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Comissário para os Direitos Humanos publica novo Comentário sobre a história dos ciganos na Europa

5 ago 2015

O Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Nils Muižnieks, publicou na passada semana mais um Comentário de Direitos Humanos, relativo à história do povo cigano na Europa. Neste Comentário, publicado em antecipação ao dia que assinala o genocídio do povo cigano durante a Segunda Guerra Mundial – 2 de Agosto – o Comissário afirma designadamente ser tempo de “curar a amnésia” sobre a história dos ciganos na Europa, considerando existir um “buraco negro na história europeia que impede a plena compreensão do presente”. 

“Dentro de alguns dias, lembraremos a liquidação, há 71 anos, do chamado campo para famílias ciganas de Auschwitz-Birkenau. A 2 de Agosto de 1944, 2897 pessoas foram levadas para as câmaras de gás e exterminadas. Escassos meses antes, a 16 de Maio de 1944, os detidos do “campo cigano” tinham-se recusado a obedecer às ordens dos soldados das SS vindos para os matar. O conhecimento, quer da insurreição dos ciganos, quer da liquidação do “campo cigano” continua a ser muito limitado nas sociedades europeias contemporâneas”, afirma o Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa.

“O conhecimento da história dos ciganos na Europa é fundamental para entender a sua actual situação. Embora muitas das pessoas que encontrei tenham opiniões sobre o povo cigano, poucas sabem alguma coisa da sua história. A maioria das pessoas não sabe, por exemplo, que os ciganos foram banidos do Sacro Império Romano em 1501 e que, a partir desta data, podiam ser capturados e mortos por qualquer cidadão. Em França, Louis XIV decretou em 1666 que todos os ciganos do sexo masculino fossem sujeitos a prisão perpétua sem julgamento, que as mulheres fossem esterilizadas e que as crianças fossem colocadas em abrigos para pobres. Em Espanha, decidiu-se em 1749 prender todos os ciganos, numa operação que ficou conhecida como a “Grande Rusga aos Ciganos”. Em parte do território que constitui hoje a Roménia (Wallachia e Moldova), os ciganos foram escravizados entre o século XIV e 1856. Maria Teresa, Imperatriz do Império Austro-Húngaro, impôs uma feroz política de assimilação que implicou a separação das crianças dos seus pais.

Em tempos mais recentes, as crianças ciganas e yenish foram separadas à força das suas famílias na Suíça, a pretexto de que os seus pais não conseguiam educá-las como bons cidadãos. De forma semelhante, muitos franceses desconhecem que os ciganos detidos em campos situados em território francês durante a Segunda Guerra Mundial permaneceram, em alguns casos, detidos em condições miseráveis até ao final de 1946, ou que os sobreviventes ciganos dos campos de concentração nazis foram deixados sem qualquer apoio e privados de nacionalidade muito após 1945.

O Pharrajimos cigano – Holocausto dos ciganos – levado a cabo durante a Segunda Guerra Mundial, foi o culminar destas políticas de exclusão, eliminação e assimilação forçada. Cerca de 90% da população cigana de alguns países desapareceu em resultado dos massacres e deportações para os campos de concentração. Contudo, 70 anos após o final da Segunda Guerra Mundial, o trabalho de honrar a memória dos ciganos está ainda incompleto. No meu relatório sobre a República Checa (2013), por exemplo, recordei que uma suinicultura está ainda presente no local do antigo campo de trabalho de Lety, onde ciganos permaneceram detidos durante a Segunda Guerra Mundial, antes de serem deportados para Auschwitz.

É também profundamente preocupante que alguns políticos dos principais partidos, num contexto de crescente populismo na Europa, se tenham permitido desculpar publicamente o Holocausto do povo cigano. Para além de trivializar algumas das mais horrendas violações de direitos humanos do passado, tal discurso reforça e legitima o actual racismo contra os ciganos.

Ter presente este trágico passado ajuda a compreender a razão pela qual alguns membros da etnia cigana podem ter dificuldade em confiar nas sociedades maioritárias e instituições públicas da actualidade. Não se pode ignorar a pesada herança das anteriores práticas de esterilização forçada, separação de crianças e perfis étnicos nas actuais relações entre as comunidades ciganas e a polícia ou as instituições públicas em geral.”

No seu Comentário, o Comissário sublinha que a ignorância do passado permite a perpetuação das violações de direitos humanos e aponta vários exemplos de soluções adoptadas para resolver o problema, nomeadamente o pedido formal de desculpa do presidente norueguês aos ciganos de Oslo pelas políticas seguidas pelo país durante a Segunda Guerra Mundial; a homenagem do Presidente francês à memória dos ciganos detidos no campo de concentração de Struthof, situado perto de Estrasburgo; a construção de monumentos de homenagem aos ciganos que pereceram na Segunda Guerra Mundial em vários locais; a menção específica do Holocausto do povo cigano em diversos acordos de cooperação assinados entre Länder alemães e comunidades sinti e romani; o pedido de desculpa do governo suíço às vítimas separadas à força das suas famílias durante a infância e a recente afirmação da disponibilidade para as indemnizar; bem como as comissões de verdade e reconciliação recentemente estabelecidas na Suécia e Noruega.

Destacando sempre a importância de ouvir finalmente as opiniões das próprias comunidades ciganas, Nils Muižnieks referiu ainda a resolução do Parlamento Europeu, adoptada em Abril de 2015, que reconhece “o facto histórico do genocídio dos ciganos que teve lugar durante a Segunda Guerra Mundial” e propõe a proclamação de 2 de Agosto como Dia Europeu de Memória do Holocausto Cigano” (medida já tomada em alguns países), assim como a elaboração, pelo Conselho da Europa, de fichas informativas sobre a história do povo cigano, sugerindo a sua maior utilização nos sistemas de ensino dos Estados membros.

A proposta de criação de um Instituto Europeu para os Ciganos poderá, segundo o Comissário, “ajudar a garantir que o passado não é esquecido e aumentar do conhecimento sobre a história e a cultura” deste povo.

Nils Muižnieks termina o seu Comentário recordando o discurso do falecido Presidente checo Vaclav Havel, proferido em 1995 na cerimónia de inauguração de um memorial às vítimas ciganas do campo de Lety: “não se trata apenas da história dos ciganos. Trata-se da história de todos os ocupantes deste território, da nossa história comum. É preciso que seja identificada, compreendida e, então, jamais esquecida.”


Autor: Raquel Tavares

Fontewww.coe.int