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4 de março de 2015: Grande Chambre do TEDH examina em audiência, recurso no caso Schatschaswili c. Alemanha

9 mar 2015

Assalto e roubo qualificados. Dois crimes de idêntico conteúdo cometidos em duas cidades diferentes com intervalo de tempo relativamente breve, coincidência de indícios materiais. Recusa em testemunhar na audiência. Prova indireta. Hearsay evidence.

Schatschaswili de nacionalidade da Geórgia, em conjunto com outros indivíduos, atacaram em Outubro de 2006 e em Fevereiro de 2007, respetivamente em Kassel e em Göttingen, duas casas de alterne, apartamentos onde mulheres de origem letónia exerciam a prostituição.

Levaram dinheiro e joias propriedade das mulheres em contextos de elevada violência nas agressões que fizeram.

Estavam a ser investigados por outras razões obtendo-se registos de GPS e escutas telefónicas evidenciando a prática destes crimes.

Foram submetidos a prisão preventiva e aí interrogados pelo Ministério Público. Schatschaswili, não beneficiou do aconselhamento por advogado quando, em prisão preventiva foi interrogado. Não foi efetuado qualquer registo áudio/vídeo dos interrogatórios.

As vítimas queixaram-se e deixaram os seus depoimentos em auto. Uma das vítimas do crime cometido em Kassel conhecia as vítimas do crime cometido em Göttingen, reforçando a convicção do julgador de que o relato do crime de Göttingen pelas vítimas deste tenha sido verdadeiro.

Em registos fotográficos apresentados às vítimas, Schatschaswili não foi inicialmente identificado, só posteriormente o vindo a ser pelos vários elementos que, em feixe, apontavam neste sentido.

Os vários tribunais das várias instâncias de recurso alemãs procuraram obter o depoimento em audiência das vítimas.  Mas estas já tinham saído da Alemanha, regressando à Letónia e apresentaram, quando instadas a comparecer, atestados médicos certificando o seu estado de stress e justificando a sua impossibilidade em comparecer.

Por seu lado, considerando a necessária celeridade dos julgamentos, Schatschaswili veio a ser colocado em liberdade, enquanto aguardava pelo último julgamento, vindo a viajar até à Geórgia onde passou a residir sob outra identidade.

Assegurando-se de que todas as garantias dos arguidos seriam reunidas, nomeadamente a nomeação de defensor para os julgamentos, os tribunais judiciais alemães condenaram o arguido com base na prova obtida sem audição, no julgamento, das vítimas. A hearsay evidence (assim foi assumido de modo expresso) foi admitida porque se considerou a necessidade de julgar um crime particularmente odioso e porque se admitiu terem sido dadas todas as garantias de defesa ao arguido. Uma queixa constitucional com exame do caso concreto para o Tribunal Constitucional foi rejeitada por inadmissibilidade face à qualidade que se assumiu existir, em termos de respeito dos direitos, liberdades e garantias do arguido, em sede dos vários julgamentos.

Reunido em Seção, o TEDH, decidiu por Acórdão de 17 de Abril de 2014, julgando também com referência ao caso Al-Khawaja e Tahery c. Reino Unido, objeto a seu tempo de notícia nesta página, que não se verificava a violação do artigo 6º par. 1 combinado com o art.º 6º par. 3 da CEDH, os quais preveem que o julgamento equitativo repousa também sobre o direito de se defender a si próprio  e de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas da acusação. Note-se que Schatschaswili, nem sequer foi notificado da audiência da primeira instância que o veio a condenar para existir a certeza que o seu caso seria corretamente examinado e que viria a ser adequadamente julgado.

E é precisamente sobre estes pontos, embora concedam que as testemunhas são também aqui as vítimas e que os crimes são particularmente graves, que intervém os juízos em opiniões dissidentes, da juiza Ann Power-Forde e do juiz Zupancic.

Baseando-se precisamente no conjunto de elementos que, com Al-Khawaja e Tahery foram definidos como requisitos de admissibilidade da limitação de uma condenação ao emprego da hearsay evidence, Ann Power Forde sublinha que, podendo-se prever que o arguido iria ser julgado segundo este método, ele não beneficiou do apoio de um advogado no decurso dos seus interrogatórios em prisão preventiva. Advertiu ainda que, no caso Al-Khawaja, as razões da ausência das testemunhas foram a morte, num caso e a outra o grave medo. Para esta Magistrada tão graves motivos não estariam aqui reunidos. Finalmente, Schatschaswili teria dado explicações plausíveis quanto à refutação da prova circunstancial, nomeadamente a utilização do GPS.

Por todas estas razões existiria aqui para a juiza Ann Power Forde e o juiz Zupancic uma violação do art.º 6º par. 1 da CEDH combinado com o seu par. 3, al. c.

Que a solução do Acórdão da Seção de 17 de Abril passado não é evidente nem, de todo, consensual, atesta o facto de ter havido recurso desta decisão e de no dia 4 de Março último, a Grande Chambre ter dado início ao exame deste caso. Resta aguardar para ver o que com a sua sempre muito elevada qualidade técnica e humana o TEDH nesta Alta Formação irá decidir.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira