Simp

Está aqui

Crise na Grécia: “direitos humanos não devem ficar à porta das instituições internacionais”

3 jun 2015

A crise da dívida soberana grega põe em evidência a necessidade de encontrar melhores soluções para evitar que as políticas de reformas económicas comprometam o gozo dos direitos humanos, considerou o Perito Independente das Nações Unidas sobre dívida externa e direitos humanos, Juan Pablo Bohoslavsky, em comunicado ontem divulgado.

O perito instou as instituições europeias, o Fundo Monetário Internacional e a Grécia a mostrar coragem e a chegar a um acordo sobre a crise da dívida soberana grega que respeite os direitos humanos, acrescentando que estes “não podem ficar à porta das organizações internacionais e instituições financeiras internacionais.”

“Se não houver acordo, a Grécia pode acabar por, mais cedo ou mais tarde, entrar em incumprimento, agravando ainda mais a crise no país. Os direitos económicos e sociais podem ficar ainda mais comprometidos na Grécia em virtude da falta de flexibilidade e de coragem para encontrar um acordo mutuamente benéfico que respeite os direitos humanos.

Em causa estão, não só as obrigações de pagamento da dívida, mas também os próprios alicerces nos quais assenta a construção europeia: uma união de nações que tem no seu âmago os direitos humanos, a dignidade humana, a igualdade e a solidariedade. As duras condições impostas pelo programa de ajustamento grego resultaram em cortes severos na despesa social, cuidados de saúde e educação, suscitando preocupações quanto à capacidade do governo grego para garantir direitos económicos e sociais básicos.

As políticas de austeridade e reformas implementadas desde 2010 não conseguiram até agora resolver o problema da Grécia. Em vez disso, agravaram bastante a crise social no país e claramente não estimularam a economia nacional em benefício da população grega. O desemprego continua a situar-se nos 25 por cento, afectando desproporcionadamente as mulheres e os jovens. Segundo os mais recentes dados disponíveis, um em cada dois jovens adultos está desempregado. O número de pessoas em risco de pobreza e exclusão social aumentou para 35.7%, a maior percentagem da zona euro.

No fundamental, muitas das questões de direitos humanos identificadas pelo meu antecessor durante a sua visita à Grécia há dois anos continuam, se é que não se agravaram. Congratulo-me com a criação, pelo Parlamento grego, de uma comissão de inquérito sobre a dívida. É necessário esclarecer quem beneficiou, e em que medida, dos empréstimos irresponsáveis e perdões de dívida e quem são os responsáveis pela actual situação financeira.

Em Abril de 2015, foi adoptada uma lei para aliviar um pouco a situação das pessoas que vivem em situação de pobreza extrema, incluindo a concessão de subsídios à habitação, senhas alimentares e reposição limitada do acesso à electricidade; no entanto, esta iniciativa não vai suficientemente longe. É necessária uma abordagem mais holística para dar resposta às questões dos direitos económicos e sociais na Grécia.

Deve ser dada prioridade à utilização dos limitados recursos disponíveis para dinamizar a economia real e colmatar lacunas na rede de segurança social e no sistema nacional de saúde. Deve considerada a possibilidade de adoptar um programa abrangente de criação de emprego. É preciso que os sacrifícios inerentes ao ajustamento sejam partilhados de forma justa, em conformidade com as obrigações assumidas pela Grécia e Estados credores ao abrigo do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Carta Social Europeia e outras normas internacionais de direitos humanos. Tal deverá incluir a adopção de medidas fiscais para apoiar transferências sociais tendo em vista atenuar desigualdades, o combate à evasão fiscal, a tributação dos bens financeiros localizados no estrangeiro pertencentes a residentes na Grécia e o aumento dos impostos sobre bens de luxo e património imobiliário de alto valor. Significa também implementar as necessárias reformas institucionais a fim de evitar o sobreendividamento.

A nível regional, é necessário aperfeiçoar as directrizes sobre rácios de capital para evitar os empréstimos excessivos. E a cláusula do Tratado de Lisboa que proíbe a União de se responsabilizar pelos compromissos financeiros das autoridades nacionais funcionaria melhor em combinação com um mecanismo de insolvência soberana baseado nos direitos humanos.

Prevê-se que a dívida pública atinja este ano 180 por cento do PIB, o que indica que o anterior perdão de dívida foi insuficiente para assegurar a sustentabilidade da dívida a longo prazo. Este ratio era de cerca de 120 por cento quando a crise começou. Talvez seja tempo de reconhecer que um novo perdão da dívida acabará por ser necessário, ao invés de deixar a Grécia, por várias décadas, numa pouco saudável dependência económica e política das instituições credoras.

Os direitos humanos não devem ficar à porta das organizações internacionais e instituições financeiras internacionais. Têm de ser respeitados quando as responsabilidades são delegadas pelos Estados em organismos internacionais, como o Mecanismo Europeu de Estabilização.

Congratulo-me com o facto de o Parlamento Europeu ter publicado um estudo abrangente sobre o impacto da crise financeira nos direitos fundamentais e ter recentemente adoptado uma resolução sublinhando a necessidade de facilitar soluções sustentáveis para o problema da dívida, incluindo normas sobre endividamentos e empréstimos responsáveis, mediante um enquadramento jurídico multilateral para os processos de reestruturação da dívida soberana. A mesma resolução apela à UE para que se empenhe construtivamente nas negociações sobre este enquadramento no âmbito das Nações Unidas. Espero que as instituições e governos europeus actuem em conformidade e também que retirem as necessárias consequências das políticas de ajustamento implementadas no espaço da UE.

Estou desejoso de visitar a Grécia num futuro próximo para receber informação actualizada sobre a situação no terreno e solicitei também reuniões oficiais com as instituições europeias competentes.

É necessário encontrar soluções melhores para evitar que as políticas de reforma económica comprometam o gozo dos direitos humanos. Esta não é uma tarefa fácil, mas é exequível, como demonstrou a resposta da Islândia à crise do seu sistema bancário.”


Autor: Raquel Tavares

Fontewww.ohchr.org