se esta disposição do acervo convencional é aplicável. Sendo os estrangeiros sujeitos desta queixa residentes legais no Estado, é aplicável à sua queixa o § 1 do art.º 1.º do protocolo 7.  As três alíneas desta disposição são relativas ao direito a fazer valer as razões que militam contra a expulsão; fazer examinar o seu caso; fazer-se representar por uma pessoa habilitada por lei para este efeito. Nesta conformidade, era tarefa do TEDH saber se foi respeitado o direito à informação dos queixosos, o seu direito à oposição à expulsão e o seu direito à representação judicial, com acesso à informação relevante para a decisão do caso. O TEDH admitiu que o direito de oposição pode não ser absoluto: tal como sucede nos processos criminais que exigem a prática dos depoimentos para memória futura (no sentido da proteção das vítimas e da sua não confrontação com o alegado agressor), pode existir um interesse que limite uma oposição no sentido mais lato por necessidades atendíveis. São necessidades deste cariz, no caso da expulsão, a segurança nacional, beneficiando para a avaliação deste interesse, os Estados, de uma certa margem de apreciação.  O mesmo sucede quanto ao direito à informação, sendo o TEDH particularmente sensível ao perigo do terrorismo. Ainda assim, estas preocupações não podem ofuscar a necessidade do cumprimento das garantias processuais de expulsão previstas pelo § 1 do art.º 1.º do Protocolo 7. Sendo assim, foi necessário ao TEDH estabelecer os critérios suscetíveis de justificar as limitações às garantias do art.º 1, § 1 do Protocolo n.º 7. Embora não seja possível fazer uma correspondência exata destes direitos com os do art.º 6.º (equidade processual em matéria cível e penal) e do art.º 5.º (direito à liberdade e segurança), da CEDH, alguma correspondência, apesar de tudo, existe.

Em busca da fundamentação plena da expulsão, no sentido exposto, de Muhammad e Muhammad, o TEDH ainda destacou que a legitimação pelo processo das expulsões implica a observância de um processo judicial confiado a uma autoridade independente instituída por lei. Sendo esta entidade diversa do Poder Executivo, há ainda que saber quais os poderes, e a sua extensão, que lhe são confiados. Finalmente, ainda que a autoridade não tenha procedido a uma avaliação plenamente correspondente aos critérios da CEDH, haverá ainda que saber se não existem medidas processuais suscetíveis de compensar esta dificuldade. O TEDH definiu, para a verificação do cumprimento destas exigências, dois instrumentos de avaliação: 1. quanto maiores forem as limitações ao direito de informação dos queixosos, mais necessárias serão as garantias processuais; 2. Sempre que as circunstâncias do caso afetem significativamente a vida do queixoso, devem existir medidas de contrabalança, no sentido da atenuação do encargo.

As questões que, neste contexto, o TEDH passou a examinar foram:

- a relevância da informação prestada para a defesa dos queixosos;

- a informação de natureza processual que lhes foi prestada, no sentido de lhes permitir, também a eles, a participação n o processo;

- e a questão da representação forense, a qual implica a avaliação da extensão dos direitos concedidos aos representantes.

Respondendo à questão de saber se a autoridade que julgou as expulsões era independente, o TEDH debruçou-se exclusivamente sobre a questão da informação disponibilizada.

No entender do leitor deste Acórdão, o TEDH “saltou” um passo lógico necessário para a avaliação desta questão. A de saber se apesar do cumprimento aparente das regras processuais que cometiam esta decisão a uma seção do tribunal de segunda instância, a seção especial, com natureza excecional, em benefício de cuja competência a seção naturalmente competente declinou a sua jurisdição ainda era independente, numa aceção propriamente judicial, no sentido de além de estar prevista na lei, não ser formada por juízes leigos, na realidade altos funcionários do registo das informações classificadas sem preparação judicial, como o parece indicar o texto do Acórdão, ou se estes altos funcionários seriam meros assessores para a decisão judicial, assumida por juízes profissionais do tribunal de segunda instância. A questão aqui é relativa à aparência “prima facie” da violação do princípio da proibição do desaforamento, segundo a qual uma questão judicial tem de estar confiada ao juiz natural da causa segundo as regras legais de adjudicação da competência para julgar um determinado caso. Ficamos sem saber se estes altos funcionários que decidiram o caso, estavam ou não na qualidade de assessores do tribunal, ou se tinham ou não capacidade judicial, no sentido da qualidade de magistrados, para adjudicar a solução da questão que lhes foi posta (ou puseram) e resolveram.

Quanto à matéria da informação prestada o TEDH observou que as instâncias que analisaram o caso fundamentaram-se nas limitações previstas na lei relativa à informação classificada, mas que estas autoridades se limitaram à enumeração legal, sem avaliação concreta da questão, no sentido de saber, se perante os contornos do caso, alguma informação poderia ou não ser disponibilizada. No fundo, as autoridades de decisão não desceram à substância da questão, decidiram apenas por referência seca da disposição legal aplicada. Foi, ainda necessário ao TEDH verificar, se de acordo com os seus critérios, existiu alguma compensação processual para a não disponibilização da informação necessária à defesa. Verificou que foi prestada a informação relativa ao caráter secreto da acusação, o qual caráter secreto justificava a falta da prestação de maior conhecimento aos expulsandos do que lhes era imputado. O TEDH observou que foi emitido um comunicado de imprensa sobre a expulsão dos queixosos, mas este comunicado, que chegou ao conhecimento destes, por si só, não era de natureza a esclarecê-los, com suficiência, das acusações que lhes eram imputadas. Além disso, pela sua natureza, um comunicado de imprensa, não pode ser considerado um acto judicial.  Não houve, assim, a prestação de qualquer informação sobre a fundamentação da acusação que era dirigida aos queixosos.

Quanto à informação devida aos queixosos sobre o processo, no sentido de lhes ser permitida a sua participação nele, apesar da concessão do auxílio de interprete, a documentação deste processo disponibilizada ao TEDH permitiu a este concluir que a informação sobre a condução do processo que capacitaria os queixosos a tomar parte nele, não foi prestada. Enfim, no tocante à representação dos queixosos no processo, o TEDH observou que a lei romena não exige a representação forense nos processos de expulsão e que não existiu nenhuma regra legal, que permita a um queixoso saber se a matéria contra ele aduzida, releva da informação classificada do Estado. Em contrapartida, existe um regime de autorizações que permite a certos advogados credenciados, aceder a um conteúdo mínimo da informação classificada para o efeito do exercício dos direitos de defesa. Sucede que, não sendo vinculadas por lei a tal, as autoridades não informaram os queixosos da necessidade de mandatarem advogados credenciados, e, por esta razão, sem saber, estes contrataram advogados não credenciados, ou seja sem possibilidade nenhuma de acesso à informação necessária para o exercício dos direitos de defesa. Ainda na questão da informação, o TEDH colocou a última questão do seu método, a saber a da existência ou não de concessão de medidas processuais compensatórias aos queixosos pelas autoridades. E respondeu, à luz do material disponível, que esta compensação processual não foi concedida. Verificou-se, assim, a violação do art.º 1.º § 1, do Protocolo 7 à CEDH.

Pela sua complexidade, este Acórdão mereceu quatro opiniões concordantes e uma discordante.

Concordante, dos juízes Nussberger, Lemmens e Koskelo: concordam e insistem que mesmo nos processos de alta segurança, as garantias do art.º 1.º §1 do Protocolo 7 não podem, de todo, em nenhum caso, ser afastadas.  Na própria hipótese do § 2, relativa aos ilegais, as garantias de expulsão regular devem imperativamente ser observadas. Além dos direitos a saber os fundamentos da expulsão e o direito de conhecimento das regras aplicadas e o direito a conhecer os fundamentos da expulsão, entendem que havia ainda, para o TEDH, que se debruçar especificamente sobre cada uma das alíneas do § 1 do art.º 1.º do Protocolo 7 uma vez que estas são imperativas e taxativas. Quanto à limitação de direitos por razões de segurança nacional as quais as legitimariam desde que existisse compensação processual que as autorizasse, estes magistrados entendem que, em nenhum caso, e muito menos o da segurança, é admissível a limitação de direitos processuais numa expulsão, com ou sem medidas de compensação processual.  Quanto às razões invocadas de segurança nacional, o TEDH deveria ter avaliado a sua genuinidade.

Concordante, de Albuquerque e Eloseguy: foi tema do voto a questão da garantia da verificação da essência ou substância de um direito. Ou seja, este só é respeitado se a sua substância, em sede de direito e justiça, encontrar concretização material.  Para estes magistrados, o TEDH, apesar de reconhecer o “very heart” de um direito, pratica um método utilitário, ao pôr na balança os interesses das partes, Estado e queixoso, em presença, para a seguir resolver. A censura que estes magistrados dirigem ao TEDH é a de este tribunal aceitar que seja atingida a substância de um direito, mesmo tratando-se de um direito convencional, face à relevância dos interesses do Estado, sempre atendidos pelo TEDH, ainda que mitigados pela avaliação da margem de apreciação dos Estados, a qual é, por vezes, reduzida. Para estes magistrados, se o conteúdo de um direito for atingido, não é possível, ao definir este conteúdo, aceitar que não se verificou a ofensa a este conteúdo. O problema põe-se na aceitação de limites ao direito de informação, que anulam este direito na condição de serem processualmente compensados. A partir daqui a própria noção de processo equitativo aplicada no Acórdão fica prejudicada pela aceitação da limitação de um direito à informação, cuja substância se definiu mas que pode ser prejudicado, desde que exista compensação processual. Ainda segundo estes magistrados, se o direito à informação foi violado, foi mesmo violado, não sendo necessário procurar a existência de compensações processuais atenuantes ou justificativas da violação. Noções como a de margem de apreciação reduzida, mitigam a crítica a esta aproximação utilitária, já a consideração da “equidade processual” (overall fairness) do processo de queixa, volta a colocar o método utilitário sob a crítica, pois permite a desconsideração da substância dos direitos convencionais, à luz do resultado do processo de queixa. Estes magistrados reconhecem a aplicação, em certos Acórdãos do TEDH, de um método essencialista, que atende à substância do direito e lhe dá prioridade na adjudicação da resposta do caso. A aplicação, neste caso, como nos casos, ainda assim raros, em que foi aplicado, do método essencialista, teria conduzido o TEDH a não aceitar nunca a limitação dos direitos processuais dos queixosos, em nome da segurança do Estado. A ocorrer a violação de um direito convencional, haveria que fundamentar rigorosamente as razões, em termos de raciocínio judicial, desta limitação. A consideração das necessidades da segurança do Estado abre a porta à dispensa de fundamentação, à luz do direito convencional, de um segmento de decisão, da parte do TEDH. O que é perigoso, em matéria de direitos humanos.

Concordante de Serghides: sente um grande desconforto com a aceitação, da parte do TEDH, em admitir limitações ao exercício das garantias processuais de defesa contra a expulsão, em sede do art.º 1.º do Protocolo 7, pois, dado o caráter mínimo destas garantias, estas não são, de todos, suscetíveis de limitação. Para este magistrado, atenta a importância das garantias em questão, o direito ao exercício da defesa contra a expulsão, rodeado de garantias processuais, é um direito absoluto, insuscetível de derrogação, inclusivamente por meio da interpretação judicial do TEDH, ou então o direito ficaria privado da sua efetividade, sucedendo que o princípio da efetividade dos direitos humanos é, também ele, uma norma de direito internacional público, a qual se extrai das diversas proposições constantes das regras relativas aos direitos humanos consagradas, e simultaneamente um método de interpretação.

Concordante, novamente, de Eloseguy: na linha do voto conjunto com o juiz Albuquerque, insiste em que a essência do direito é diversa do teste de proporcionalidade, na aplicação da lei interna. Enquanto a jurisprudência do TEDH lhe permite avaliar a proporcionalidade de uma decisão interna (a sua necessidade numa sociedade democrática, sendo desnecessária, não é proporcional), a consideração da essência do direito leva a um escrutínio mais apertado do cumprimento dos direitos humanos. Se for questão da aplicação deste direito, este não pode ser desconsiderado.

Dissidente conjunta de Yudivska, Moto e Paczolay: contestam a equivalência feita no Acórdão, entre as garantias do art.º 1 § 1 do Protocolo 7 e as dos artigos 6.º e 5.º da CEDH (equidade judicial e controlo judicial da detenção ou prisão), considerando que uma expulsão sem risco (de onde inferem a inexistência de perigo?) não merece a tutela que merece, por exemplo, um processo penal (art.º 6.º) com aplicação de prisão preventiva (art.º 5.º). Entendem que a consideração que foi dada ao caso conduz a dar prioridade, no valer do direito, às garantias processuais contra a expulsão dos estrangeiros residentes legais, às garantias do processo equitativo (art.º 6.º) e de liberdade e segurança (art.º 5.º). Por esta razão, e reportando-se a jurisprudência anterior, entendem que o Acórdão proferido no caso Muhammad e Muhammad, com o sentido que obteve vencimento, avançou, em termos de progresso na tutela dos direitos, em relação aos anteriores, e contestam este avanço.

Curiosamente, o próprio Acórdão padece de insuficiências que saltam aos olhos do estudante do direito europeu, à luz da consolidação deste direito, no caso da CEDH, desde 1949; insuficiências que foram destacadas nas opiniões concordantes, nomeadamente no sentido de um certo conforto do TEDH, em não ir ao fundo de certas questões, em nome da adjudicação equilibrada da resposta do caso. O consenso europeu em torno dos direitos humanos existe hoje, em torno da CEDH e da aceitação da relevância da jurisprudência do TEDH. Ainda assim este consenso está talvez, hoje, mais frágil, do que se revelava ser, por exemplo, ao tempo da parelha Comissão dos direitos humanos e Tribunal europeu dos direitos humanos, nos anos 90, que parecem anos, para quem hoje continua a trabalhar com estes temas, de maravilhamento permanente e nunca desiludido  ante os direitos humanos e o êxito na sua constante aplicação.

Seja permitido recordar o aforismo de Ulpiano, hoje rejeitado nos livros de introdução ao direito: “jus est constans voluntas suum cuique tribuere…” ( o direito é a vontade constante [do jurista] em contribuir com o seu esforço …[para o progresso do direito]).

 

Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos