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Comissário para os Direitos Humanos apela a uma nova abordagem europeia à crise dos refugiados sírios

4 fev 2015

O Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Nils Muižnieks, apelou aos Estados europeus para que adoptem uma nova abordagem à crise dos refugiados sírios, no seu mais recente Comentário de Direitos Humanos, ontem publicado. 

“Há pouco mais de um ano, decidi seguir os passos dos refugiados sírios na Europa, para melhor entender aquilo por que passavam. Nesse momento, receava que a maioria dos governos europeus estivesse a reagir com indiferença à maior crise de refugiados enfrentada pelo nosso continente em mais de duas décadas. Havia relatos de refugiados sírios a serem enviados de volta, enquanto outros, tendo chegado à Europa, acabavam detidos. A Turquia foi o único país que abriu os braços aos sírios necessitados. No resto da Europa, a Alemanha, Suécia e Arménia tomaram medidas para receber um número limitado de cidadãos sírios através de programas de reinstalação e outras formas de admissão, enquanto outros países arrastaram a decisão. Concluí que a Europa não tinha estado à altura do desafio e estava a negligenciar esta crise”, afirmou o Comissário.

“Na semana que marcou a passagem de 2014 para 2015, mais de 1000 refugiados, na sua maioria sírios, foram salvos de dois barcos fantasma superlotados rebocados para a costa de Itália. A sua chegada causou alarme e desencadeou novas promessas de que a Europa iria aumentar os esforços para, primeiramente, combater o auxílio à imigração clandestina no Mediterrâneo. E, no entanto, a situação dos refugiados sírios é muito mais alarmante do que isso.

Em 2014, a escala da crise de refugiados sírios continuou a aumentar exponencialmente. Os sírios tornaram-se no maior grupo de refugiados do mundo sob mandato do ACNUR permanecendo ainda, na sua vasta maioria – mais de 3.8 milhões – nos países vizinhos da Síria. O número de refugiados sírios é agora superior a 1.6 milhões na Turquia, 1.1 milhões no Líbano e 620000 na Jordânia.

Porém, estes países estão com dificuldades em responder às necessidades básicas dos refugiados sírios. Os problemas incluem a superlotação de escolas e estabelecimentos de saúde, a pressão sobre as infra-estruturas de água, saneamento e electricidade e a falta de habitação adequada. Cerca de 85% dos sírios que se encontram na Jordânia e Turquia vivem fora dos campos de refugiados, sendo muitos deles forçados pela pobreza extrema a recorrer a estratégias desesperadas para conseguir sobreviver, incluindo mendicidade e exploração laboral. Confrontado com sérias dificuldades económicas, o Líbano introduziu recentemente restrições à entrada de sírios.

Para além de todas as dificuldades, a nova e muito jovem geração de sírios é também confrontada com a ameaça de apatrídia. Dados do ACNUR mostram que mais de 50000 crianças de origem síria nasceram nos países vizinhos desde o início do conflito em 2011. Destas, cerca de 70% pode não possuir certidão de nascimento.

Na Europa, num movimento positivo, vários países comprometeram-se em 2014 a proceder a mais reinstalações, bem como a permitir a entrada de refugiados sírios por motivos humanitários e outros. A Alemanha lidera com o acolhimento de 30000 pessoas. Embora sejam também necessários gestos de generosidade semelhantes de outros grandes Estados europeus, esta é uma clara melhoria por comparação com o número total de cerca de 15000 vagas prometidas no ano anterior. Além disso, apesar da disparidade nas taxas de reconhecimento, mais de 90% dos pedidos de asilo feitos por refugiados sírios nos Estados membros da UE foram objecto de decisão favorável nos primeiros três trimestres de 2014.

Porém, estes números não nos devem levar a ser complacentes. Na verdade, de 2011 até agora, a Europa, uma das regiões mais ricas do mundo, recebeu apenas cerca de 6% de todos os refugiados sírios – aproximadamente 210000 pessoas no total, das quais 126590 em 2014. Continuaram também a existir denúncias de expulsões violentas de cidadãos sírios em 2014. Além disso, quando o conflito na Síria se aproxima do seu quinto ano, em muitos países europeus os refugiados sírios reconhecidos continuam a ser deixados à sua sorte, sem medidas adequadas que facilitem a sua reintegração, apesar de a sua deslocação forçada ser manifestamente de longo prazo.”

“Passado mais um ano em que cada vez mais cidadãos sírios sofreram as consequências do conflito no seu país, todos os Estados europeus são instados a ser mais generosos e a assumir a sua responsabilidade por proporcionar protecção efectiva às pessoas necessitadas. A acção dos Estados nesta área pode ser orientada pelas seguintes recomendações:

• As políticas e práticas que impedem o acesso dos refugiados sírios, nomeadamente expulsões colectivas nas fronteiras terrestres ou marítimas, devem cessar. As políticas e práticas proibitivas da entrada acabam, na verdade, por fazer aumentar a migração irregular e alimentam o tráfico de pessoas e o auxílio á imigração clandestina.

• Os refugiados sírios não devem ser reenviados para países cujas economias e sistemas de asilo não consigam suportar os números crescentes de refugiados e sejam assim incapazes de garantir uma adequada recepção e protecção, especialmente a pessoas de particular vulnerabilidade como as crianças.

• É preciso que a Europa continue a responder pronta e generosamente aos apelos do ACNUR para apoiar os países vizinhos da Síria. Isto não deve significar apenas ajuda financeira: os Estados europeus, especialmente os maiores e mais ricos, devem também demonstrar solidariedade internacional recebendo mais refugiados sírios, através de mecanismos de realojamento e admissão humanitária, bem como de outros programas específicos.

• É mais do que tempo de os países europeus fomentarem a integração dos refugiados sírios nas suas sociedades. Dada a natureza prolongada do conflito na Síria, muitos destes refugiados irão provavelmente permanecer na Europa e tornar-se cidadãos dos seus países de acolhimento. Isto é também verdade para países como a Hungria, a Bulgária ou a Sérvia, que se têm considerado até agora países de trânsito. As políticas de integração devem ser abrangentes, cobrindo a sensibilização e consciencialização para os direitos humanos no seio das comunidades de acolhimento e refugiadas, a educação, o emprego, a habitação, os cuidados de saúde e outros serviços sociais.

• Por último, nenhuma criança refugiada de origem síria na Europa deve ser deixada sem nacionalidade. Garantir o futuro das crianças sírias tem de continuar a ser uma prioridade na resposta europeia ao sofrimento dos refugiados sírios.”


Autor: Raquel Tavares

Fontewww.coe.int