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Brasil instado a tomar medidas para reduzir a sobrelotação das prisões e prevenir a tortura

17 ago 2015

O Relator Especial das Nações Unidas sobre tortura, Juan E. Méndez, apelou na passada sexta-feira às autoridades federais e estaduais brasileiras para que tomem medidas urgentes para combater o problema da sobrelotação prisional no país e se mostrem “verdadeiramente empenhadas na implementação de medidas contra a tortura”. 

Estas declarações foram proferidas no encerramento de uma visita oficial de 12 dias ao Brasil, durante a qual levou a cabo visitas não anunciadas a locais de detenção, nomeadamente esquadras policiais, estabelecimentos de prisão preventiva, penitenciárias, centros de detenção para jovens e instituições de saúde mental.

“Muitas das unidades visitadas estão gravemente sobrelotadas – em alguns casos com aproximadamente três vezes a sua verdadeira capacidade”, declarou o perito. “Isto leva a condições caóticas dentro dos estabelecimentos e tem um severo impacto nas condições de vida dos reclusos e no seu acesso a apoio judiciário, cuidados de saúde, apoio psicossocial, oportunidades de trabalho e educação, bem como ao sol, ar fresco e actividades de lazer.

Através das visitas, o perito independente verificou como a sobrelotação grave gera tensões e uma atmosfera de violência, na qual os maus-tratos físicos e psicológicos dos reclusos se tornam a norma.

“A utilização de gás pimenta, gás lacrimogéneo, bombas de ruído e balas de borracha pelo pessoal penitenciário é frequente, assim como os episódios de pontapés e espancamentos graves”, acrescentou, sublinhando que o pessoal penitenciário que exerce funções nos estabelecimentos prisionais está muitas vezes fortemente armado, incluindo com armas de assalto, revólveres e granadas de mão. Numa das ocasiões, indicou, mesmo com um propulsor de gás lacrimogéneo e lançador de granadas.

A partir de reuniões mantidas com reclusos de vários estabelecimentos de detenção, Juan Méndez obteve testemunhos credíveis de episódios de tortura e maus-tratos pela polícia aquando da captura e interrogatório dos detidos. A este respeito, notou com preocupação “a falta de uma política robusta para lidar com os casos de tortura, a ausência de responsabilização pelos mesmos e a probabilidade de que esta situação se mantenha e mesmo que estas práticas se venham a agravar, em número e severidade.”

O Relator Especial congratulou-se com as medidas tomadas, ou previstas, para combater a tortura e os maus-tratos, a vários níveis da administração pública brasileira, como o estabelecimento de um Mecanismo Nacional de Prevenção na sequência da ratificação, pelo Brasil, do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura, o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT), bem como o projecto-piloto que introduz em cinco estados federados as audiências para efeitos de privação de liberdade. Porém, notou, “são necessários mais esforços para garantir a implementação a nível nacional das salvaguardas conferidas por estas instituições e procedimentos.“

Entre outras medidas, o perito recomendou às competentes autoridades brasileiras que alarguem imediatamente a todo o país a aplicação das audiências nos casos de privação de liberdade e as redesenhem a fim de encorajar as vítimas a falar e permitir uma recolha de prova eficaz nos casos de alegada tortura e maus-tratos. As audiências no âmbito dos processos de privação de liberdade têm a vantagem de reduzir o número desproporcionalmente elevado de presos preventivos (actualmente 40%) e prevenir a tortura e os maus-tratos.

Juan Méndez observou também que os magistrados têm à sua disposição serviços médico-legais, nomeadamente para as audiências relativas à privação de liberdade; mas avisou que, fazendo os mesmos parte do departamento de segurança pública do Estado, carecem de independência. Além disso, o pessoal médico-legal não dispõe em geral de formação e conhecimentos suficientes para a aplicação das normas internacionais na área da medicina forense. “Apoio em pleno a proposta de revisão constitucional que visa tornar todos os serviços federais e estaduais de medicina forense totalmente independentes”, disse.

O Relator Especial manifestou também preocupação com a proposta de revisão constitucional, actualmente pendente de aprovação pelo Congresso, para diminuir a idade de imputabilidade penal das crianças dos 18 para os 16 anos, bem como com outra proposta para aumentar a duração máxima da detenção em estabelecimento sócio-educativo, dos actuais três anos para dez anos.

“O julgamento de delinquentes juvenis como adultos violaria as obrigações do Brasil à luz da Convenção sobre os Direitos da Criança”, afirmou o perito. “Além disso, a aprovação destas propostas agravaria a já grave sobrelotação dos estabelecimentos prisionais em todo o país”.

O relatório final relativo a esta visita será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos em Março de 2016.


Autor: Raquel Tavares