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Alto Comissário insta Reino Unido a combater discurso xenófobo e apelos ao ódio contra migrantes

29 abr 2015

“Após décadas de desinformação, distorção e abusos constantes e sem restrições contra os estrangeiros”, e no rescaldo de um artigo recentemente publicado no jornal The Sun onde os migrantes são chamados de “baratas”, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, instou na passada sexta-feira as autoridades, meios de comunicação social e organismos reguladores do Reino Unido a tomarem medidas para conter os apelos ao ódio dos tablóides britânicos, na linha das obrigações do Estado à luz do direito nacional e internacional. 

O Alto Comissário apelou também a todos os países europeus para que tomem medidas mais firmes contra o racismo e a xenofobia que, disse: “a coberto da liberdade de expressão, estão a conseguir alimentar um círculo vicioso de demonização, intolerância e politização dos migrantes, bem como de minorias europeias marginalizadas como os ciganos.”

“Não se trata apenas de compaixão pelas milhares de pessoas que fogem dos conflitos, violações de direitos humanos e privação económica e se afogam no Mediterrâneo. A perigosa semente do racismo que está a caracterizar o debate sobre imigração num número crescente de países da UE tem vindo a comprometer a resposta da UE à crise, a qual, tal como vemos nos resultados das deliberações do Conselho da UE de ontem, se centra na dissuasão e na prevenção da circulação a todo o custo, arriscando-se a agravar ainda mais a crise e podendo tristemente resultar em novas perdas massivas de vidas.”

Um artigo de uma colunista do jornal The Sun publicado a 17 de Abril começa com as palavras “Mostrem-me fotografias dos caixões, mostrem-me corpos flutuando na água, toquem violinos e mostrem-me pessoas escanzeladas com olhar triste. Continuo a não querer saber.” Noutros trechos, a colunista descreve os migrantes como “uma praga de humanos selvagens”, compara-os a um “novo vírus” e diz que algumas cidades britânicas estão a “apodrecer feridas, praguejadas de enxames de migrantes e requerentes de asilo que acumulam benefícios como dinheiro do Monopólio.”

A colunista do The Sun defendeu também a utilização de barcos de guerra para parar os migrantes, ameaçando-os com violência, e disse: “fazer alguns furos no fundo de qualquer coisa suspeita que se pareça com um barco seria também uma boa ideia.”

Numa linguagem muito semelhante à utilizada pelo jornal ruandês Kangura e pela estação de rádio Mille Collines na escalada para o genocídio de 1994, a colunista disse “não tenham dúvidas, estes migrantes são como baratas.” Responsáveis de ambos os órgãos de comunicação social ruandeses viriam mais tarde a ser condenados por um tribunal internacional pelo crime de incitamento público à prática do genocídio.

Na segunda-feira, uma ONG britânica, Society of Black Lawyers, apresentou queixa do jornal The Sun à Polícia Metropolitana do Reino Unido e pediu que o caso seja investigado ao abrigo da Lei de Ordem Pública de 1986 a fim de apurar se artigo constitui incitamento ao ódio racial.

O Alto Comissário Zeid instou as autoridades do Reino Unido a levarem a sério a queixa e a observar de perto a mais ampla questão do incitamento ao ódio pela imprensa tablóide e outros sectores da sociedade. “Esta agressão verbal perversa contra os migrantes e requerentes de asilo na imprensa tablóide do Reino Unido está há demasiado tempo impune aos olhos da lei. Sou um acérrimo defensor da liberdade de expressão, que é garantida pelo artigo 19.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), mas ela não é absoluta. O artigo 20.º do mesmo Pacto diz que ‘Todo o apelo ao ódio nacional, racial e religioso que constitua uma incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência deve ser interditado pela lei.’”

O Alto Comissário observou que o artigo 20.º do PIDCP, bem como elementos relativos ao apelo ao ódio constantes da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ambos os tratados foram ratificados pelo Reino Unido, bem como por todos os restantes Estados Membros da UE), se baseia na vontade de proibir o tipo de discurso anti-semita e de apelo ao ódio racial utilizado pelos meios de comunicação nazis na década de 1930. “Os meios de comunicação nazis descreviam as pessoas que os seus líderes queriam eliminar como ratos e baratas. Este tipo de linguagem é claramente incendiário e inaceitável, especialmente num jornal nacional. Os editores do The Sun tomaram a decisão editorial de publicar este artigo e – se o mesmo for considerado violador da lei – devem ser responsabilizados juntamente com a autora.”

Zeid afirmou que o artigo do The Sun é apenas um dos exemplos mais extremos dos milhares de artigos contra estrangeiros publicados nos tablóides britânicos nas últimas duas décadas. “Para ter uma pequena ideia da escala do problema, em 2003 o Daily Express publicou em primeira página 22 histórias negativas sobre requerentes de asilo e refugiados só num período de 31 dias. Os requerentes de asilo e migrantes têm vindo, dia após dia e desde há muitos anos, a ser associados a violações, homicídios, doenças como o VIH e a tuberculose, roubos e quase todos os crimes e delitos imagináveis em chamadas de primeira página e artigos de duas páginas, em cartoons, editoriais e mesmo nas páginas desportivas de quase todos os tablóides britânicos de circulação nacional”, disse. “Muitas destas histórias foram flagrantemente distorcidas e algumas constituíram pura invenção. Nos outros países europeus, bem como em outros países, tem vindo a ter lugar um processo de demonização semelhante, mas geralmente liderados por partidos políticos extremistas ou demagogos e não por meios de comunicação social extremistas."

O Alto Comissário afirmou ainda que “embora as questões relacionadas com os imigrantes e refugiados sejam tópicos completamente válidos de debate político, é imperativo que as decisões em matéria de política de imigração que afectam a vidas das pessoas e os direitos humanos fundamentais sejam tomadas com base em factos – não ficções, exageros ou manifesta xenofobia. A história tem demonstrado uma e outra vez os perigos da demonização de estrangeiros e minorias e é extraordinário e profundamente vergonhoso ver este tipo de tácticas ser utilizado numa série de países, simplesmente porque o racismo e a xenofobia são tão fáceis de invocar para ganhar votos ou vender jornais.”


Autor: Raquel Tavares

Fontewww.ohchr.org