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Alto Comissário informa Conselho de Segurança sobre as implicações de direitos humanos das armas pequenas

14 maio 2015

O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, interveio ontem perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas a fim de informar o Conselho sobre os custos humanos da transferência ilícita, desestabilização, acumulação e mau uso das armas pequenas e ligeiras. 

O Alto Comissário disse-se grato por esta oportunidade de intervir perante o Conselho e declarou: “o banho de sangue e devastação causados por estas armas nunca deixam de dar azo a unânimes declarações de choque. Mas quando a comunidade internacional é chamada a controlar mais eficazmente a produção e comércio de armamento pequeno e ligeiro, os Estados defendem definições frouxas, bem como diversas exclusões e lacunas, tornando-se a aplicação fraca. A razão é clara: o comércio de armas pequenas é um negócio de muitos milhões.

E, no entanto, os custos humanos e económicos da violência armada também ascendem a centenas de milhares de milhões de dólares. São as armas que matam mais facilmente: os instrumentos mortíferos mais portáteis, mais facilmente acessíveis, mais casuais – mesmo uma criança pequena pode, com os seus pequenos músculos, ceifar uma vida. Na guerra, porém, chocantemente, é muitas vezes a criança que é baleada.

A vasta maioria das vítimas não é a versão ao vivo da silhueta de um homem sobre fundo branco empunhando uma arma, que os polícias e militares de todo o mundo usam para praticar tiro ao alvo. A versão ao vivo é muito diferente. A maioria dos humanos baleados e atingidos com morteiros são pessoas vulgares e não combatentes num conflito armado. Tendem a ser dos mais pobres ou mais vulneráveis membros da sociedade: idosos, mulheres, crianças, pessoas com deficiência. São frequentemente os que “ficam para trás”, pessoas que não conseguem fugir quando o perigo espreita, porque não têm para onde ir ou porque não se conseguem deslocar fisicamente. Muitos são mortos; inúmeros outros são mutilados e podem ficar com deficiências permanentes.

Para que reflectissem melhor a realidade, as silhuetas usadas para praticar tiro ao alvo não deveriam pois ser ameaçadores homens armados, mas sim pessoas aterrorizadas escondidas debaixo de mesas, encolhidas nos cantos de quartos escuros com as suas famílias ou estendidas de cara para baixo numa vala.

E porquê? Porque a guerra não é só o cumprimento clínico de um qualquer objectivo militar ou estratégico; a guerra, na zona de morte, significa muitas vezes uma exibição macabra de crueldade humana, por razões que ainda não entendemos completamente. Por que tem ela de ser tão violenta para os civis e não combatentes?

As patologias do comportamento humano têm ainda de explicar a razão, mas sabe-se que, se o mais velho companheiro da guerra é o crime de guerra, a sua noiva é quem lucra com ela.

Existem simplesmente demasiadas pessoas envolvidas no comércio da morte, no negócio ilícito da transferência de armas que está inegavelmente a prejudicar a vida humana e, no entanto, raramente vemos estas pessoas que facilitam e são cúmplices em violações graves de direitos humanos e direito internacional humanitário serem responsabilizadas de qualquer forma. Há que colocar a protecção da vida humana e os direitos humanos no centro desta discussão.

O contraste é também assustadoramente flagrante entre os confortáveis lucros dos comerciantes destas armas – sem falar nos estilos de vida associados dos mais bem sucedidos entre eles – e as vítimas da sua utilização, que na maioria dos casos não encontram qualquer recurso ou solução para os tormentos e deficiências que as mesmas armas lhes provocaram.

Todos sabemos que as armas pequenas não se limitam a facilitar a matança e as mutilações – também matam as economias e os laços sociais que sustentam todos os tipos de instituição e progresso colectivo. A sua disponibilidade generalizada pode contribuir para a negação sustentada dos direitos humanos, incluindo os direitos à educação e à saúde; para a letalidade da conduta criminosa; para o colapso das estruturas sociais; para a delapidação ilícita dos recursos naturais; para a diminuição do comércio e investimento; para o aumento da violência contra mulheres e raparigas; para a violência de gangues; para o colapso do Estado de Direito; e para um sentimento generalizado de impunidade, abrindo em muitas partes do mundo cenários de completa ausência da lei.

O Alto Comissariado congratula-se com a convocação desta reunião e apelamos ao Conselho de Segurança para que continue a basear-se na Resolução 2117 (2013). Tomamos também nota da próxima realização, dentro de algumas semanas, da segunda reunião aberta do Grupo de Peritos, esperando que a mesma consiga alcançar progressos importantes.

A recente entrada em vigor do Tratado ATT é uma verdadeira fonte de esperança, se mais Estados Membros o ratificarem e concordarem em proceder à sua verdadeira implementação, em particular dos seus artigos 6.º e 7.º, respeitando as salvaguardas de direitos humanos que estão no coração do tratado. O Conselho de Segurança deve continuar a apoiar fortemente o ATT e deve mandatar as operações das Nações Unidas para inscrever a capacitação com vista à implementação do Tratado ATT na sua assistência regional e nacional, a par da capacitação nas áreas dos direitos humanos e das instituições do Estado de Direito.

A minha antecessora, Navi Pillay, propôs ao Conselho em Agosto de 2014 que, à luz do Tratado ATT, e “quando existam preocupações de direitos humanos nos países que compram armas pequenas em grandes quantidades, uma das condições da venda seja a aceitação de uma pequena equipa de monitorização da situação de direitos humanos.” Também eu acredito que esta ideia inovadora tem de ser mais pensada e insto os Estados Partes a explorá-la, em conjunto com os distintos membros do Conselho de Segurança.”


Autor: Raquel Tavares

Fontewww.ohchr.org