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“Eu não estou cá”: novo documentário sobre as violações de direitos humanos dos migrantes ilegais trabalhadores domésticos

22 set 2015

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos acaba de divulgar um novo documentário sobre as violações de direitos humanos dos migrantes ilegais que trabalham na área do serviço doméstico. O filme, realizado por Ashvin Kumar, nomeado para um Óscar da Academia, foi projectado no decorrer da 30.ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, que decorre em Genebra.

“Era meio dia e eu estava no combóio … regressando a casa do trabalho. Senti alguém atrás de mim e outra pessoa à minha frente. É assim que eles fiscalizam. Tirei o bilhete. Quando vêem o bilhete olham para a fotografia e olham para ti. Era óbvio que a pessoa da fotografia não era eu”, declarou Fanny Flores, recordando o momento em que foi apanhada pela polícia por ser imigrante irregular em Zurique, na Suíça.

“Enfiaram-me no carro da polícia e puseram a minha cabeça para baixo. Nesse momento, vieram-me à cabeça as imagens dos meus filhos. Tudo nos vem à garganta. Tens vontade de gritar, de chorar, de fazer muitas coisas. Nesse momento, tudo entra em colapso”, disse. Fanny Flores foi deportada, mas conseguiu regressar à Suíça a pé atravessando os Alpes italianos.

A Senhora Flores era dona de uma padaria na Bolívia, país onde vivia com o seu marido e três filhos. Mas, após anos a suportar maus tratos físicos do marido, sentiu que tinha de fugir a fim de dar uma vida melhor aos filhos.

Na Suíça, trabalhou como babysitter, empregada de limpeza e jardineira. A dor por não ver os filhos há 20 anos está estampada no seu rosto. Só consegue falar-lhes através da Internet, quando estende a mão para tocar os seus rostos no ecrã do computador.

O documentário agora tornado público dá a conhecer a dura realidade dos migrantes não documentados trabalhadores do serviço doméstico através das histórias de três mulheres: Fanny Flores em Zurique; Jennifer Norgriff-Bernard em Nova Iorque, que deixou Trindade e Tobago para fugir à pobreza e ao casamento forçado; e uma jovem que não pode revelar a sua identidade residente em Kuala Lumpur, que foi vítima de agressão sexual e espancada pelos seus empregadores.

Estima-se que existam actualmente 50 milhões de pessoas trabalhadoras do serviço doméstico. Muitos deles são mulheres e encontram-se numa situação irregular. Os trabalhadores domésticos limpam, passam a ferro, cozinham, fazem jardinagem, prestam cuidados de saúde no domicílio, conduzem e cuidam de crianças e idosos. Uma vez que trabalham frequentemente à porta fechada, são muitas vezes invisíveis e vítimas de exploração e violência por parte dos seus empregadores ou outras pessoas.

“A nossa intenção ao fazer este filme foi dar voz aos que são demasiadas vezes silenciados e oferecer uma plataforma àqueles que não se atrevem a sair da sombra”, afirmou o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, numa declaração lida em seu nome durante o visionamento do filme no âmbito da 30.ª sessão do Conselho de Direitos Humanos que actualmente decorre em Genebra, suíça.

“Em todo o mundo, milhões de migrantes trabalhadores domésticos não documentados – mulheres, homens e mesmo crianças – vivem as suas vidas na sombra, incapazes de aceder aos serviços que nós tomamos por garantidos e com medo de se queixarem quando são mal tratados”, disse.

O visionamento especial deste documentário juntou os que participaram na realização do filme, Fanny Flores, o governo da Suíça e a União Europeia (entidades que apoiaram financeiramente a realização do documentário), ONG e Estados Membros.

O realizador, Ashvin Kumar, disse ser bastante raro encontrar pessoas que tenham vivido com medo durante décadas e estejam agora dispostas a partilhar as suas histórias com o público num filme. “Este filme mostra a verdadeira história humana”, afirmou. “Por exemplo, a história de Fanny é sobre deslocação. Não consigo imaginar o que seja não ver os filhos durante 20 anos.”

Christina Macgillivray, co-produtora do filme, considerou que, dando àquelas três mulheres a oportunidade de contar as suas próprias histórias, o filme permite compreender melhor os reais desafios e perigos que as pessoas enfrentam quando imigram para outros países.

Dominic Porter, Vice-chefe da Delegação da União Europeia junto das Nações Unidas em Genebra, disse que o filme prova graficamente que os trabalhadores domésticos migrantes constituem o sector mais desprotegido da força de trabalho.

Nas suas declarações, o Alto Comissário Zeid reflectiu sobre a actual crise de regulação da migração no contexto da qual, a par de refugiados que fogem de perseguições e conflitos, migrantes tentam escapar à pobreza, à discriminação e ao desespero. Muitos desses migrantes vêm para fazer trabalhos na área do serviço doméstico. “Não procuram caridade”, disse, referindo que esses migrantes chegam para fazer trabalhos que mais ninguém quer fazer, mas estão a ser forçados a arriscar a sua vida e a sua dignidade para conseguir um emprego.

“Necessitamos de uma discussão sobre imigração mais honesta, mais baseada nos direitos e mais sustentável, na Europa e em todo o mundo. Não podemos continuar a brincar com as vidas e os direitos dos trabalhadores domésticos migrantes”, acrescentou.

A Senhora Flores disse que está orgulhosa do seu trabalho como empregada doméstica e que vive agora legalmente na Suíça. O rendimento do seu trabalho neste país permitiu aos seus filhos ter acesso à educação e iniciar carreiras profissionais na Bolívia. “Houve em mim uma luz”, disse. “Os meus filhos deram-me força”. 


Autor: Raquel Tavares

Fontewww.ohchr.org